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No envelhecimento com dependência a figura da família como cuidador está a exigir novas formas de assistência e novos enfoques por parte das políticas de saúde (Seraceno & Naldine, 2003; Instituto Nacional de Estatística [INE], 2007; Correia, Teixeira & Marques, 2005; Sousa et al., 2006; Silva, 2006). No entanto e apesar disto, assistimos nos últimos anos a uma orientação política no sentido de transferir para as famílias a responsabilidade de cuidar dos doentes e idosos dependentes, com fundamento no que se considera o princípio da sub -solidariedade, segundo o qual não se deve deixar uma organização social superior (Estado) fazer o que uma sociedade mais elementar (família) pode fazer melhor (Pinto, 2000; Areosa, 2008).

Quando se evidencia a falta de serviços de apoio às pessoas com doenças crónicas, ou simplesmente idosas, os cuidados são assegurados dentro da rede familiar, apesar das mutações sociais e os novos desafios da sociedade que se fazem sentir, cada vez mais, no dia a dia da vida das famílias. Neste sentido, Gutierrez e Minayo (2008), ressaltam a importância da família enquanto elemento socializador fundamental, agência formadora do indivíduo nos seus aspetos sociais, afetivos e educativos, configurando um espaço relacional de grande complexidade. As autoras chamam à atenção para o facto de olharmos para formas de

organização, relações do quotidiano e construção simbólica em torno do fenómeno saúde/doença/cuidado dentro dos grupos primordiais de inserção dos indivíduos.

Também Santos e Rifiotis (2006) apontam a permanência da família como o espaço preferencial no processo para cuidar dos idosos portadores de doenças ou não, sendo a maneira como lidam e se organizam para assumir estes cuidados variável e muitas vezes envolvem outras pessoas que fazem parte do grupo doméstico. Neste contexto, as práticas de cuidado inscrevem-se num quadro de redes sociais, regidas por um sistema de obrigações morais de reciprocidade, onde várias pessoas agenciam cuidados ou apoiam o provimento de cuidados. Tanto para o idoso, quanto para o seu cuidador, a situação de dependência implica uma multiplicidade de interações, negociações, aproximações e separações, dilemas e conflitos interpessoais.

Na perspetiva de Colliére (1999: 235-236) cuidar é “um ato individual que prestamos a nós próprios desde que adquirimos autonomia, mas é igualmente um ato de reciprocidade que somos levados a prestar a toda a pessoa que temporariamente ou definitivamente tem necessidade de ajuda, para assumir as suas necessidades vitais”. Numa perspetiva bio-psico-social o cuidar é essencial ao crescimento humano e à sua harmonia.

O prestar cuidados a idosos dependentes, dá-se no âmbito dos valores culturais que permeiam o curso da vida individual e social. Há uma expectativa generalizada nas culturas de que especialmente a família ofereça proteção e cuidado aos idosos, crianças e outros doentes, mas que outras instituições sociais a assessorem no cumprimento dessa tarefa (Pavarini & Neri, 2000). Hanson (2005) corrobora que envelhecimento é assunto de família, e que as pessoas idosas são parte integrante da rede familiar até à morte. O apoio intergeracional de cuidados prolonga-se ao longo do ciclo vital da família.

Elsen (2004) refere que a família se constitui como um sistema de saúde para com os seus membros, fazendo parte de um conjunto de valores, crenças, conhecimentos e práticas que direcionam as ações da família na promoção da saúde, na prevenção e no tratamento da doença. O autor adianta ainda, que o contexto físico e social em que a família está inserida reflete o seu processo de viver, a sua qualidade de vida, a sua saúde e a de seus membros.

Ressalta-se que cada família é única, reage e organiza-se diante de uma situação de dependência de formas diferentes e a qualidade do cuidado prestado ao paciente pelos seus familiares dependerá de como essa família está preparada, organizada e orientada. Cada família possui

as suas próprias peculiaridades e construções, tendo ações e reações diferentes, com base nas suas experiências existenciais. O equilíbrio e a força para encarar a nova realidade e ajudar o familiar idoso, nas possíveis dificuldades no dia a dia, vão depender, de quão apta a família se encontra para enfrentar a situação.

