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3.2 RELAÇÃO DE EMPREGO: ELEMENTOS CONSTITUTIVOS

3.2.3 Onerosidade

Onerosidade é outro elemento fático-jurídico do vínculo de emprego. Tal elemento não deve ser visto de maneira isolada e, sim, como componente de um todo, uma vez que não é característica exclusiva da relação de emprego.

Consiste a onerosidade na contraprestação econômica recebida pelo trabalhador em face de sua prestação de serviços ou em face da simples existência do contrato (considerando, nesse caso, as diversas situações contratuais em que o empregado não presta efetivo trabalho, porém, mesmo assim, recebe seu salário mensal  férias, dias de repouso e outros).132

A onerosidade se expressa, principalmente, por meio do salário contratual do empregado. Seja no salário mensal (chamado salário básico), seja por meio das parcelas distintas que formam o conjunto salarial do trabalhador, pagas mensalmente ou não (comissões, gratificações, 13º salário e outros).

Entretanto, é claro que existem outras parcelas contratuais de dimensão econômica que, embora não ostentando natureza salarial (vide o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço - FGTS, por exemplo, no Direito do Trabalho do Brasil), demonstram também, em um sentido bastante amplo, a presença da onerosidade, pois elevam as condições de contratação e a gestão da força de trabalho no ordenamento jurídico e em benefício do trabalhador. No sentido amplo, tais parcelas conferem uma dimensão da onerosidade inerente à relação de emprego; no sentido estrito, apenas as parcelas de natureza salarial é que têm esse caráter.

Com o pagamento das parcelas salariais, o empregador provoca uma série de efeitos benéficos para o empregado, para a economia e também para as políticas sociais. É que os

131DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 15 ed. São Paulo: LTr, 2016, p. 301

132 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16 ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 321-324.

valores salariais têm uma repercussão muito positiva na vida pessoal, profissional e familiar do trabalhador, no incremento do mercado econômico interno do país e também no financiamento das políticas públicas. Esse conjunto largo de repercussões positivas advém dos reflexos trabalhistas (em férias, em 13º salários, em FGTS e outros), dos reflexos previdenciários (Instituto Nacional de Seguridade Social  INSS e, se for o caso, em contribuições previdenciárias privadas fechadas) e, ademais, dos reflexos tributários (especialmente do imposto de renda, conforme as faixas de incidência desse importante imposto federal).

Nas últimas décadas, contudo, a ordem jurídica tem atenuado a amplificação das verbas salariais, ao permitir, juridicamente, que distintas parcelas deixem de ter essa natureza. Com isso, elas deixam de produzir reflexos em verbas trabalhistas, previdenciárias e tributárias.

Essa tendência surgiu com a Constituição de 1988 (vide o art. 7º, XI da CF, que excluiu a natureza salarial da participação nos lucros e resultados), ampliando-se nas décadas seguintes ao advento da Constituição.

Nesse contexto, mudanças normativas nos arts. 457 e 458 da CLT tenderam a restringir a natureza salarial de distintas parcelas concedidas pelo empregador ao empregado ao longo da existência do contrato. A mais recente dessas restrições veio com a Lei n. 13.467/2017, retificada pela MPr n. 808/2017, diplomas legais que eliminaram a natureza salarial dos bônus concedidos pela empresa a seus trabalhadores (novo texto do art. 457 da CLT).

