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4 REPRESENTAÇÃO TEXTUAL-DISCURSIVA

4.7 Operações de textualização

4.7.1 Operação de textualização: referenciação

O uso dessa operação neste estudo está vinculado ao nível da composição textual. Entendida como um dos procedimentos de construção semântica da proposição. Remete às operações de tematização propostas por Adam (2011) para o período/sequência descritiva.

A tematização (ADAM, 2011) é a operação que atribui unidade ao segmento e faz dele um período, uma espécie de sequência, podendo aplicar-se de três maneiras diferentes e todas importantes para a construção de sentido do texto, a saber: pré-tematização, pós-tematização e retematização.

Em conformidade com Adam (2011), a pré-tematização é uma denominação imediata do objeto, responsável por abrir um período descritivo; a pós-tematização é uma denominação adiada do objeto, que somente nomeia o quadro da descrição no curso ou no final da sequência. A retematização é uma nova denominação do objeto que reenquadra o todo, fechando o período descritivo. Esse movimento de introdução e retomadas do objeto de discurso no texto operacionaliza as categorizações e as recategorizações desse objeto na continuidade textual.

Corroborando o pensamento de Magalhães (2015), a referenciação é um dos critérios indispensáveis para coerência textual, assim afirma a autora.

A referenciação pode interessar a diversas áreas do conhecimento porque é um dos critérios mais indispensáveis para a elaboração e interpretação da coerência, e a c oerência é a condição fundamental do texto. Impossível não lidar com textos, porque é por meio deles que interagimos, portanto o interesse pelo assunto já é um fato (MAGA LHÃES, 2015, p. 375).

A atividade de referenciação constitui uma atividade discursiva. “Trata de explicar como os referentes são introduzidos, conduzidos, retomados, apontados e identificados no texto” (KOCH; MARCUSCHI, 1998, p. 1). Estudos nesse campo apontam também a referenciação ancorada em questões como as atividades de

construção e reconstrução de objetos de discurso. Esse tipo de atividade de referenciação tem sido campo de especial interesse por parte de diversos pesquisadores. São atividades, segundo Koch e Penna (2006) responsáveis, em grande parte, pela progressão textual.

Nessa direção, todo discurso constrói uma representação. Ainda, acrescentamos representações textual-discursivas, que operam como uma memória compartilhada. Os estágios dessa representação, são responsáveis, de forma mais ou menos intensa, pelas seleções feitas pelos interlocutores, de forma mais específica, quando remete às formas referenciais.

Segundo as autoras Koch e Penna (2006), na constituição da memória discursiva estão envolvidas as seguintes estratégias de referenciação: construção/ativação, reconstrução/reativação e desfocalização/desativação, conforme exposto no Quadro 17 a seguir:

Quadro 17 – Estratégias de referenciação utilizadas na constituição da memória discursiva

Construção/ativação

“[...] operação pela qual um “objeto” textual, até então não mencionado, é introduzido, passando a preencher um nódulo (“endereço” cognitivo, locação) na rede conceit ual do modelo de mundo textual: a ex pressão linguística que o representa é posta em foco na memória de trabalho, de tal forma que esse “objeto” fica saliente no modelo” (p. 25).

Reconstrução/reativação

“[...] um nódulo já presente na memória discursiva é reint roduzido na memória operacional, por meio de uma forma referencial, de modo que o objeto de discurso permanece saliente (o nódulo continua em foco)” (p. 25).

Desfocalização/desativação

“[...] ocorre quando um novo objeto de discurso é introduzido, passando a ocupar a posição focal. O objeto retirado de foco, contudo, permanece em estado de ativação parcial (stand by), podendo voltar à posição focal a qualquer moment o; ou seja, ele c ontinua disponível para utilização imediata na memória dos interlocutores [...].” (p. 25).

Fonte: Elaboração própria a partir de Koch e Penna (2006, p. 25)

Durante o processo de compreensão, desencadeia-se uma unidade de representação complexa com sucessivos acréscimos e intermitentes novas categorizações e avaliações acerca do referente. Tais estratégias, ou melhor, sua

repetição constante no texto, estabiliza-se em um modelo textual, que é continuamente modificado por novas referenciações.

Segundo Koch (2009), são de dois tipos os processos de construção de referentes textuais, de sua ativação no modelo textual, a saber: ativação ancorada e não ancorada. A ativação não ancorada corresponde à introdução de um objeto de discurso totalmente novo no texto. Este, quando representado por uma expressão nominal, opera uma categorização do referente. Já a ativação ancorada ocorre sempre que um novo objeto de discurso é introduzido, por meio de algum tipo de associação com elementos presentes no co(n)texto sociocognitivo, passível de ser estabelecida por processos de associação e/ou inferenciação (anáforas associativas e anáforas indiretas).

A operação responsável pela manutenção em foco dos objetos de discurso previamente introduzidos, originando cadeias referenciais ou coesivas, é a reconstrução. Assim, uma vez que o objeto já se encontra ativado no modelo textual,

[...] ela pode realizar-se por meio de recursos de ordem gramatical (pronomes, elipses, numerais, advérbios, locativos etc.), bem como por intermédio de rec ursos de ordem lexical (reinteração de itens lexicais, sinônimos, hiperônimos, nomes genéricos, expressões nominais etc.) (KOCH, 2009, p. 35).

Em conformidade com Koch (2009), entendemos que, em se tratando do emprego de formas nominais anafóricas, um dos focos de interesse das análises desta tese opera, de modo geral, na (re)categorização dos objetos de discurso, diz respeito à (re)construção desses objetos de acordo com o projeto de dizer do enunciador.

No decorrer das pesquisas nesse campo de estudo, ocorreram algumas modificações, inclusive de terminologias. Magalhães (2015) discorre, nesse âmbito, sobre a passagem da concepção de referência para a da referenciação, e considera que essa mudança se deve ao aparecimento da visão de referente como objeto de discurso.

A passagem da concepção da referência para a da referenciação acontece em 1994, com a tese de Lorenza Mondada e com a de Denis Apothéloz em 1995. Mondada inaugura a visão dinâmica de referente como objeto de discurso, alegando que o referente não mais corresponde nem às coisas reais do mundo que ele representa, nem às relações entre expressões referenciais manifestadas no contexto, do modo como se fazia nas análises de coesão referencial. Para Mondada, e depois para A pothéloz, o referente

ou objeto de discurso é elaborado na própria “atividade textual”, sim, porque o texto é, ele também, uma construção dinâmica (MAGALHÃES, 2015, p. 372).

Nessa direção, continua a citada autora afirmando que os referentes são elementos indispensáveis para a coerência textual, conforme observamos a seguir.

Quando encampou esse ponto de vista, a Linguística Textual, mais uma vez encabeçada por Marc uschi e Koch, passou a defender que a unidade de coerência se ajusta localmente aos contratos de comunicaç ão que se estabelec em no momento em que o texto se enuncia. Como elementos imprescindíveis para a coerência, os referentes se tornam entidades negociadas durante a interação, não importa se em circ unstâncias de fala, de escrita ou de enunciação hipertextual (MAGALHÃES, 2015, p. 372).

Em Mondada e Dubois (2003, p. 17), identificamos uma postura que apresenta uma “[...] concepção segundo a qual os sujeitos constroem, através de práticas discursivas e cognitivas social e culturalmente situadas, versões públicas do mundo”.

Em conformidade com essa visão, afirmam Mondada e Dubois (2003, p. 17) que,

[...] as categorias e os objetos de discurso pelos quais os sujeitos compreendem o mundo não são nem preexistentes, nem dados, mas se elaboram no curso de suas atividades, transformando-se a partir dos contextos. Neste caso, as categorias e objetos de discurso são marcados por uma instabilidade constitutiva, observável através de operações cognitivas ancoradas nas práticas, nas atividades verbais e não verbais, nas negociações dentro da interação.

Já a concepção que apresenta Castilho (2010, p. 126) sobre a referenciação, consiste em afirmar ser “[...] a função pela qual um signo linguístico representa quaisquer entidades do mundo extralinguístico, reais ou imaginárias”.

É mister deixar claro que este estudo não equivale a um trabalho específico sobre referenciação. Tomamos esse conceito como categoria de análise, entendendo-o como uma operação de textualização responsável, entre outros processos na unidade texto, pela progressão textual. No âmbito da progressão textual, o nosso interesse é sobre a (re)construção das representações textual- discursivas, entendidas como um ato de referência que busca saber: como acontece

o processo de (re)construção do referente, entendido como objeto de discurso, em textos do jornal O PORVIR (1926-1929) que abordam a figura feminina.

Segundo Koch (2009, p. 30), “[...] a referenciação, bem como a progressão referencial, consistem na construção e reconstrução de objetos de discurso”. Os referentes são objetos de discurso – construtos culturais, representações alimentadas constantemente pelas atividades discursivas.

Diante do exposto, o entendimento deste estudo sobre referenciação direciona-se, também, para o que perspectivam Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010), uma vez que entendem a refere nciação como uma operação que consiste em aquilo que designamos, representamos, sugerimos ao utilizarmos um determinado termo ou criamos uma situação discursiva referencial que tenha essa finalidade. Nesse contexto, as entidades designadas são entendidas como objetos de discurso.

A posição que defendemos nesta tese concernente à referenciação, como uma operação de textualização, está em conformidade, também, com Passeggi (2016, p. 2879), para quem a referenciação é posta como uma,

[...] operação de designação e modificação dos referentes textuais (participantes, no sentido amplo), instaurando, cat egorizando e recategorizando esses referentes. Inclui mecanismos mais específicos como a tematização e a anáfora. A referenciação se analisa em: Designação + Qualificação (modificação da designação).

Para Magalhães (2015, p. 372),

[...] não há cont eúdos e saberes estáveis nem no mundo nem na linguagem, isto é, nem a realidade nem as palavras, nem os referentes são imutáveis. Se há signific ados e denotaç ões culturalmente registrados – e sempre há –, eles entram imediatamente num jogo de desestabilização e estabilização a cada momento em que são us ados no enunciado, de tal sorte que, no uso (e o texto é sempre uso), sentidos e referentes se tornam uma rec onstruçã o negociável, um cont ínuo processo de ação e de atenção conjunta, uma “referenciação”.

Os processos de referenciação, a correferenciação, visam, em linhas gerais, manter a continuidade de significação no texto, uma isotopia do discurso ancorada nas estratégias de retomadas e repetições, que garantem a progressão textual. Nessa progressão, as relações de correferência assumem um papel fundamental no continuum de sentido do texto.

Segundo Adam (2011), toda relação de correferência “[...] permite uma predicação implícita e repousa, de fato, sobre ela”. A predicação é a segunda operação de textualização utilizada nas análises deste estudo e está descrita a seguir.