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4. Análise dos resultados

4.1. Categoria 1: Desenvolvimento territorial

As palavras que formaram esta categoria estão associadas a diferentes aspectos que contribuem para a análise do desenvolvimento territorial e sua relação com o PNAE. As classes 2 e 4 geradas pelo IRAMUTEQ subsidiaram a composição do constructo desenvolvimento territorial conforme as dimensões deste propostas pelo MDA (2005) e por Dallabrida (2016), sendo tais dimensões: econômica, social, cultural e ambiental. O MDA (2005) também aborda a dimensão político-institucional, no entanto, a análise das instituições ficou compreendida na segunda categoria temática.

93 Os aspectos que foram analisados emergiram do referencial teórico, mais especificamente, da Figura 1, que comtempla o conteúdo aqui discutido a partir de dimensões do MDA (2005). A partir da análise lexicográfica do IRAMUTEQ, portanto, foi possível observar elementos nas entrevistas que estão presentes em cada dimensão do desenvolvimento territorial. As dimensões econômica, social e cultural são verificadas pela análise lexicográfica da classe 4 e a dimensão ambiental pelas palavras relacionadas à classe 2. A Figura 5 mostra como as palavras das referidas classes formaram cada dimensão do desenvolvimento territorial.

Figura 5 - Dimensões do desenvolvimento territorial e as palavras geradas pelo IRAMUTEQ

Fonte: Elaboração própria. Resultados da pesquisa, 2020.

A dimensão econômica do desenvolvimento territorial está associada à articulação dos recursos para geração de trabalho e renda, como o papel desempenhado pelo crédito rural e pelo Sistema das Cooperativas de Crédito Rural com Interação Solidária (CRESOL) no Território da Serra do Brigadeiro/MG. Os entrevistados das quatro cooperativas deste território mencionaram a importância da CRESOL para o crédito rural aos agricultores familiares, o que contribui também para a participação deles no PNAE, uma vez que, para produzir, os agricultores demandam diferentes tipos de recursos, inclusive, financeiros.

Oliveira, Oliveira e Pauli (2018) mostram a crescente evolução na disponibilidade dos recursos direcionados ao crédito rural no Brasil entre 1994 e 2015 e um crescente acesso por parte dos produtores em busca do crédito rural. Estes resultados mostram a importância da disponibilidade de recursos financeiros para os produtores rurais brasileiros, e, especificamente nesta pesquisa, para os agricultores familiares que destinam sua produção ao

Dim en sões d o d ese n volvi m en to te rr itor ial

Econômica: Recurso, COOPAF, CRESOL

Social: Organização, Desenvolvimento, Política pública, Discussão, Ideia, Projeto

Cultural: Território, Territorial, Mato Grande, Região, COOAFES, Campo, Cidade

94 PNAE, o que é um indício também da importância das políticas públicas se complementarem como as políticas públicas de crédito rural e as políticas públicas de compra institucional de alimentos.

Outro ponto relacionado à dimensão econômica refere-se à conquista de um caminhão para transporte das mercadorias pela COOPAF Muriaé, que foi uma ação do Plano de Desenvolvimento Territorial da Serra do Brigadeiro, em 2009. O diretor entrevistado relatou como este Plano favoreceu a cooperativa, pois, tinha dentre seus eixos, a agroindústria familiar e a comercialização de produtos da agricultura familiar. Assim, o caminhão foi conseguido na forma de um comodato com a prefeitura de Muriaé/MG, no qual, 80% do valor do caminhão foi verba do território e os outros 20% foi contrapartida da prefeitura. O contrato do comodato estabelece que enquanto o veículo estiver a serviço da COOPAF Muriaé, a prefeitura deve deixar que ele servisse como transporte das mercadorias dos agricultores familiares. A COOPAF Muriaé se destaca na região da Zona da Mata mineira pelo elevado montante de comercialização dos produtos no âmbito do PNAE, atendendo 160 escolas da rede pública de ensino de 15 municípios. A COOPAF aparece dentre as palavras mais importantes da classe 4.

