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4 REPRESENTAÇÃO TEXTUAL-DISCURSIVA

4.4 Representações e esquematizações a partir de Grize (1996, 1997)

Logo na apresentação do capítulo 5, “Representações e esquematizações”, do livro Logique et langage, Grize (1997, p. 33) faz uma ressalva a respeito do termo representação e do sentido desse termo, a partir dos quais estruturou sua discussão. Nessa ressalva, sobre a ideia de representação, aponta: “Usarei aqui o termo e o seu sentido mais usual e não o técnico, de representações sociais dos quais eu tratarei no capítulo 13” (GRIZE, 1997, p. 33, tradução nossa)68

.

a) Representações

Concernente às representações, de uma forma geral, estão presentes em diferentes momentos no que se refere ao nosso contato com o discurso. Postula Grize (1997) tratar-se de uma atividade inerente ao discurso.

É evidente que, para que tenhamos um discurso sobre qualquer assunto que seja, precisamos inicialmente ter ao menos uma ideia sobre ele, ou seja, fazer uma representaç ão. Por outro lado, as suposições que o precedem mostram que é preciso ter ou fazer uma representação daquele ao qual nós iremos nos dirigir. Diria portanto que o locutor A deve representar o tema T e o auditor B, o que chamarei aqui de reprA (T) e reprA (B) (GRIZE, 1997, p. 33, tradução nossa)69.

A esse respeito, Grize (1997) acrescenta que nesse contexto teórico, o orador e o auditor têm representações e o discurso propõe imagens. Assim, representações e imagens pertencem ao mesmo processo de projeção de um conteúdo referencial.

Estou falando das representações que A faz, porém falarei também das imagens que A faz, “formações imaginárias”, como dizia Pêcheux e que resultam do ponto de vista subjetivo de A. Mas eu reservo o termo da imagem pelo que propõe a es quematização por si própria. Na minha terminologia, orador e auditor têm representações e o discurso propõe imagens (GRIZE, 1997, p. 33, tradução nossa)70.

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“J’entends ici le terme en son sens le plus courant et non comme celui, plus technique, de représentations sociales dont je traiterai au Chapitre 13” (GRIZE, 1997, p. 33).

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“Il évident que, pour tenir un discours sur n’importe quel sujet, il faut en avoir une idée, s’en être fait une certaine représentation. D’autre part, les postulats qui précèdent montrent qu’il faut aussi avoir ou se faire une représentation de celui auquel on s’adresse. Je dirai que le locuteur A doit se représenter le thème T et l’auditeur B, ce que je noterai reprA (T) e reprA (B)” (GRIZE, 1997, p. 33).

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“Je parle des représentations que se fait A, mais j’aurais aussi pu parler des imagens que A se fait, ‘formations imaginaires’, comme le disait encore Pêcheux et qui rés ultent du point de vue subjectif de A [PECHEUX 1996: 20]. Mais je réserve le terme d’image pour ce que propos e la schématisation elle-même. Dans ma terminologie, orateur et auditeur ont des représentations et le discours propose des images” (GRIZE, 1997, p. 33).

Concernente às representações, Grize (1997) declara tratar-se mais de uma atividade de aproximação entre os sujeitos e as características que o definem do que uma atividade de retratar fielmente o sujeito por aquilo que pode representá-lo. Esse processo consiste, no nosso entender, no estabelecimento de relações entre o sujeito e o que pode caracterizá-lo mais visivelmente.

Falar das represent ações que A faz de B é apenas uma comodidade de expressão. Nunca se representa uma pessoa, mas alguns de seus aspectos: seus saberes, seus desenhos, seus valores. Faz -se necessário entender que reprA (B) = reprA (alguns aspectos de B). O mesmo vale para as repres entações do tema T. Além do mais, A, autor de um discurso, deve fazer também uma repres entação dele mesmo. Não se trata aqui de nos julgarmos competentes, seguros, envergonhados, a vontade ou tímidos (GRIZE, 1997, p. 33-34, traduç ão nossa)71.

Nesse contexto, Grize (1997) apresenta três famílias de representações; reprA

(A), reprA (B) e reprA (T). No entanto, ainda considera insuficientes no que diz

respeito às representações de reprA (A), reprA (B) e reprA (T), pois ele não considera

uma relação direta e simples entre o locutor, o interlocutor e o auditório.

Não se trata de representar cada um desses sujeitos , mas de como acontece essa representação e, principalmente, as relações que precisam ser estabelecidas entre reprA (A), reprA (B) e reprA (T) nesse processo de construção e reconstrução

das representações desses atores. Acrescenta que, “[...] essas três famílias de representações: reprA (A), reprA (B) e reprA (T) são ainda insuficientes” (GRIZE, 1997,

p. 34, tradução nossa)72. Nessa direção, expõe dois argumentos que justificam seu posicionamento em relação a esses três tipos de representações.

No Quadro 16, a seguir, apresentamos os dois argumentos que Grize (1997, p. 34) utiliza para justificar a insuficiência dos três tipos de representação que utiliza,

71

“Parler des représentations que A se fait de B n’est qu’une commodité d’expression. On ne se représente jamais une personne, mais certaines de ses aspects: ses savoirs, ses desseins, ses valeurs. En d’autres termes, il faut comprendre que reprA (B) = reprA (certains aspects de B). Il en va d’ailleurs de même pour les représentations du thème T. De plus A, l’auteur d’un discours, doit aussi se faire une représentation de lu-même. On ne parle pas de la même façon selon que l’on se juge compétent, que l’on est sûr de soi, embarrassé, à l’aise ou timide” (GRIZE, 1997, p. 33-34).

72“[...] ces trois familles de représentations: reprA (A), reprA (B) et reprA (T), sont e ncore doublement

insuffisantes” (GRIZE, 1997, p. 34).

72

“D’abord, le fait que l’on a trois termes A, T et B, implique qu’il existe trois relations entre eux, dont le locuteur doit aussi avoir une représentation. La relation (A,B) est tout à fait essentielle, en ce sens qu’elle reflète les rapports de force qui s’établissent dans un contexte les interlocuteurs” (GRIZE, 1997, p. 34).

dentro do quadro geral das representações, na perspectiva que vem abordando a representação como uma esquematização.

Quadro 16 – Três famílias de representações: reprA (A), reprA (B) e reprA (T)

Argumentos Exemplos

1

Primeiramente, o fato de haver t rês termos A, B e T significa que t emos três relações entre eles, então, o locutor deve também ter uma representação. A relação (A, B) é completamente necessária, tendo em vista que ela reflete as relações de força que se estabelec em em um contexto que envolve os interlocutores (p. 34, tradução nossa)73.

O professor não fala com os seus alunos da mesma maneira que eles falam com ele, assim como um chefe com os seus empregados e vice-versa, entre outras relações. A relação (B, T), ou seja, atitude que B tem face à ideia T também pode ser determinante. Como diz o ditado popular, “não se fala de corda na casa do enforc ado” ou “o pior surdo é aquele que não quer ouvir”. E, por fim, a relação (A, T), entre o orador e o seu assunto, também tem um papel importante: opinião, crença, certeza não são equivalentes (p. 34, tradução nossa)74.

2

Mas ainda há mais: B deve, segundo a estrutura na qual eu estou inserido, reconstruir a es quematização da maneira necessária, fazendo representações de diversos elementos em jogo: reprB (X) onde X = (A, B, T, (A, B)) etc. A representação que B faz do tema é essencial e sabemos de toda a importância que tal aspecto representa quanto ao ensino (p. 34, tradução nossa)75.

As “falsas ideias”, como se diz, podem provocar verdadeiros bloqueios. Laurance Viennot o fez ver notavelmente com relação à dinâmica e diversos out ros trabalhos e também colocaram isso em evidência. Quanto à representação que B faz de A, esta tem como base um argumento de autoridade (p. 34, tradução nossa)76.

Fonte: Elaboração própria a partir de Grize (1997, p. 34)

73 “D’abord, le fait que l’on a trois termes A, T et B, implique qu’il existe trois relations entre eux, dont

le locuteur doit aussi avoir une représentation. La relation (A,B) est tout à fait essentielle, en ce sens qu’elle reflète les rapports de force qui s’établissent dans un contexte les interlocuteurs” (GRIZE, 1997, p. 34).

74

“Le maître ne parle pas à ses élèves comme les élèves lui parlent, l’employeur à ses employés comme ils lui parlent et ainsi de suite. La relation (B,T), c’est-à-dire l’attitude que B a vis-à-vis de ce dont il est question, peut aussi être déterminante. Comme le dit la sagesse populaire ‘on ne parle pas de corde dans la maison du pendu’ et ‘il n’y a pire sourd que celui qui ne veut pas entendre’. Enfin la relation (A,T), celle entre l’orateur et son sujets, a aussi un rôle important: opinion, croy ance, certitude ne sont pas équivalentes” (GRIZE, 1997, p. 34).

75

“Mais il y a plus encore: B doit, selon le cadre général dans lequel je me suis pl acé, reconstruire la schématisation, de sorte qu’il lui faut, lui aussi, se faire des représentations des divers éléments en jeu: reprB (X), ou X = (A, B, T (A,B), etc.). La représentation que B se fait du thème est essentielle et l’on sait toute l’importance qu’elle prend l’enseignement” (GRIZE, 1997, p. 34).

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“Le ‘idées fausses’, comme on dit, peuvent provoquer de véritables bloc ages. Laurence Viennot [VIENNOT 1979] l’a remarquablement fait voir à propos de la dynamique et depuis lors de nombreux autres travaux l’ont aussi mis en évidence. Quant à la représentation que B se fait de A elle est a la base de l’argument d’autorité” (GRIZE, 1997, p. 34).

Nessa direção, Grize (1997, p. 37, tradução nossa)77 traz para a discussão sobre as famílias de representações o problema causado pela imagem de T. “A imagem de T causa um problema importante que é o de sua verossimilhança. Nós não nos situamos no mundo da metafísica, nem no da lógica do verdadeiro e do falso. Uma esquematização é um caso de lógica [...]”.

Ainda dentro do mesmo contexto no qual explica os três grupos de representações que analisa, Grize (1997) trabalha a relação entre as imagens. “As imagens de A são talvez menos evidentes inicialmente, mas elas existem. Qualquer um que fale ou escreva oferece necessariamente um modo de ver algo” (GRIZE, 1997, p. 37, tradução nossa)78. Nesse sentido, Grize (1996, 1997) dá a entender que tanto as representações quanto as esquematizações são atividades, por ele, consideradas discursivas. Nesse contexto, discutimos as representações e, doravante, discutiremos as esquematizações.

a) Esquematizações

As atividades discursivas são atividades de criação que originam as esquematizações. Retomando o próprio termo, esquematização, como toda normalização, deve-se tomá-lo, ao mesmo tempo, a partir de dois pressupostos, como um processo e como um resultado (GRIZE, 1996, 1997).

O processo é o da semiose, ou seja, a criaç ão de sentido, [...] na terminologia que adotei, a criação cont ínua de sentidos a partir da significação dos termos utilizados. Estamos, então, em presença de um duplo moviment o: um termo particular não toma sentido apenas no seio da esquematização à qual ele pertence, ao mes mo tempo, a esquematização não faz sentido apenas por esses termos que ela contém. O resultado é uma representação, o que o alemão chama de V orstellung, ou seja, alguma coisa que é colocada diante do destinat ário, um espetáculo que lhe é preparado, na esperança de que ele o assista (GRIZE, 1996, p. 69, tradução nossa)79.

77 “L’image de T pose un problème d’importance c’est celui de sa vraisemblance. Nous ne nous

situons pas dans le monde de la métaphysique, ni dans celui de la logique du vrai et du faux. Une schématisation est affaire de dialogue” (GRIZE, 1997, p. 37).

78

“Les images de A sont peut-être moins immédiatement évident, elles n’en existent pas moins. Quiconque en effet parle ou écrit s’offre nécessairement au regard ” (GRIZE, 1997, p. 37).

79

“Le concept de base est celui de schématisation. Le terme luimême, comme toute normalisation, renvoie à la fois à un proc essus et à son résultat [...] soit, dans la t erminologie que j’ai adoptée, la création continue de sens à partir de la signification des termes utilisés. On est alors en présence d’un double mouvement: un terme particulier ne prend sens qu’au sein de la schématisation à laquelle il appartient et, en même temps, la schématisation ne fait sens que par ceux des termes qu’elle contient. Le résultat, lui, est une représentation, ce que l’allemand appelle une Vorstellung, c’est-à-

Considerando que um processo se desenvolve no tempo e que é uma organização, conforme os postulados de Grize (1997), são levantados dois questionamentos a esse respeito: a) o processo é uma organização?; b) essa organização é do quê e para quê?.

Em relação à pergunta “organização do quê?”, “[...] trata-se de organizar um material verbal, ou seja, sinais (palavras) que retornam pré-construídos culturalmente. Toda manipulação das palavras tem como efeito o desenvolvimento do sentido” (GRIZE, 1997, p. 35, tradução nossa)80

. Para Grize (1997, p. 35, tradução nossa)81, “[...] a atividade de esquematização é criadora de sentido. [...] essa criação de sentido se faz pelo interlocutor e é destinada a ele. Isso não impede que A, o interlocutor, aos poucos conduza a sua construção”.

A esse respeito, Grize (1997, p. 35-36, tradução nossa)82 faz três observações:

1) A primeira é que o planejamento do sentido é função da finalidade de A. Tratar-se-á, então, por um lado, de selecionar no núcleo duro das palavras os recursos que irão surtir o efeito desejado e, por outro lado, de acompanhá-los de novos aspectos com os quais se es pera contribuir para o resultado. 2) A segunda é, mesmo que a finalidade fundament al de A seja transformar uma representação de B, um mínimo acordo prévio é necessário. 3) A terceira se refere à atitude espontânea em relação a t oda e qualquer presença de uma esquematização. A primeira reação é de tê-la por um reflexo ex ato da realidade e também pelo que Piaget chama de “o realismo pré-crítico”, realismo este que, temos de reconhecer, constitui uma das forças do discurso.

Nesse contexto, Grize (1997, p. 36, tradução nossa)83 postula a esquematização também como resultado, ou seja, afirma a ideia de “[...]

dire quelque chose qui est placé devant le destinataire, un spectacle qui lui est donn é à voir, dans l’espoir qu’il le regarde” (GRIZE, 1996, p. 69).

80

“[...] il s’agit d’organiser un matériau verbal, c’est-à-dire des signes (les mots) qui renvoient à des préconstruits culturels. Seulement t oute manipulation de mots a pour effet d’en aménager le sens” (GRIZE, 1997, p. 35).

81

“[...] l’activité de schématisation est créatrice de sens. Comme le représente le diagramme, cette création de sens se fait devant l'interlocuteur et lui est destinée. Cela n’ empêche pas que A, le locuteur, au fur et à mesure qu’il procède à sa construction” (GRIZE, 1997, p. 35).

82

“La première est que l’aménagement du sens est fonction de la finalité de A. Il s’agira donc, d’une part, de sélectionner dans le noyau dur des mots les traits qui vont concourir à l’effet s ouhaité et, d,autre part, de les accompagner d’aspects nouveaux dont on espère qu’ils vont contribuer au résultat” (GRIZE, 1997, p. 35). “La deuxième est que, même si la finalité fondamentale de A est de transformer une représentation de B, un minimum d’accord préalable est nécessaire” (GRIZE, 1997, p. 36). “La troisième a trait à l’attitude spontanée de tout un chacun en présence d’une schématisation. La première réaction est de la tenir pour un reflet ex act de la réalité et c’est ce que Piaget appelle ‘le réalisme précritique’ [PIAGET 1967: 197], mais réalisme qui, il faut bien le reconnaître, constitue une des forces du discours” (GRIZE, 1997, p. 36).

esquematização como resultado, como a representação de um microuniverso”. Segundo esse autor, esquematizar um aspecto da realidade fictícia ou não é um ato semiótico, “[...] é dar aos olhos o que ver. Vem daí o fato de que o meu esquema fala de imagens. Os assuntos situados nos lugares A e B têm representações, mas a esquematização propõe imagens” (GRIZE, 1997, p. 37, tradução nossa)84

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Resumindo, Grize (1996, p. 70, tradução nossa)85 afirma que “[...] é preciso destacar que toda esquematização contém recursos para a reconstrução”. Além disso, considera que os assuntos têm representações e as esquematizações propõem imagens. Considera, também, que as imagens se constroem e se reconstroem em diferentes relações. Nessa perspectiva, não se trata de uma relação simples e direta no texto. Ademais, no contexto de discussão sobre a esquematização como conceito-chave da lógica natural, além de Grize (1996, 1997), Adam (2008) também discorre sobre a esquematização, considerando como representação discursiva, conforme posto a seguir.