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2 ANÁLISE TEXTUAL DOS DISCURSOS

2.4 Proposição-enunciado

É um fato conhecido que a análise transfrástica foi o foco das pesquisas em Linguística Textual. De acordo com Adam (2011, p. 104), “[...] a noção de frase dificilmente pode ser mantida como uma unidade de análise textual. Ela é, certamente, uma unidade de segmentação (tipo)gráfica pertinente, mas sua estrutura sintática não apresenta uma estabilidade suficiente”.

Em seus estudos, Adam (2015) prossegue afirmando que para que se constituísse uma linguística que fosse do texto e do discurso, “[...] foi necessário romper com a redução do discurso à frase sobre o modo da homologia de estrutura e sobre um modo aditivo de composição frásica” (ADAM, 2015, p. 23, tradução nossa)9.

Para designar uma unidade gráfica cujos limites correspondam a uma unidade mínima de análise textual, Adam (2011) afirma ter em sua proposta de análise textual dos discursos a necessidade de uma unidade textual mínima. Ou seja,

[...] necessidade, metalinguisticamente, de uma unidade textual mínima que marque a natureza do produt o de uma enunciação (enunciado) e de acrescentar a isso a designação de uma microunidade sintático-semântica (a que o conceit o de proposição atende, finalmente, bastante bem) (A DAM, 2011, p. 106, grifo do autor).

Frente à opção de discutir a proposição-enunciado, Adam (2011) não direciona seu posicionamento para a definição de uma unidade tão virtual como a designada pelos lógicos ou pelos gramáticos, tampouco propõe limites fixos, preestabelecidos, mas aproxima, de “[...] uma unidade textual de base, efetivamente realizada e produzida por um ato de enunciação, portanto, como um enunciado

mínimo” (ADAM, 2011, p. 106, grifo do autor).

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Uma vez que a referida expressão apresenta certa flut uação terminológica na proposta da Análise Textual dos Discursos, optamos por utilizar proposição-enunciado por questão de padronização, uma expressão também utilizada por Adam (2011).

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Pour que se constitue une linguistique du texte et du discours, il a fallu rompre avec la réduction du discour à la phrase sur le mode de l’homologie de structure et sur un mode additif de composition phrastique” (ADAM, 2015, p. 23).

Essa unidade mínima designada como proposição-enunciado “[...] é o produto de uma enunciação: ela é enunciada por um enunciador inseparável de um coenunciador” (ADAM, 2011, p. 108). Essa proposição é designada também como unidade de base “[...] para reforçar o fato de que se trata de uma microunidade sintática e de uma microunidade de sentido [...]” (ADAM, 2011, p. 108).

Compreendemos tratar-se de uma porção de texto constituída de uma sintaxe articulada, base para a construção de sentidos; uma mínima unidade textual, estruturada sintaticamente e interpretável pelo receptor; uma unidade textual, com sentido, instaurada a partir de um ato de enunciação. No âmbito da discussão da definição dessa unidade mínima denominada de proposição-enunciado, Adam (2011) afirma ainda que não existe enunciado isolado, conforme cita a seguir.

Toda proposição-enunciado compreende três dimens ões complementares, às quais se acrescenta o fato de que não existe enunciado isolado: mesmo aparecendo isolado, um enunciado elementar liga-s e a um ou a vários outros e/ou c onvoca um ou vários outros em reposta ou como simples continuaç ão (A DAM, 2011, p. 109).

Quanto às três dimensões complementares que toda proposição-enunciado compreende, elas são, segundo Adam (2011, p. 109, grifo do autor),

[...] uma dimensão enunciativa [B] que se encarrega da representação construída verbalmente de um conteúdo referencial [A] e dá-lhe uma certa

potencialidade argumentativa [ORarg] que lhe confere uma força ou valor ilocucionário [F] mais ou menos identificável.