A dimensão cultural se refere à cultura e aos valores dos territórios, destacando que, entre os entrevistados do Mato Grande/RN, foi percebido maior engajamento com o território. A COOAFES, por exemplo, apresenta-se como êxito da organização dos agricultores familiares em uma cooperativa de âmbito territorial. Por essa razão, a COOAFES aparece como palavra de destaque na classe 4. Pela fala do entrevistado da COOPABEV é possível perceber a importância da COOFAES para o desenvolvimento do território:

“E a COOAFES, olha que é uma luta nós a mantermos ela ativa. Ela é hercúlea, é uma coisa de desejo, de querer, é uma esperança que nunca morre, graças a Deus porque senão a COOAFES já tinha e eu não tô desmerecendo não, eu tô assim porque partiu de uma criação territorial, ela surge de uma proposição do Território da Cidadania, agora ela não teve a atenção administrativa, enfim, burocrática, que merece. Agora ela tá tendo, digamos assim. (Entrevistado COOPABEV)”.

A COOAFES expressa territorialidades grupais e relações de identidade (com o Mato Grande), fenômeno teoricamente referido por Dallabrida (2016). A COOFES foi criada em 2009, no âmbito do Programa Territórios da Cidadania, como consequência da estruturação dos fóruns territoriais do então MDA. Ou seja, a COOAFES foi conquista dos agricultores familiares em um contexto no qual o desenvolvimento territorial se constituiu pauta das ações governamentais. Mesmo com a extinção do MDA em 2016, e, consequentemente,

95 enfraquecimento da política territorial no País, o que se percebe é que, para os entrevistados, o Mato Grande/RN é um espaço de discussão onde agricultores, associações e cooperativas se reúnem para, em conjunto, buscar alternativas para o fortalecimento da agricultura familiar. Porém, o enfraquecimento da política territorial foi fator que contribuiu para que a cooperativa ficasse um tempo sem participar do PNAE:

“Com o envolvimento da política territorial, a cooperativa surge como estratégia política do fórum, ela não surge como uma necessidade dos cooperados, ela não surge como uma instituição que os cooperados necessitasse naquele momento para escoar a sua produção, surge mais na discussão política do Fórum [de Desenvolvimento do Mato Grande – Fomag]. Como o Fórum também teve um baque, que saiu o braço do Estado, saiu o braço do poder público federal de incentivar essa política, a COOAFES também se arrefeceu; ela também ficou em stand by (Entrevistado COOAFES).”

O Território do Mato Grande/RN aparece entre as palavras que formam a Classe 4 e o Território da Serra do Brigadeiro/MG não aparece, o que pode ser justificado pelo fato de que aquele detém identidade territorial, ao passo que, no Território da Serra do Brigadeiro/MG, a identidade político-cultural é deslocada para o fator econômico, o aporte de recursos, justificando a frequência da palavra recurso na análise. A fala do entrevistado da COOPAF Muriaé exemplifica esta situação:

“Na verdade o que motivava o território da Serra do Brigadeiro era dinheiro, o dia que acabou o dinheiro, acabou a discussão da política, foi uma pena porque se as organizações tivessem aproveitado aquela oportunidade e continuado fazendo as discussões que eram muito importantes, porque as discussões, elas iam muito além de recursos, de projetos, mas infelizmente o foco foi muito voltado para projeto (Entrevistado COOPAF Muriaé).”

É interessante notar que na dimensão cultural do desenvolvimento territorial foram agrupadas também as palavras cidade e campo, o que parece ser trade off, mas, têm relação à forma como a vida no campo contribuiu para a vida na cidade, no caso, como a produção vinda da agricultura familiar é importante para a subsistência da população urbana, conforme relatou o entrevistado da COOAFES: “Quem mantém o mundo funcionado é o campo; tudo vem do campo!”.

As dinâmicas territoriais que envolvem diferentes atores e são expressas no conceito de governança territorial por Dallabrida (2016) podem ser visualizadas na dimensão social do desenvolvimento territorial, o que, neste estudo, se referem ao Fórum de Desenvolvimento do Mato Grande/RN (Fomag) e às reuniões do Plano de Desenvolvimento Territorial da Serra do Brigadeiro/MG. Nesse sentido, Bezerra et al. (2013) destacam a importância da parceria com os colegiados e outras instâncias de gestão territorial na construção conjunta de propostas para as políticas públicas de desenvolvimento em nível municipal e territorial.

96 As discussões geradas nos espaços de participação social proporcionaram a melhoria na qualidade de vida dos agricultores configurando-se como mecanismos de fortalecimento da agricultura familiar em ambos os territórios, mesmo que, na Serra do Brigadeiro/MG, as discussões tenham sido voltadas para projetos de captação de recursos e não para o envolvimento e a participação dos agricultores – conforme se deu no Mato Grande/RN.

Conforme enfatizam Cardoso et al. (2014), o desenvolvimento territorial é estratégia de políticas públicas que tem o propósito de combater a pobreza e as desigualdades sociais por meio da participação social, do compartilhamento de demandas e da decisão dialogada. A venda para a alimentação escolar por intermédio de associações e cooperativas no Mato Grande/RN tem também mérito nas discussões que foram realizadas nas reuniões e fóruns territoriais, o que se destaca também a importância do acesso primeiramente ao mercado institucional por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o que gerou incentivo para que os agricultores passassem a vender também para a merenda escolar, ou seja, fruto de uma organização social seja em âmbito territorial ou municipal, o que na Serra do Brigadeiro/MG foi possível perceber apenas em âmbito municipal.

A sustentabilidade ambiental é elemento relacionado à abordagem territorial do desenvolvimento rural (CARDOSO et al., 2014). A dimensão ambiental é incorporada pela análise da classe 2 do IRAMUTEQ. A relação da produção com o meio ambiente pode ser percebida pelo tipo de produção dos agricultores associados das organizações estudadas, como a produção orgânica e agroecológica. Os diretores entrevistados das Associações de Riachão e de Rosário relataram que a produção dos associados é agroecológica, pois eles utilizam como adubo esterco de gado. Na COOAFA há uma preocupação em incentivar os agricultores a produzirem sem o uso de agrotóxico, eles colocaram isso em ata para que ficasse registrado que a produção comercializada pelo PNAE e em feiras locais é agroecológica. Isso mostra que em organizações dos dois territórios existe a preocupação dos agricultores com o aspecto ambiental por meio da produção sustentável.

Outro elemento relatado por um entrevistado é como a “produção de quintal” têm contribuído para geração de renda extra no campo, pois são produtos que os agricultores plantam nos quintais de suas casas, como por exemplo, pequenas criações e frutas, e, essa produção, quando não consumida, era desperdiçada ou doada para vizinhos e amigos. Por intermédio da COOAFES, os agricultores conseguem vender a “produção de quintal” Cooperativa Central de Comercialização da Agricultura Familiar de Economia Solidária (CECAFES) em Natal/RN:

97 “Meu vizinho, que é um agricultor familiar, teve mês que da produção do quintal dele que antes eu disse que ele não plantava nada ele tem uma receita de mais de meio salário mínimo ele já chegou a ter uma receita de 600,00 reais da acerola do quintal dele, do limão do quintal dele, do tomate cereja do quintal dele (Entrevistado COOAFES).”

Na Associação de Pedregulho, que é formada exclusivamente por mulheres, além da produção dos bolos, o quintal é aproveitado para produzir hortaliças e verduras. Tanto na associação quanto nos quintais o trabalho é coletivo. As mulheres possuem uma horta coletiva e hortas particulares em quintas das residências das associadas, intercalando os dias que trabalham em cada quintal, de modo que o trabalho e a renda são divididos em partes iguais. Toda a produção de quintal das hortas é destinada ao PNAE e à subsistência das famílias.

A análise da categoria “Desenvolvimento territorial” mostra que, para as dimensões econômica e cultural, existem maiores diferenças entre os territórios do que nas dimensões social e ambiental. Isso porque, na Serra do Brigadeiro/MG, o engajamento dos agricultores com o território ficou restrito ao aporte de recursos e, no Mato Grande/RN, ao senso de identidade territorial. As dimensões sociais e ambientais mostram que nos dois territórios ocorreram ações para a melhoria da qualidade de vida dos agricultores e há preocupação em produzir alimentos orgânicos ou agroecológicos para a alimentação escolar.