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CAPÍTULO 2: UNIVERSIDADE E TRABALHO: o trabalho e suas relações com

2.4 A CONCEPÇÃO DE UNIVERSIDADE SUBJACENTE À CRIAÇÃO

UNIVERSIDADES DO TRABALHO: reflexões sobre uma experiência fracassada no Brasil

Outro marco histórico importante no processo de consolidação da universidade brasileira e de sua relação com a sociedade e com o mundo do trabalho refere-se às tentativas de criação e implementação da Universidade do Trabalho em vários países do mundo, assim como no Brasil.

Pronko (1999) faz uma análise histórica de algumas tentativas de criação de uma Universidade do Trabalho (1934-1954) no Brasil, assim como cita outras experiências realizadas em diferentes países, dentre as quais é possível destacar: a Université du Travail (1902, Bélgica); a Universidad del Trabajo (1942, Uruguai); a Universidad Obrera Nacional (1948, Argentina); e a Universidad Laboral (1952, Espanha). Segundo essa autora, iniciativas semelhantes podem ser encontradas no Chile, na Colômbia e na Venezuela.

A Universidade do Trabalho tratava-se de instituições que tinham como objetivo questionar o modelo vigente de universidade, apresentando uma proposta de universidade que buscava “[...] dirigir os estudos de nível médio e superior às necessidades específicas de formação técnico-profissional surgidas no âmbito do trabalho, por meio de instituições ditas universitárias” (PRONKO, 1999, p. 85).

[...] Elas supunham não só uma reorientação curricular (passagem dos estudos humanísticos aos técnico-tecnológicos) e em termos de destinatários da universidade existente (da formação da elite dirigente à incorporação dos trabalhadores), mas também a definição de um novo modelo de universidade com características específicas. (PRONKO, 1999, p. 85).

Pode-se inferir que são instituições que buscam uma redefinição da função social da universidade, por meio de uma articulação estreita com o mundo do trabalho (entendido como um conjunto de práticas produtivas que visam à humanização), por meio de outra proposta de formação do trabalhador.

[...] Em todos os casos, o aparecimento desse tipo de propostas gerou amplos debates nos quais, um dos eixos principais foi o da pertinência do nome adotado. É que já na sua própria denominação elas buscavam articular conceitos que, então (e até hoje), pareciam irreconciliáveis: UNIVERSIDADE (instituição de ensino superior, tradicionalmente reservada à formação da intelligentsia) e TRABALHO (domínio exclusivo da destreza manual/atividade produtiva desenvolvida pelos setores subalternos da sociedade). A polêmica suscitada não faz mais do que colocar em evidência a conflitividade da definição do que é (em termos de funções sociais) uma universidade, como instituição socioeducativa específica. (PRONKO, 1999, p. 86).

Ao fazer essa reflexão, Pronko (1999) destaca que esse processo, no Brasil, recebeu muitas críticas e, por fim, acabou sendo o único, dentre os citados, que não conseguiu efetivar a criação de uma Universidade do Trabalho. Por outro lado, destacam-se as intencionalidades político-econômicas subjacentes a essas propostas, pois essas instituições “[...] propunham-se a contribuir para a obtenção da harmonia social, propiciar a racionalização do processo produtivo e formar a mão-de-obra (sic) necessária ao crescimento industrial” (PRONKO, 1999, p. 87). Ou seja, em vez de objetivar o caráter ontológico inerente ao trabalho, essas propostas buscavam o controle social por meio da formação técnica.

Para fundamentar a sua pesquisa, Pronko (1999) analisa duas propostas de Universidade do Trabalho criadas por dois autores diferentes, que foram o engenheiro belga Omer Buyse e o Procurador da Justiça do Trabalho do Brasil, Humberto Grande.

[...] Dos seis projetos de criação de instituições desse tipo elaborados no Brasil entre 1930 e 1955, dois assumiram particular relevância pelo grau de definição atingido: o de autoria do belga Omer Buyse, redigido em 1934, e o produzido por Humberto Grande, 20 anos depois. Ainda que com laços de parentesco inegáveis, cada um deles delineou um perfil institucional bem característico. (PRONKO, 1999, p. 87).

