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4 REPRESENTAÇÃO TEXTUAL-DISCURSIVA

4.1 A representação discursiva conforme Adam (2011)

No contexto de discussão dos estudos sobre representação, Saussure (2006, p. 34) perspectiva que língua e escrita “[...] são dois sistemas distintos de signos; a única razão de ser do segundo é representar o primeiro [...]”. Nessa direção, Dubois et al. (2006, p. 520) assim definem a representação de acordo com Saussure: na perspectiva associativa de F. de Saussure, “[...] a representação é o aparecimento da imagem verbal mental no falante”.

Um dos níveis de análise que propôs Adam (2011), na sua proposta de Análise Textual dos Discursos para a análise de texto, é o nível semântico. Esse nível focaliza a noção de representação, que vem sendo designada como representação discursiva. O nível semântico do texto é um nível de análise que, na proposta de Adam (2011), articula esse conceito de representação discursiva e noções conexas relacionadas à continuidade textual e à construção de sentidos do texto, quais sejam: anáforas, correferências, isotopias e colocações.

Para Adam (2011, p. 113) toda representação discursiva é a expressão de um ponto de vista. Logo, “[...] o sentido de um enunciado (o dito) é inseparável de um dizer, isto é, de uma atividade enunciativa significante que o texto convida a (re)construir”.

Com relação ao nível semântico de análise do texto, Adam (2011) considera que toda proposição enunciada possui um valor descritivo e que a atividade discursiva de referência constrói, de maneira semântica, uma representação, ou seja, um objeto de discurso comunicável.

Segundo Adam (2011), esse microuniverso semântico articula duas categorias importantes: o objeto de discurso, ou seja, o referente , e a predicação. Assim,

[...] apresenta-se, minimamente, como um tema ou objeto de discurso posto e o desenvolvimento de uma predicação a seu respeito. A forma mais simples é a estrutura que associa um sintagma nominal a um sintagma verbal, mas, de um ponto de vista semântico, uma proposição pode, muito bem, reduzir-se a um nome e um adjetivo (A DAM, 2011, p. 113 -114).

Refletindo sobre essas questões teóricas, observamos que toda proposição43, entendida como microuniverso semântico, constitui uma representação discursiva mínima. A dimensão referencial da proposição apresenta certa imagem dos referentes discursivos, tendo em vista que cada expressão utilizada categoriza ou perspectiva o referente de certa maneira e, ao se tratar do funcionamento textual mínimo, uma representação discursiva se constitui como uma rede de proposições e uma rede lexical (RODRIGUES, PASSEGGI; SILVA NETO, 2010).

A atividade de (re)construção das representações discursivas, segundo Adam (2011), é uma atividade do interpretante, a partir das pistas linguísticas oferecidas

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Estamos entendendo a proposição conforme Adam (201 1), cuja discussão já apres entamos na seção 2 deste estudo.

pelo próprio texto. Ademais, ancorado em Grize (2004) e em seus próprios trabalhos, Adam (2011, p. 114) afirma ser o interpretante responsável pela atividade de (re)construção das representações discursivas no texto.

É o interpretante que constrói a Rd a partir dos enunciados (esquematização), em função de suas próprias finalidades (objetivos, intenções ) e de suas represent ações psicossociais da situação, do enunciador e do mundo do texto, assim como de seus pressupostos culturais.

Segundo Adam (2011, p. 114), a escolha da expressão “[...] construção de uma representação discursiva [...]”, constitui-se em correspondência com certos objetivos. Conforme esse autor,

[...] pretende-se dar a entender que a linguagem faz referência e que todo texto é uma proposição de mundo que solicita do interpretante (auditor ou locutor) uma atividade semelhante, mas não simétrica, de (re)construção dessa proposição de (pequeno) mundo ou Rd (ADAM, 2011, p. 114).