Além dessas restrições à natureza salarial de parcelas trabalhistas oriundas de normas legais, o fato é que a Constituição da República também autoriza, implicitamente, que a negociação coletiva trabalhista fixe a natureza não salarial de determinada parcela que institua, inovadoramente, no respectivo segmento profissional  desde que não se trate, é claro, de parcela tipificada por lei como verba salarial.133

No tema das fraudes trabalhistas e previdenciárias, entretanto  tema de grande interesse para o estudo do dumping social, conforme já adiantado , ganha importância a estratégia informal de certas empresas de fornecerem parcelas contratuais de conteúdo econômico ao trabalhador, porém sob o manto de verba indenizatória ou similar, sem caráter salarial. Com isso, dissimula-se o valor do efetivo salário do empregado; deixa-se de fazer o cômputo dos reflexos trabalhistas, previdenciários e tributários sobre essas verbas, e se criam

133 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. São Paulo: LTr, 2017, p. 321-324, 811-815 e 1595-1607. O autor explica o poder da negociação coletiva trabalhista, enquadrado no princípio da adequação setorial negociada.

condições irregulares de concorrência com as demais empresas (concorrência desleal), em vista do menor custo trabalhista, previdenciário e fiscal que é alcançado com esse irregular artifício. O assunto será, porém, oportunamente, retomado nessa Dissertação ("Capítulo V - Dumping Social: Elementos Constitutivos").

Por fim, nesta síntese, torna-se importante destacar que a onerosidade não pode ser vista como um instrumento de ladina aparente transferência de poder do empregador para o empregado134 ou, ainda, como uma fórmula de afronta à dignidade do trabalhador. A jurista Lorena Vasconcelos Porto afirma que a política de remuneração, nos tempos recentes, tem sido utilizada para criar uma falsa sensação de relativização do poder empregatício. Isso porque instiga o empregado a trabalhar exponencialmente, sem limites e razoabilidade, para aumentar seus ganhos econômicos, batendo metas crescentes de modo a alcançar incrementos de comissões e outros. Essa é uma conduta que cria no empregado, ideologicamente, a sensação de ter se tornado o seu “próprio patrão”, “como se fosse um trabalhador autônomo”, a par de sensações congêneres.135

Tal prática tem se tornado comum em empresas que arquitetam as remunerações empregatícias com base em metas, mediante retribuições por meio de desempenho numérico (salário por unidade de obra), ao invés da remuneração à base de salários por unidade de tempo. Com isso, os empregados, de forma individualizada e/ou coletiva,136 são estimulados a trabalhar cada vez mais, de forma incessante, para suplantar metas. Tal conduta, no contexto da cultura empresarial circundante, faz oscilar, sempre, sua remuneração, produzindo impactos na visibilidade do empregado no contexto intraempresarial, seja diante de seus pares, seja diante do próprio empregador. Em um mundo competitivo e cada dia mais restrito quanto aos postos de trabalho, o empregado se submete a tal situação, quer voluntariamente quer por pressão patronal contínua.

Cabe, porém, ao Direito do Trabalho não se perfilar ou acolher tais diretrizes desproporcionais e ideológicas, mantendo-se sereno dentro do império do manto constitucional soberano na ordem jurídica.

Apesar do largo rol de princípios e regras constitucionais e legais atenuando o poder empregatício, é fato que tais condutas excessivas, próximas à figura civilista do “abuso do

134 PORTO, Lorena Vasconcelos. A Subordinação no Contrato de Trabalho: uma Releitura Necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 83.

135 Ibidem.

136 Ibidem.

direito”, causam, a médio e a longo prazos, inegáveis prejuízos à higidez física e psíquica do indivíduo que vive de seu trabalho. E, muitas vezes, elas afrontam a própria dignidade da pessoa humana trabalhadora.

São inúmeros os casos, trazidos ao cotidiano da Justiça do Trabalho, que demonstram exemplos dessa gestão por estresse, a qual, valendo-se da perspectiva de ganhos econômicos variados e crescentes pelos empregados, submete esses a uma corrida irracional no ambiente laborativo.137

Daí a importância do Direito do Trabalho e de sua compreensão normativa e interpretativa da Constituição, esteada, essencialmente, na centralidade da pessoa humana na vida socioeconômica e na ordem jurídica; na dignidade do ser humano; na valorização do trabalho e do emprego; na justiça social e na subordinação da propriedade e da livre iniciativa às suas funções sociambientais.138,139