A autora, ao analisar as duas propostas, constata que existem algumas diferenças, mas que ambas guardam profundas semelhanças. Segundo Buyse (apud PRONKO, 1999), a

proposta “[...] corresponde a uma nova forma de conceber a formação profissional, pensada agora de forma orgânica e dentro de um planejamento racional”; para Grande (apud PRONKO, 1999), “[...] o conceito central da mesma é o de trabalho”. Ou seja, “[...] o trabalho é um elemento decisivo na sociedade, na medida em que constitui um fator dominante da cultura moderna”. Mas:

[...] em ambos os casos, a Universidade do Trabalho era definida como uma instituição centralizadora de todos os níveis da formação técnico- profissional, incluindo escolas e institutos de Ensino Médio e Superior, assim como diversos organismos com funções de pesquisa e extensão, com intencional ingerência sobre o processo e o mercado de trabalho. (PRONKO, 1999).

[...] Sintetizando o exposto, podemos dizer que a criação de uma Universidade do Trabalho propunha-se a ser uma resposta a vários problemas políticos, econômicos e sociais que a reordenação capitalista brasileira após os anos 30 e o consequente avanço do processo de industrialização impunham. Essa proposta foi gerada num ambiente de grande contestação ao ideário liberal e por isso implicava, para sua materialização, a existência de um Estado intervencionista que se colocasse acima dos conflitos sociais e os administrasse; um Estado com forte poder de intervenção no mercado de trabalho, guardando para si a função de formar trabalhadores, nas suas duas acepções: de prover uma capacitação técnica específica e inculcar uma ideologia do trabalho determinada, habilitando-os para isso. (PRONKO, 1999, p. 98).

Pode-se afirmar, embasado em Pronko (1999), que se tratavam todas essas propostas de tentativas fracassadas, que não chegaram a materializar-se no Brasil por diversos motivos. Entretanto, o que se destaca dessas diferentes propostas é o interesse em discutir o papel do trabalho, entendido de diferentes formas, enquanto categoria central do processo de formação nas universidades.

No primeiro caso, identifica-se uma proposta estreitamente ligada aos interesses das empresas e das indústrias. No segundo, essa perspectiva não está totalmente ausente, mas está imersa em uma ideologia humanista, envolvida em conceitos como cidadania e democracia, que “aponta” para os interesses dos trabalhadores. Ou seja, esse modelo institucional encontra-se próximo da relação entre universidade e trabalho, pensando aquela como uma estratégia de construir uma prática educativa que tenha o trabalho enquanto princípio educativo.

[...] Tais propostas buscam articular conceitos que, então (até hoje), pareciam irreconciliáveis: UNIVERSIDADE (instituição de ensino superior, tradicionalmente reservada à formação da intelligentsia) e TRABALHO (domínio exclusivo da destreza manual/atividade produtiva desenvolvida pelos setores subalternos da sociedade). Nesse sentido, estas propostas se colocaram no ponto de interseção de áreas educativas então em conflito: a da

definição de um modelo de educação superior e a da definição de um modelo de formação técnico-profissional. (PRONKO, 1997, p. 12).

Segundo Pronko (1997), a Universidade do Trabalho é uma instituição que realiza uma articulação entre a formação acadêmica e o mundo do trabalho. Entretanto, dadas as condições objetivas de constituição da sociedade e da universidade brasileira, esta não chegou a efetivar-se.

Os estudos de Pronko (1997, 2002) mostram o significado da ideia de criação de uma Universidade do Trabalho, destacando, ainda, a importância de realizar um esforço institucional no sentido de construir um projeto que tenha como objetivo a articulação profunda entre universidade e trabalho. Porém, esses projetos desenvolvidos no Brasil não são nossos. Nasceram e se desenvolveram em outros países.

[...] Os projetos brasileiros de criação de tal instituição não eram originais e nem se desenvolveram exclusivamente nesse país, apesar das especificidades nacionais que os define e os perpassam. Durante a primeira metade do presente século, foi possível observar, em nível internacional, surgimento de propostas educativas que objetivavam ostensivamente direcionar os estudos de nível médio e superior às necessidades específicas de formação técnico- profissional, surgidas no âmbito do trabalho, através de instituições ditas universitárias. (PRONKO, 1997, p. 15).

Foi nesse sentido que se propiciou citar, como exemplo, os casos de criação da Universidade do Trabalho na Bélgica e na Espanha.

2.5 A CONCEPÇÃO DE UNIVERSIDADE RESULTANTE DO “PACTO DE BOLONHA”: