• Nenhum resultado encontrado

a CerCa d as p essoas i dosas /v elhiCe /e nvelheCimento

Poder alcançar a última etapa da vida (velhice) é um desejo de muita gente, contudo esse desejo por vezes parece contrastar com um sentimento de temor. As exteriorizações de uma cultura anti envelhecimento veiculada pelos mass media ganham maior visibilidade, enfatizando-se a juvenilidade em detrimento da velhice. Circulam os estereótipos de orientação negativa acerca das pessoas idosas, apontadas como pessoas doentes, dependentes, improdutivas, conservadoras, assexuadas, entre outros. Comummente ouvimos que em tempos passados a representação social acerca das pessoas idosas era cotada por uma imagem mais positiva, destacando-se um maior respeito para com as mesmas, atribuindo-se-lhes o poder da sabedoria e valorizando-se mais a sua experiência acumulada ao longo de toda uma vida. Consultada a bibliografia referente à história da velhice (Beauvoir, 1970/1983; Minois; 1987/1999, Carvalho, 1989; Granjel, 2004), deparamo-nos que desde os primórdios dos tempos a imagem atribuída às pessoas idosas

nem sempre correspondeu a uma visão positiva, dado que, tal como nos salienta Minois (1987/1999) “O lugar atribuído ao velho depende do contexto cultural geral: esta verificação observa-se em todas as épocas e os povos sem escrita são disso um exemplo” (p. 22).

Até aos finais da primeira metade do século XX não houve praticamente produção científica (estudos de investigação) acerca da perceção da imagem do envelhecimento, da velhice e da pessoa idosa, parecendo acompanhar o adormecimento da Psicologia referente à idade adulta e à velhice, contrastado pelo excelente desenvolvimento das Psicologias referentes à infância e à adolescência. É somente a partir desse período, impulsionado pela pressão social e demográfica, bem como pelo crescente número de trabalhos de investigação acerca do envelhecimento, que surge um crescente número de investigações no âmbito do estudo das perceções dos estereótipos acerca das pessoas idosas.

O termo estereótipo foi já utilizado em 1922 pelo Jornalista Lippmann no seu livro “A opinião pública”, com o intuito de expressar o caráter condensado, esquemático e simplificado das opiniões. O autor definia os estereótipos como “imagens nas nossas cabeças” que visavam representar de forma simples as realidades complexas. Lippmann (1922) considerava os estereótipos como factualmente incorretos, rígidos e irracionais. Allport (1954) considera os estereótipos como crenças exageradas que auxiliam as pessoas a simplificar as suas categorizações, possuam ou não um fundo de verdade, são reforçados pelos mass media que continuamente os relembram e insistem sobre os mesmos.

Tendo por base diversos estudos relativos à imagem acerca das pessoas idosas, realizados pelos europeus e norte-americanos entre 1950 e 1964, Lehr (1977/1980) conclui acerca da sua consulta, que:

• a imagem caracteriza-se fundamentalmente por uma orientação negativa, predominando de forma injustificada os estereótipos e as generalizações;

• é essencialmente entre o grupo dos jovens que esta imagem se acentua negativamente, e onde ocorre uma maior discrepância quanto à perceção do comportamento real das pessoas idosas. Com o aumento da idade da pessoa que julga e avalia, aumenta a perceção de detalhes cada vez mais positivos acerca da imagem da pessoa idosa;

• a metodologia que coloca em maior evidência a imagem do idoso destaca que esta não depende somente da idade do indivíduo questionado, mas também da sua situação de vida (ex: bem-estar

físico, estado de ânimo, convivência ou não com idosos, distintas qualidades da personalidade).

