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2. Proposta teórica para a análise da implementação de políticas públicas: o modelo de Lima e

4.3. Categoria 3: Atuação dos diretores

Esta categoria revela como a atuação dos diretores das cooperativas e associações ocorre na prática de implementação do PNAE. A Tabela 3 apresenta a frequência dos códigos desta categoria. Por meio do código “escolaridade e treinamento” foi constado que, no território potiguar, uma diretora possui ensino fundamental incompleto, uma diretora possui ensino fundamental completo, dois diretores têm ensino médio e dois diretores concluíram o ensino superior (Administração e Gestão de Cooperativas). No território mineiro, um diretor possui ensino fundamental incompleto, dois diretores possuem ensino médio e uma diretora concluiu ensino superior em Ciências Contábeis.

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Tabela 3 - Análise de frequência da categoria Atuação dos diretores

Territórios

rurais Casos/códigos

Escolaridade e

treinamento Papel/ atuação Trajetória TOTAL

Mato Grande/RN Associação de Pedregulho 1 1 1 3 Associação de Riachão 1 1 1 3 Associação de Rosário 1 1 1 3 Associação de Boqueirão 1 1 1 3 COOPABEV 2 2 1 5 COOAFES 2 2 1 5 Serra do Brigadeiro/MG COOAFA 2 1 1 4 COOPERDOM 1 1 1 3 COOPAF Fervedouro 1 1 1 3 COOPAF Muriaé 1 1 1 3 TOTAL 13 12 10 35

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

É possível perceber que os diretores que possuem curso superior são bacharéis em cursos da área de gestão, o que é um fator positivo para o gerenciamento das organizações. Ademais, foi verificado que a maioria dos entrevistados (exceto as diretoras das Associações de Rosário e Boqueirão), já participou de algum tipo de treinamento/curso referente ao gerenciamento de cooperativas promovido por entidades especializadas de ATER. Uma das agricultoras que nunca participou de algum treinamento/curso relatou:

“Eu aprendi tudo no dia a dia, e assim, eu sempre participo das reuniões do território sempre tem, sempre chega convite a gente vai (Entrevistada Associação de Boqueirão).”

Nota-se, pela fala, que apesar não ter um conhecimento formal específico de gerenciamento de cooperativas, existe vontade da entrevistada em participar de reuniões do Território do Mato Grande/RN, assim como também é possível perceber a importância do conhecimento tácito, que está presente também no cotidiano da implementação do PNAE. Já a fala do entrevistado da COOPABEV relata como sua formação em Administração foi importante para a criação e desenvolvimento da cooperativa:

“Eu só um sócio fundador, então assim a discussão da cooperativa vem desde a associação e eu até pela minha questão de formação em Administração, isso sempre me remeteu a essa curiosidade de tá sempre auxiliando, vendo quais são os melhores processos junto com o pessoal lá que a gente pode tocar, que a gente consegue tocar, quais são os instrumentos que a gente consegue utilizar, quais são os mais fáceis, quais são os adaptáveis, a gente sempre procura isso (Entrevistado COOPABEV).”

135 As falas remetem à importância tanto do conhecimento formal quanto do conhecimento informal, pois a entrevistada que não realizou cursos/treinamentos encontrou nos aprendizados práticos diários uma forma de aprender aspectos relacionados ao gerenciamento da associação e da implementação do PNAE. Já o entrevistado que possui curso superior consegue por meio dele contribuir para o gerenciamento da cooperativa, mas vale destacar que este entrevistado é o único que não é agricultor familiar, mas possui um comprometimento com a cooperativa da qual faz parte e com seus membros, estando sempre engajado para a participação de reuniões, eventos e congressos relacionados à temática da agricultura familiar, economia solidária, gestão social e desenvolvimento territorial. No entanto, é preciso ter uma visão crítica a respeito desta constatação, pois, para a maioria dos agricultores familiares existe uma dificuldade em dar continuidade aos estudos, devido ao trabalho no meio rural, e, por razões como esta, o entrevistado com maior escolaridade é aquele não é um agricultor familiar.