Seguindo a perspectiva de que o texto constrói representações, a representação discursiva é formada por um conjunto de proposições, que vai construir a representação ou as representações que o texto projeta. O texto como representação, ou como um conjunto de representações, vai postular as representações do autor, do(s) ouvinte(s)/leitor(es) e, da mesma forma, dos assuntos abordados. Assim, o texto é, em termos de teoria linguística da enunciação, “[...] uma proposição de mundo (Rd) e de sentido, um sistema de determinações e um espaço de reflexividade metalinguística” (ADAM, 2011, p. 115).

Ademais, Adam (1999) considera que toda representação discursiva é esquemática. De modo a ir além do exposto por Adam (1999), uma esquematização não diz tudo, sendo que esquematizar é construir um esquema “[...] uma representação verbal por definição parcial, seletiva e estratégica de uma realidade. Do tipo, todo texto propõe um tipo de microssistema ou ‘mundo a parte’” (ADAM, 1999, p. 103, tradução nossa)44.

44 Schématiser, c’est construire un schéma, c’est-à-dire une représentation verbal par définition

partielle, sélective et stratégique d’une réalité. De la sorte, tout texte propose une sorte de micro- univers ou ‘petit mond’” (A DAM, 1999, p. 103).

Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010) reinterpretam essa noção a partir do que foi postulado por Adam (2011) e Grize (1990, 1996), perspectivando que todo texto constrói representações em três instâncias, quais sejam: do enunciador, do ouvinte ou leitor e dos temas ou assuntos tratados. Nesse contexto, o texto é responsável por construir “[...] com maior ou menor explicitação, uma representação discursiva do seu enunciador, do seu ouvinte ou leitor e dos temas ou assuntos que são tratados” (RODRIGUES; PASSEGGI; SILVA NETO, 2010, p. 173).

Segundo entendimento de Amossy (2008), no âmbito da construção de imagens, todo ato de tomar a palavra implica a construção de uma imagem de si.

Para tanto, não é necessário que o locutor faça seu autorretrato, detalhe suas qualidades nem mesmo que fale explicitamente de si. Seu estilo, suas competências linguísticas e enciclopédicas, suas crenças implícitas são suficientes para construir uma repres entação de sua pessoa (AMOSSY, 2008, p. 9).

Ainda para a supracitada autora, a apresentação de si não se limita a uma técnica apreendida, a um artifício. Segundo afirma,

[...] ela se efetua, frequentemente, à revelia dos parceiros, nas trocas verbais mais corriqueiras e mais pessoais. Parte central do debat e público, ou da negociaç ão comercial, ela também participa dos diálogos entre professores e alunos, das reuniões de condomínios, da conversa entre amigos, da relação amorosa (AMOSSY, 2008, p. 9-10).

Em relação a essa imagem de si, os antigos designavam pelo termo ethos, “[...] a construção de uma imagem de si destinada a garantir o sucesso do empreendimento oratório” (AMOSSY, 2008, p. 10). Ao nos aproximarmos dos estudos de Amossy (2008), retemos que a imagem que o locutor/enunciador faz de si na unidade texto diz respeito também ao processo de (re)construção de representações discursivas, do enunciador ou do coenunciador.

Consoante Adam (2011), Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010) e Passeggi et al. (2010), entendemos que essas representações discursivas são perspectivadas a partir da proposição-enunciado, sendo uma dimensão constante no desenvolvimento do texto, que pode apresentar-se em diferentes partes deste, não obedecendo às sequências lineares no plano textual, visto que todo texto, para Adam (2011), traz pressupostos conhecidos e também novos, em que estes são

responsáveis pela coesão e pela expansão da informação e, acrescentamos, pela (re)construção de representações discursivas.

A redefinição da noção de representação discursiva que apresentam Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010) segue em direção aos postulados de que esse conceito constitui um dos principais níveis de análise propostos pela Análise Textual dos Discursos para a análise do nível semântico do texto, uma vez que todo texto constrói uma ou várias representações discursivas. Frente ao exposto, cabe ressaltar Passeggi (2012b), o qual considera que as representações discursivas são de ordem linguística e que se manifestam nos e pelos textos, por meio da análise de textos concretos. A seguir, trataremos da lógica natura em conformidade com os postulados de Grize (1996, 1997).