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4 REPRESENTAÇÃO TEXTUAL-DISCURSIVA

4.3 A comunicação discursiva na perspectiva de Grize (1996)

O ato de transmitir e receber mensagens impacta cada dia mais a sociedade. A todo momento, os sujeitos estão interagindo e, segundo Grize (1996, p. 57, tradução nossa)55, “[...] entrando em acordo [...]”. Nessa perspectiva, Grize (1996, p. 57, tradução nossa)56 afirma ainda que é possível abordar o estudo da comunicação sob dois de seus aspectos: “[...] sua função e seu funcionamento. Sua função é simplesmente transmitir a informação, diminuir o grau de incerteza daquele ao qual nos dirigimos”.

No que se refere ao funcionamento da comunicação, Grize (1996) considera, para estudar de forma mais aprofundada esse funcionamento, cinco postulados, quais sejam: o postulado do dialogismo, o postulado da situação de interlocução, o postulado das representações, o postulado dos pré-construídos culturais (PCC) e, por fim, o postulado da construção dos objetos.

O Quadro 15, a seguir, apresenta uma síntese desses postulados, os quais servirão de base para a construção do esquema da comunicação apresentado posteriormente, conforme Grize (1996).

55“[...] mettre en commun[...]” (GRIZE, 1996, p. 57).

56“Il est en effet possible d’aborder l’étude de la communication sous deux ses aspects: sa fonction et

son fonctionnement. S a fonction est tout simplement de transmettre l’information, de diminuer le degré d’incertitude de celui auquel on s’adresse” (GRIZE, 1996, p. 57).

Quadro 15 – Postulados da comunicação discursiva (GRIZE, 1996)

Postulado do dialogismo

[...] o dialogismo vai além do dialogal intervindo as circunstâncias em que um orador A se encontra verdadeiramente na presença física de um interlocutor B. Trata-se do dialogismo no sentido usual do termo, mas não se limita a isso (p. 61, tradução nossa)57.

Postulado da situação de interlocução

Toda comunicação se desenvolve no seio de uma situação que apresenta duas dimensões. Uma delas é concreta: a atividade discursiva situa-se em um determinado momento, em um certo espaço e com uma finalidade, o que possibilita o uso de dêiticos tanto anteriores ao discurso (faz muito calor aqui) quanto interiores (nós vimos mais alto que). Mas isso não é válido apenas para as comunicaç ões orais, o esquema da comunicaç ão é igualment e import ante para as intervenç ões escritas (p. 61, tradução nossa)58.

Postulados da s representaçõe s

O termo representação é bem embaraçoso. É praticamente impossível passar por ele sem levar em conta o número de s uas significações, o que o t orna difícil de ser definido. Além das representaç ões teatrais e diplomáticas, há as representações sociais e as representações discursivas das quais já me servi e vou introduzir ainda a noção de represent ação mental (p. 63, tradução nossa)59.

Basta, para mim, entender as representações mentais de forma simples, como aquilo que está “na cabeça” daqueles que se comunicam, na cabeça do locutor A e do interlocutor B (p. 63, tradução nossa)60.

Tendo em vista o grande número de representações em jogo, o problema continua suficientemente complexo. Consideremos, de início, as três representações elementares de um loc utor A: a representação que ele tem de si próprio, reprA (A ), a representação que ele tem de B, reprA (B) e a representação que ele tem em relação a B sobre si,

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“Le dialogisme déborde donc le dialogal en faisant intervenir les circonstanc es dans lesquelles un orateur A se trouve réellement en présence physique d’un interlocuteur B. Il s’agit alors du dialogue au sens usuel du terme, lequel constitue la base du phénomène, mais ne s’y limite pas” (GRIZE, 1996, p. 61).

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“Toute c ommunication se déroule au sein d’une situation qui présente deux dimensions. L’une est concrète: l’activité discursive se situe à un certain moment, dans un certain lieu et elle vise une certaine fin, ce qui autorise l’usage des déictiques tant extérieurs au discours (il fait bien chaud ici) qu’intérieurs (nous avons vu plus haut que). Mais ceci n’est pas seulement valable pour les communications orales, le cadre de la communication import e tout a utant aux interventions écrites” (GRIZE, 1996, p. 61).

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“Le terme de représentation est bien gênant. Il est pratiquement impossible de s’en passer et le nombre de ses significations le rend difficilement définissable. A côté des représent ations théât rales et diplomatiques, il y a déjà les représentations sociales et les représentations discursives d ont je me suis déjà servi et je vais introduire encore la notion de représentations mentales (GRIZE, 1996, p. 63).