As necessidades do cuidado podem atravessar os limites do esforço físico, mental, psicológico, social e económico. Quando a avaliação familiar ou individual não consegue encontrar alternativas viáveis, ou quando as habilidades e os recursos familiares são insuficientes para o manejo da situação, há uma forte tendência para a desorganização familiar e individual, podendo trazer consequências negativas para o cuidado.

O conceito de prestação de cuidados é amplamente definido como um ato de promover assistência a um membro da família, amigo ou doente, permitindo a manutenção de um bom nível de independência. Os cuidados de saúde desenvolvem-se em dois sistemas distintos: o sistema informal, composto fundamentalmente pela família e o sistema formal, constituído pelas instituições e serviços de saúde.

A prestação de cuidados informais é um processo dinâmico e complexo pelas alterações que sofre ao longo dos tempos, devidas à evolução da doença, ao tipo de dependência que gera, ao contexto familiar, tipo e fase do ciclo vital da família, às atitudes e crenças familiares e à rede de apoio que usufrui. Todos estes fatores influenciam as necessidades e os sentimentos, quer de quem recebe quer de quem cuida.

O cuidado informal pode ser definido, como a assistência não remunerada proporcionada pela família, pelos amigos ou vizinhos, a pessoas com necessidades de cuidados instrumentais, ou pessoais, para a satisfação das Atividades de Vida Diárias (AVD). O cuidador informal representa a pessoa familiar ou amiga, que se assume como principal responsável pela organização ou assistência e prestação de cuidados à pessoa dependente. Habitualmente, é sobre um membro da família que recaem as maiores responsabilidades no ato de cuidar do idoso dependente.

São José, Wall e Correia (2002) nos estudos que desenvolveram em torno da família, identificaram dois grandes perfis de prestação de cuidados a idosos no seio da família: um perfil familiar, caracterizado por uma centralização da prestação de cuidados na família da pessoa idosa dependente, em que não é feito qualquer uso de recursos exteriores à rede de parentesco; e um perfil misto, caracterizado pela combinação de vários tipos de prestadores de cuidados, em que se conjugam cuidados prestados pela família com cuidados prestados por delegação de agentes,

exteriores à rede familiar.

Conforme Andrade e Rodrigues (1999), o cuidado familiar pode ser caracterizado como sendo um conjunto de ações dirigidas a uma pessoa que necessita de cuidados de saúde e de outros apoios desenvolvidas no domicílio. Essas pessoas são denominadas cuidadores familiares.

A diversidade é uma característica fundamental dos cuidados prestados pelos cuidadores informais, na medida em que as atividades desenvolvidas visam assegurar a satisfação de um conjunto de necessidades que contribuem para o bem-estar dos idosos: suporte psicológico, emocional, financeiro e assistência nas atividades instrumentais e básicas da vida diária. A intensidade e a frequência do cuidado estão relacionadas com as exigências objetivas do mesmo, nomeadamente as perturbações comportamentais, a deterioração cognitiva e a dependência funcional para as AVD.

A eleição da pessoa que exercerá a função de cuidador principal está intimamente ligada ao campo das estruturas de parentesco e dos modelos de relações de intimidade, e a definição de modelos de distribuição de obrigações e deveres, (Santos & Rifiotis, 2006). Nesse sentido, as questões de género e de gerações ocupam posição central no processo de imputação do papel de cuidador, pois é em torno da família, das articulações de género e das gerações, estabelecidas ao longo de uma vida em comum, que será definida essa escolha.

O processo de se tornar cuidador pode ser mais imediato ou gradual. As decisões para assumir os cuidados são mais ou menos conscientes e, embora a designação do cuidador seja informal e decorrente de uma dinâmica específica, o processo obedece a regras refletidas em quatro fatores que estão relacionadas com o parentesco, com frequência maior para os cônjuges, antecedendo sempre a presença de um filho; o género, com predominância para a mulher; a proximidade física, considerando quem vive com a pessoa que requer os cuidados e a proximidade afetiva, destacando a relação conjugal e a relação entre pais e filhos.

Apesar de todas as mudanças sociais e na composição familiar, e dos novos papéis assumidos pela mulher, destacando-se a sua maior participação no mercado de emprego, ainda se espera que a mulher assuma a função de cuidadora. Sendo assim, é comum que a mulher assuma os cuidados mesmo quando trabalha fora, o que se reflete nas maiores limitações de tempo livre e implicações na vida social, Laham (2003).