Esta categoria é formada também pelo código “papel/atuação”, que mostra como as obrigações dos diretores das associações e cooperativas se manifestam para o funcionamento destas e na implementação do PNAE. Além de gerenciar as associações e cooperativas, exceto na Associação de Boqueirão que possui um gestor externo e na COOPAF Muriaé que possui funcionários, outras atividades desempenhadas pelos diretores são: controle da entrega da produção dos associados para a fabricação das polpas de frutas (diretora da Associação de Boqueirão); busca de projetos, participar da produção de bolos e da horta coletiva (diretora da Associação de Pedregulho); realização todas as atividades associadas à entrega de produtos para a alimentação escola – exceto a elaboração do projeto de venda (diretores Associação de Rosário, da Associação de Riachão, da COOPERDOM e da COOPAF Fervedouro); comercialização dos produtos na CECAFES (COOAFES); representação da cooperativa em eventos e reuniões, realização de trabalhos de campo juntamente com o técnico agrícola (COOPAF Muriaé); emissão e controle de notas fiscais, realização todas as atividades associadas à entrega de produtos para a alimentação escolar – incluindo a elaboração do projeto de venda (COOAFA); responsabilidades associadas ao pagamento aos agricultores pelas vendas para a alimentação escolar (COOPAF Fervedouro).

Quando questionados a respeito de suas responsabilidades, foi possível verificar que, em alguns casos, os diretores demonstraram estar sobrecarregados de atividades. Como na COOPAFA, que a diretora é responsável por todos os processos para a venda no mercado

136 institucional. Pela fala da entrevistada da Associação de Pedregulho é possível notar o excesso de funções:

“A minha responsabilidade é buscar projetos, correr atrás dos projetos, organizar a associação, mas ultimamente tá sendo quase todas as responsabilidades comigo e com a vice-diretora (Entrevistada Associação de Pedregulho).”

Resultado semelhante foi encontrado no estudo de Santos, Ferreira e Campos (2019), que, constataram como a excessiva dependência do vice-presidente em uma das cooperativas estudadas constitui-se uma barreira que prejudica o bom desempenho da organização, assim como também o acesso às políticas públicas, visto que os autores relataram a existência do interesse da cooperativa em fornecer alimentos para o PNAE, mas, dentre outras barreiras além desta, os agricultores não conseguiam participar do mercado institucional. Outro aspecto é o tipo de gestão, que foi mencionado pelo entrevistado:

“Nós procuramos fazer uma administração e orientação nossa muito transparente, muito dinâmica, eu sou o presidente, porque o estatuto exige, é uma norma estatutária, se eu tivesse só como cooperado também a responsabilidade era a mesma. Só que pelo cargo, pela atribuição do cargo eu tenho que tá exatamente fazendo a gestão junto com o conselho e a gente faz uma gestão totalmente democrática ouvindo, atribuindo, cobrando as atividades correlacionadas às funções de cada um (Entrevistado COOAFES).”

Pela fala acima, é possível perceber dois termos importantes relacionados à gestão das cooperativas e associações, que se referem à autogestão e à gestão democrática. A primeira diz respeito a não separação entre trabalho manual e intelectual, em que a posse dos meios de produção é coletiva e caracterizada como um processo em construção na organização (CANÇADO, 2004). A segunda é uma característica dos empreendimentos de economia solidária que são geridos pelos próprios trabalhadores coletivamente de forma inteiramente democrática, ou seja, cada sócio, cada membro do empreendimento tem direito a um voto (SINGER, 2008). A fala do entrevistado do COOAFES reforça as definições de autogestão e de gestão democrática trazidas pela literatura, o que mostra a aplicabilidade dos conceitos no cotidiano do funcionamento das organizações da agricultura familiar.

O código “trajetória individual” relata o engajamento dos entrevistados com as organizações desde sua criação. No Território do Mato Grande/RN, foi possível perceber este engajamento nas falas de todos os entrevistados, que a motivação deles em criar as associações e cooperativas vem da vontade em unir a agricultura familiar para fortalecê-la, mas também de acreditar no potencial deste segmento para o desenvolvimento das localidades, a produção de alimentos e a geração de trabalho e renda.

137 A entrevistada da Associação de Boqueirão participou dos trabalhos coletivos em troca do recurso financeiro concedido para a construção da polpa de frutas, a diretora da Associação de Pedregulho participou da reunião no dia 08 de março de 2003 (dia internacional da mulher), em que 72 mulheres do assentamento fundaram a associação. Nos assentamentos rurais de Rosário e Riachão, além de participarem da criação das associações, os agricultores entrevistados estiveram no processo de desapropriação das terras onde foram formados os assentamentos. O presidente da COOAFES participou do processo de criação da cooperativa no âmbito dos fóruns territoriais. Já o presidente da COOPABEV é o único entrevistado dentre as 10 associações e cooperativas analisadas que não é um agricultor familiar, mas relatou sua motivação com a causa:

“Eu vi a cooperativa como uma forma de promover acesso a aquelas pessoas que estavam interessadas, que veem no coletivo, veem uma esperança de poder sair daquela situação digamos que paupérrima né? Ou ter uma outra visão em relação a que ela está hoje. Então uma cooperativa ela contribui com outras visões... A cooperativa ajudou a ampliar horizontes ou ajudou as pessoas a se agarrarem a um sonho, de sair daquela situação (Entrevistado COOPABEV).”