Ao analisar a proposição-enunciado, Passeggi et al. (2010, p. 271) afirmam que se trata “[...] ao mesmo tempo, de uma microunidade sintática e de uma microunidade de sentido em co(n)texto. Tipicamente, é expressa pela articulação SN + SV, ou tema + rema, ou seja, é uma unidade de predicação”. São, ao mesmo tempo, dotadas de sintaxe e sentido, e estruturadas linguisticamente. Ainda segundo Passeggi et al. (2010, p. 271), a noção de proposição, “[...] estende-se a enunciados compostos apenas por núcleos verbais ou nominais, eventualmente unimembres”.

Com base no exposto, toda proposição-enunciado é complementada por uma dimensão enunciativa, uma potencialidade argumentativa e um valor ilocucionário. Essas microunidades sintáticas e de sentido, proposições-enunciados, ligam-se entre si, conforme Adam (2011), por meio de processos diferentes, a saber:

correferências e anáforas, isotopias, colocações, elipses e implícitos, conectores e organizadores textuais, conectores argumentativos e cadeias de atos de discurso.

Já os atos de referência, Adam (2011, p. 110) define “[...] como uma construção operada no e pelo discurso de um locutor e como uma (re)construção por um interpretante [...]”. Ou seja, como uma representação discursiva; uma esquematização, nos termos de Grize (1996, 1997). Concernente à noção de representação discursiva, esta se encontra resumida no Esquema 10 (ADAM, 2011).

A Figura 4, a seguir, apresenta esse Esquema 10 de Adam (2011, p. 111), o qual sintetiza o processo de construção e de reconstrução de sentidos do texto, operado no discurso, que envolve o locutor e o interpretante, entendido, também, como processo de construção e de reconstrução de representações discursivas.

Figura 4 – Esquema 10: processos de construção e reconstrução operados no discurs o (contexto da proposição-enunciado)

Fonte: Adam (2011, p. 111)

Com base na Figura 4, compreendemos que as três dimensões que Adam (2011) apresenta se articulam na tessitura textual, mantendo certa conexão entre os enunciados. Essas dimensões são: referência como representação discursiva [Rd]

construída pelo conteúdo proposicional; responsabilidade enunciativa da proposição, ponto de vista [PDV]; e valor ilocucionário, resultante das potencialidades argumentativas dos enunciados.

Essas dimensões correspondem a três níveis de análise textual propostos por Adam (2011), a saber: um nível semântico, focalizando a noção de representação discursiva, um nível enunciativo, pautado na noção de responsabilidade enunciativa e coesão polifônica; e os atos de discurso (ilocucionários) e a orientação argumentativa.

Concernente à representação discursiva, Adam (2011, p. 113) afirma que,

[...] toda representação discursiva [Rd] é a expressão de um ponto de vista [PdV] (relaç ão [A] - [B]) e que o valor ilocucionário derivado da orientação argumentativa é inseparável do vínculo entre o sentido de um enunciado e uma atividade enunciativa significante (relação [C1] - [B]). Enfim, o valor descritivo de um enunciado [A] só assume sentido na relação com o valor argumentativo desse enunciado [ C1]. O sentido de um enunciado (o dit o) é inseparável de um dizer, isto é, de uma atividade enunciativa sig nificante que o texto convida a (re)construir.

Observamos a relação existente entre os níveis de análise de texto que Adam (2011) apresenta. Nessa direção, percebemos a representação discursiva concebida como a expressão de um ponto de vista. Já os valores descritivo e argumentativo dos enunciados coadunam-se com a construção do sentido, em uma relação de dependência. Nesse caso, o valor descritivo assume sentido apenas em relação ao valor argumentativo de um dado enunciado, sendo o sentido do texto co nstruído e reconstruído em uma significante atividade enunciativa.

No centro do esquema da Figura 4, localiza-se a proposição-enunciado, a qual estabelece relações com os contextos anterior e posterior. É uma unidade que concentra uma representação discursiva, uma responsabilidade enunciativa e um valor ilocucionário. As relações da proposição-enunciado no texto acontecem por meio de ligações específicas. Elas se ligam, na unidade textual, por operações que Adam (2011) designa como operações de ligação das unidades textuais de base, proporcionando a coesão do texto, conforme será discutido a seguir.