No mesmo sentido, Marín, Troyano e Vallejo (2001), consultando as várias investigações efetuadas ao longo das últimas décadas, acerca de como a sociedade percebia a velhice, constataram que:

• da década 50 destaca-se a perceção do envelhecimento como um processo onde prima a decadência e a deterioração, sendo- lhe atribuída a responsabilidade pela perda de capacidades físicas e mentais, pelo aumento de achaques, pelo isolamento e irresponsabilidade;

• no inicio dos anos 70 mantém-se a imagem negativa, em que as pessoas idosas são percebidas como indivíduos passivos e intolerantes;

• depois da década 90, surgem já investigações (como por exemplo, as realizadas pelo Centro de Investigações da Realidade Social – CIRES) que apontam para uma mudança significativa dos adjetivos acerca das pessoas idosas, denotando-se uma maior visibilidade dos traços positivos do coletivo (percebidos como sábios, serenos e inteligentes), contudo persistem (em minoria) alguns estereótipos de cariz negativo (percebidos como torpes, enfermos e inúteis).

Ao longo dos tempos a estereotipia negativa foi contestada por vários autores (Lehr, 1977/1980; Palmore, 1988; Laforest, 1989/1991; Moragas, 1995; Belsky, 1999/2001; Tortosa & Motte, 2002), pois tais estereótipos não passam de falsas conceções que podem traduzir-se em barreiras à funcionalidade dos idosos, dado que influenciam negativamente o status social do ser-se idoso. A expressão de preocupação e de contestação para com estas erróneas generalizações tomaria maior visibilidade a partir da II assembleia mundial para o envelhecimento, realizada em abril de 2002 pelas Nações Unidas, na cidade de Madrid (Espanha), de onde surgiria um plano de ação internacional sobre o envelhecimento (Nações Unidas, 2002). Do plano emanado dessa assembleia destacamos a referência à necessidade de se promover uma imagem positiva do envelhecimento, cuja citação se apresenta:

Uma imagem positiva do envelhecimento é um aspeto essencial do plano de ação internacional sobre o envelhecimento. O reconhecimento da autoridade, a sabedoria, a dignidade e a prudência que são fruto da experiência de toda uma vida caracterizou normalmente o respeito com que se tratou os anciãos

ao longo da história. Em algumas sociedades, frequentemente desconsideram-se esses valores e se representam as pessoas de idade como obstáculos para a economia, devidas às suas crescentes necessidades em matéria de serviços de saúde e apoio. Mesmo que ela goze de saúde nos anos da velhice, a concentração da atenção pública na magnitude e no custo dos serviços de atenção à saúde, às pensões e outros serviços, promoveram uma imagem negativa do envelhecimento. As imagens que destacam o atrativo, a diversidade e a criatividade das pessoas de idade e a sua contribuição vital na sociedade devem competir com ela para despertar a atenção do público. As mulheres de idade vêm-se particularmente afetadas pelos estereótipos enganosos e negativos: em lugar de representá-las de forma que reflitam as suas contribuições, os seus pontos fortes, a sua imaginação e as suas qualidades humanas, são representadas como débeis e dependentes, o que reforça as práticas excludentes a nível nacional e local (Nações Unidas, 2002, p. 43).

Em Portugal, reportando-nos ao período pós II Assembleia Mundial para o Envelhecimento, Magalhães (2003) com o intuito de conhecer nos enfermeiros qual a imagem socialmente partilhada e ancorada acerca da velhice, aplicou um questionário a 200 destes profissionais, constatando através da análise de conteúdo o predomínio de uma imagem negativa acerca da mesma. A solidão foi o atributo de orientação negativa mais percecionado acerca da velhice (por 40% da amostra), seguido respetivamente por ordem decrescente de frequência, por mais cinco temas de orientação negativa: doença, dependência, limitação física, morte, limitação psíquica. Posteriormente, Magalhães (2008) procurou investigar a existência de estereótipos acerca das pessoas idosas em estudantes do ensino superior, no distrito de Bragança, tendo verificado que para o contexto espaciotemporal estudado, a amostra discordou maioritariamente com a maior parte dos estereótipos de orientação negativa. Apesar do predomínio da discordância, que vão de encontro aos objetivos preconizados pelo plano de ação internacional apresentado na II assembleia mundial para o envelhecimento, alguns dos estereótipos negativos persistem. As categorias de orientação negativa que mereceram concordância pela percentagem mais elevada da amostra referem-se a uma estereotipia de dependência da pessoa idosa (requer maior preocupação; necessidade de maior atenção; maior dependência; sofre mais de solidão que os mais jovens) e a uma estereotipia da decadência da imagem física.