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“Fort heureusement, je n’ai pas à entrer dans de telles considérations, quelque fondamentales qu’elles soient, et il me suffira d’envisag er les représentations mentales, d’une faç on toute naïve, comme ce qui est ‘dans la tête’ de ceux qui communiquent, dans la tête du locuteur A et de son interlocut eur B” (GRIZE, 1996, p. 63).

reprA (T). Cada representação tem uma influência direta sobre o discurso dado (p. 63, tradução nossa)61. Ainda não é suficiente, ater-se às três representações elementares. Há também as represent ações das relações: reprA (A-T); reprA (A-B); reprA (B-T). A primeira coloca em cena a concepção que o orador tem das relações que ele sustenta com aquele com quem ele está t ratando, comunicando-se (T) e, simetricamente, as relações que ele pensa existir entre seu interlocutor e o tema abordado. A mais interessante é, sem dúvida, a reaç ão entre os interloc utores. Já tenho dit o que ela releva vastament e as relações de força que estão em jogo. Ela é, por natureza, essencialmente social e se manifesta até no vocabulário utilizado (p. 64, tradução nossa)62.

Postulado dos pré-construídos culturai s

No momento da mais banal tomada da palavra, e é por meio disso mesmo que se serve a língua, o locutor mobiliza todo um conjunt o de conhecimentos. Se esses conhecimentos são dispostos no discurso do locut or, se são a combinação ent re eles e se o locut or às vezes transforma-os profundament e, isso não os faz menos presentes como pré-c onstrutos. Não há dúvida de que, nessas represent ações, elas se c olorem de toda sorte de experiências. Elas possuem nada menos que uma natureza essencialmente cultural, ou seja, social, e é surpreendente perceber o ritmo no qual elas se modificam (p. 65, traduç ão nossa)63.

Os PCC fornecem assim o quadro obrigatório no qual o discurso deve se inserir e isto pelo duplo mecanismo piagetiano de assimilação e ac omodação. O orador deve assimilar os conteúdos que já estão dados àquilo que ele tem intenção de dizer. E não se trat a apenas do sentido das palavras. Os lugares, justamente chamados lugares comuns, são indis pensáveis para sustentar os raciocínios, mesmo os mais elementares que permitem a compreens ão (p. 66, tradução nossa)64.

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“Au vu du très grand nombre des représ entations en jeu, le problème reste d’ailleurs encores suffisamment complexe. Considérons d’abord les trois représentations élémentaires de A: celle qu’il a de lui-même reprA (A), celle qu’il a de B reprA (B) et celle qu’il a de ce dont il s’agit reprA (T). Chac une a une influence directe sur le discours tenu” (GRIZE, 1996, p. 63).

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“Il ne suffit d’ailleurs pas de s’en tenir aux trois représentations élémentaires, il y a aussi c elles de leurs relations: reprA (A-T), reprA (A -B) et reprA (B-T). La première met en jeu la conc eption que l’orateur se fait des rapports qu’il soutient avec ce dont il traite (T) et symétriquement ceux qu’il pense exister entre l’auditeur et le thème abordé. La plus intéressante est toutefois la relation entre les interlocuteurs. J’ai déjà dit qu’elle relevait largement des rapports de forc e en jeu. Elle est donc de nature essentiellement s ociale et se manifeste jusq ue dans le vocabulaire utilisé” (GRIZE, 1996, p. 64).

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“Au moment de la plus banale prise de parole, et par cela même qu’il se sert de la langue, le locuteur mobilise tout un ens emble de connaissances. Ces connaissances, s’il les aménage par son discours, s’il les combine entre elles, s’il les transforme parfois profondément, n’en sont pas moins présentes comme préc onstruites. Il n’est pas douteux que, dans ses représentations, elles se colorent de toutes sortes de vécus. Elles n’en sont pas moins de nature essentiellement culturelle, c’est -à-dire sociale, et il est étonnant de voir à quel rythme elles se modifient” (GRIZE, 1996, p. 65).

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“Les PCC fournissent ainsi le cadre obligatoire dans lequel le discours doit s’insérer et ceci par le double méc anisme piagétien d’assimilations et d'accommodation. L’orateur doit assimiler les contenus

Para os PCC um texto é tanto um produto verbal como um produto social, o que permite a condução de um estudo sistemático dos campos sociais, mas ele vai muito mais além das ambições da lógic a nat ural. Esse estudo jamais poderia apenas evidenciar os indícios dos PCC que um dado texto releva. Somente a sociologia pode multiplicar as análises e inferir, assim, com a ajuda dos métodos que lhe são próprios, quais são os conteúdos culturais de um ou outro grupo social (p. 67, tradução nossa)65.

Postulado da construção dos objetos

O discurso é criação de sentidos e constrói, para isso, objetos de pensamento a partir da significação dos termos dos quais ele (o discurso) se serve. Tais objetos relevam ao mesmo tempo objetos dos signos e referências às quais eles se referem, eles constituem os referenciais do discurso. Esses referenciais devem ser comuns ent re os participant es, o que não acontece sem se apresent ar um problema. É certo que o processo de esquematização oferece a vantagem de identificar sua origem, mas a diversidade de representações entre A e B pode tornar essa “tomada comum” bastante delicada complicada (p. 67, tradução nossa)66.

[...] a construção dos objetos é, de fato, uma coconstrução que resulta, senão na ultrapassagem dos pontos de vista, pelo menos no excesso de sua combinaç ão. Um referencial discursivo dá uma imagem estereoscópica das coisas (p. 67, tradução nossa)67. Fonte: Elaboração própria a partir de Grize (1996, p. 61-68)

Com esses postulados, Grize (1996) discute, no âmbito da transmissão da informação, sobre o conjunto de elementos que considera presente em se tratando

déjà là et les accommoder à ce qu’il a l’intention de dire. Et il ne s’agit pas que du sens des mots. Les lieux, à juste titre dits lieux communs, sont indispensables à soutenir les raisonnements, même les plus élémentaires qui permettent la compréhension” (GRIZE, 1996, p. 66).

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“Par les PCC un texte est á la fois un produit verbal et un produit social, ce qui permet de conduire une ét ude systématique des champs sociaux, mais elle déborde, et de loin, les ambitions de la logique naturelle. Celle-ci ne peut jamais que mettre en évidence les indic es des / PCC dont relève un texte donné. Seule la sociologie peut multiplier les analyses et inférer alors, à l’aide des méthodes qui lui sont propres, quels sont les contenus culturels de tel ou tel groupe social” (GRIZE, 1996, p. 67).

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“Le discours est création de sens et construit pour cela des objets de pensée à partir de la signification des termes dont il se sert. De tels objets relèvent à la fois des objets des signes et des référents auxquels ils renvoient, ils constituent les référentiels du discours. Ceux-ci doivent êt re communs aux partenaires, ce qui ne va pas sans poser un problème. Certes le processus de schématisation offre l’avantage d’en faire voir la genèse, mais la diversité des représentations entre A et B peut rendre la mise en commun assez délicate” (GRIZE, 1996, p. 67).

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“[...] la construction des objets est, en fait, une coconstruction qui résulte, sinon du dépassement des points de vue, tout au moins de leur conjugaison. Un référentiel discursif donne une image stéréoscopique des chose” (GRIZE, 1996, p. 67).

de uma situação de interlocução. Dos cinco postulados, sintetizados no Quadro 15, anteriormente, resulta o esquema da comunicação apresentado pelo autor. Esse esquema, para Grize (1996), não marca tanto uma transmissão de informação, mas evidencia os mecanismos que estão articulados numa situação de interlocução.

A Figura 6, a seguir, apresenta o que Grize (1996, p. 68, tradução nossa) designa como esquema da comunicação.

Figura 6 – Esquema da comunicaç ão proposto por Grize (1996)

Fonte: Grize (1996, p. 68)

Na Figura 6, A e B indicam dois lugares que são ocupados de forma alternativa por dois tipos de sujeitos, quais sejam: transmissor e receptor. Pressupõe-se, então, que no sistema da língua, se eles são centrais, estão longe de serem os únicos a permitir a comunicação.

O que interessa é que se trata de sujeitos que impla ntam as atividades de construção por A e de reconstrução por B. Tais atividades repousam sobre seus pré- construídos, sobre suas representações, bem como sobre as suas finalidades. Nessa direção, a ideia de que B reconstrói o que lhe é proposto e não apenas decodifica uma mensagem é essencial (GRIZE, 1996).

Além da lógica natural e da comunicação discursiva, a fundamentação teórica desta tese também é discutida à luz das contribuições das noções de representação e esquematização segundo Grize (1996, 1997), conforme exposto a seguir.