Além de estarem presentes no processo de criação das organizações, a maioria dos entrevistados desempenham suas funções como diretores e também produzem para comercializar por meio das associações e cooperativas, seja no trabalho individual em suas propriedades, seja no trabalho coletivo com os demais agricultores, como na produção de bolos na Associação de Pedregulho e na fabricação de polpas de frutas na Associação de Boqueirão.

Dentre os entrevistados do Território da Serra do Brigadeiro/MG, os agricultores diretores da COOPAF Muriaé, da COOPAF Fervedouro e da COOAFA afirmaram que já foram presidentes do STR antes de serem diretores das cooperativas, o que reforça os resultados desta pesquisa quanto à relação de proximidade que as cooperativas deste território possuem com o STR. Todos os diretores das cooperativas deste território também participaram desde as primeiras mobilizações para sua criação, primeiramente como associações e posteriormente na transição para cooperativas. Pela fala dos agricultores é possível perceber a influência do PNAE para a criação das cooperativas:

“A gente tava movimentando, se a gente não tivesse trabalhando no PNAE talvez no momento a gente não criasse a cooperativa, mas como a gente tava trabalhando no PNAE e ai essa questão de legislação acaba se tornando mais forte, por a gente tá comercializando. Então ai que a gente começou a trabalhar em virtude disso (Entrevistada COOAFA).”

138 “Participei desde quando começou, era associação, mas ela sempre capengava, o pessoal firmava, vinha, daí um tempo desanimava porque na verdade não gerava lucro.. o que fez alavancar realmente foi o PNAE (Entrevistado COOPERDOM).” Não só na COOAFA e na COOPERDOM, mas, também, nas duas outras cooperativas do Território da Serra do Brigadeiro/MG, o PNAE foi fator chave para a criação, ou seja, a política pública influenciou desde a gênese. Este fato também foi verificado em outras pesquisas, a exemplo de Franzoni e Silva (2016) que aponta, a partir da realidade de uma cadeia curta de abastecimento da alimentação escolar do município de Porto Alegre/RS, que várias cooperativas não existiriam se não existisse a alimentação escolar. Assim como nesta pesquisa, Franzoni e Silva (2016) também revelou como o PNAE é fator crucial para a criação, a sobrevivência e o desenvolvimento de organizações da agricultura familiar.

Considerando o papel da institucionalização do PNAE como mecanismo indutor para a criação e fortalecimento de organizações formais da agricultura familiar, merece destaque os aspectos relatados pela agricultora entrevistada da COOAFA, pois, pelo seu relato, sua filha havia nascido em 2010 e ela procurava formas alternativas para complementar a renda de sua família, que passava por uma dificuldade financeira. Foi quando ela tomou conhecimento, por meio de uma professora de uma escola da rede estadual, que os agricultores familiares podiam entregar alimentos para a alimentação escolar. Conforme o seu depoimento, a agricultora viu nisso um potencial para melhorar as condições de vida de sua família, e, procurou se informar de como poderia participar do PNAE:

“Vim pra dentro do sindicado (STR) e comecei, usei computador, usei telefone, pra ver o que que era ai que eu fui saber da lei, fui tirar duvida usei o telefone pra saber direito ai que eu fui procurei a diretora (da escola) também pra conversar, ai eu conversei com ela, ela falou tudo direitinho. Então a gente montou um primeiro projeto como grupo informal eu ainda corri atrás de vários produtores (Entrevistada COOAFA).”

Pela fala fica subentendido o papel desempenhado pela agricultora para que os demais agricultores de Araponga/MG pudessem ter acesso ao PNAE por meio de grupo informal, pela associação, e depois pela cooperativa. Nesse caso, a capacidade de interpretação da agricultora em relação à política pública era mínima, mas a busca pelo conhecimento de como a política pública funciona fez com que se tornasse possível acessá-la.

Na trajetória dos informantes ficou claro que são lideranças nos municípios nos quais as organizações estão localizadas, e, até mesmo em âmbito territorial, como no caso do entrevistado da COOAFES, no Território do Mato Grande/RN. Essas lideranças são pessoas engajadas para fazer com que a participação no mercado institucional funcione, por serem

139 agricultores familiares (na maioria dos casos), beneficiários da política pública, dirigentes das organizações e ideologicamente alinhados a causas e à defesa de interesses do segmento.