Estudos realizados sobre o padrão de cuidados mostram que a prestação de cuidados a idosos dependentes é na sua maioria da responsabilidade das mulheres, (Instituto Nacional de Servicios Sociales

[INSERSO], 1995; Wolf, Freedman & Soldo, 1997; Brito, 2001; Pereira 2002; Imaginário, 2008; Lage, 2005; Santos, 2004; Karsch, 2003; Pavarini et al., 2006; Andrade et al., 2009), constituindo as esposas a primeira fonte de prestação de cuidados (Karsch, 2003; Caldas, 2003; De La Cuesta, 1995; INSERSO, 1995). Nas famílias nucleares, unigeracionais ou sem filhos, o cuidado é prestado pelo cônjuge, muitas das vezes também, uma pessoa idosa, podendo ser em simultâneo produtor e beneficiário de cuidados, constituindo, porém, uma das maiores garantias de suporte na velhice. As condições físicas desses cuidadores levaram a inferir que os cuidadores são doentes em potencial e que a sua capacidade funcional está constantemente em risco, Karsch (2003). Devido à maior esperança de vida e de mais morbilidades das mulheres, também se assiste à emergência de um grupo de cuidadores constituídos por maridos idosos, em situações onde se verifica a ausência de redes de suporte descendentes (Ribeiro, 2005).

A proximidade geográfica e a coabitação têm influência na escolha da pessoa que irá assumir o cuidado, ou seja, constituem fatores determinantes do padrão de cuidados. Desta forma, a proximidade aumenta a possibilidade de assumir o papel de cuidador informal, Paúl (1997).

O assumir o facto de se ser responsável pelo cuidado não é uma opção, porque, em geral, o cuidador não toma a decisão de cuidar, mas esta define-se muitas vezes na indisponibilidade de outros possíveis cuidadores para cuidar e, quanto mais o cuidador se envolve, mais os não cuidadores se afastam do cuidado (Karsch, 1998). Assim, podemos depreender que, uma vez assumido, o cuidado dificilmente é transferível.

Fazendo uma alusão às diferenças de género na divisão do trabalho, Torres & Silva (1998); Guerreiro (2000), Guerreiro, Caetano e Rodrigues (2006); Torres (2004), referem que, trabalhem ou não no exterior, são as mulheres que assumem a maior parte das tarefas domésticas, os cuidados com os filhos e ascendentes dependentes, dando primazia à carreira profissional do homem no casal, sendo apenas possível diminuir essa participação reduzindo o tempo a elas dedicado.

O exercício de cuidar do um idoso dependente no domicílio é uma aprendizagem constante, baseada nas necessidades físicas e biológicas de acordo com o seu nível de dependência. No início, apresenta-se como uma tarefa complicada, pela inexperiência do cuidador dar resposta a todas as necessidades que vão surgindo. Atividades que parecem ser simples, para quem as desenvolve, tornam-se duras para quem pela primeira vez as está a executar. Assim, o cuidar, que inicialmente abrange atividades simples que se limitam a ajudar nas AVD, gradualmente pode-se tornar

mais complexo, exigindo ao cuidador conhecimentos e habilidades que ele não possui.

Cuidar vinte e quatro horas ininterruptas de alguém com dependência não é tarefa fácil, e exige mais do que um cuidador para dividir o trabalho e/ou o horário de acompanhamento e, por isso, tanto quanto possível, esta tarefa exige revezamento. Este revezamento é uma forma de descansar, embora, muitas vezes, o acompanhante não consiga desligar- se totalmente das responsabilidades de cuidar. No estudo levado a cabo por Andrade et al. (2009), verificou-se que os cuidadores sentem constantes preocupações, por exemplo, em nunca deixar o idoso muito tempo sozinho porque temem negligenciar a sua assistência.

A não preparação técnica dos cuidadores decorre muitas vezes da falta de informação, podendo-se traduzir em sobrecarga pessoal, ocasionando alterações na dinâmica de viver dos cuidadores bem como no cuidado ineficaz para o doente e para si próprio. Por isso, quando aconselhados e orientados, os familiares estarão mais preparados para intervir adequadamente nas situações do cuidado, sem prejuízo para a sua saúde física e emocional ou para o seu estilo de vida.