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CAPÍTULO 2: UNIVERSIDADE E TRABALHO: o trabalho e suas relações com

2.2 A CONCEPÇÃO HUMBOLDTIANA DE UNIVERSIDADE: a pesquisa

Os desafios enfrentados pela universidade em seu longo processo de criação e desenvolvimento são inúmeros. Como já visto, alguns são provenientes de suas articulações com a sociedade, no sentido da constituição da sua atuação ou função social, assim como os desafios internos, provocados pelo processo de constituição da sua identidade e da sua organização acadêmica.

Seja qual for a ordem desses desafios vividos pela universidade, de todo modo, a universidade vem se transformando, reformando, metamorfoseando, a fim de dar conta desses desafios.

No Brasil e no mundo, a universidade tem construído diversas estratégias para a sua auto formação. No Brasil, pode-se dizer, conforme já debatido em outra seção, que a “ideia de universidade” se forja atualmente, tendo como referência o princípio constitucional da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, conforme estabelece o art. 207 da Constituição Federal de 1988, que diz que “[...] as universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão” (in verbis).

Entende-se a pesquisa, portanto, como elemento central à organização acadêmica e universitária que, inclusive, constitui-se como um dos elementos definidores dos níveis de organização acadêmica da Educação Superior, onde as universidades, diferente das faculdades e centros superiores, são o mais alto grau de organização acadêmica, justamente pelo fato de centrarem-se na produção do conhecimento por meio da pesquisa, entre outras exigências legais.

As inúmeras crises do capital impuseram, aos estados nacionais, subjugados às políticas neoliberais, a produção de um conjunto de reformas nas universidades, no sentido de aparelhá-las às suas demais estratégias, visando uma saída conservadora dessa crise. Nesse sentido, o modelo de organização acadêmica da universidade, centrado na pesquisa, configura-se muito oneroso aos cofres públicos, carecendo esta, por sua vez, passar por cortes, a fim de torná-la mais produtiva.

Portanto, a ideia clássica de universidade ‘sofreu’ influência desse contexto, assim como de ideias e experiências vividas fora do Brasil, no sentido de atuar na perspectiva citada. Assim, surgem as influências da ideia da universidade humboldtiana no Brasil. A influência das ideias de Wilhelm von Humboldt, na construção desse modelo de universidade, pode ser percebida não apenas no Brasil, mas em várias universidades pelo mundo afora, a partir das suas contribuições na criação da Universidade de Berlim.

Seguindo o pensamento de Britto (2010), é possível dizer que:

[...] ao aproximar o pensamento teórico da realidade concreta, institucional, do Estado prussiano e estabelecer entre estes dois universos nexos de interdependência reais, seu trabalho filosófico conseguia, pela primeira vez, após inúmeras tentativas por parte dos acadêmicos, desde o século XVII, justificar de forma satisfatória, e diante de um público de não-eruditos, a função social do professor e do homem de ciência em geral enquanto educadores da humanidade, e, mais especificamente, dos alemães. (BRITTO, 2010, s/p).

Trata-se de uma grande influência sobre a sociedade, de um modo geral, e sobre a universidade, de um modo específico. A influência de Humboldt “[...] marca uma das poucas instâncias em que uma antropologia filosófica formou a base explícita para um programa de mudança social bem sucedido” (THOMAS, 1973, p. 219 apud BRITTO, 2010, s/p).

[...] Durante a sua administração, Humboldt, convidado a integrar o quadro dos funcionários do planejamento educacional da Prússia como diretor do recém-criado Departamento de Ensino Público do Ministério do Interior, redigiu inúmeros relatórios e propostas de caráter oficial – entre eles, uma série de projetos organizacionais e conceituais para a Universidade de Berlim, que, sob sua égide, foi fundada em 1810. (HUMBOLDT, 2002 apud BRITTO, 2010, s/p).

A partir desse “espaço” institucional e de vários outros, ocupados no Governo Prussiano, Humboldt realizou um conjunto de reformas no ensino e nas universidades alemãs.

[...] A atuação política, assim, não surge como o avesso mundano do ideal de educação, e quando Humboldt defende a diminuição da interferência do poder público no conteúdo curricular das universidades, ele está criticando duramente este modelo que opõe cultura e política, presente nas instituições de ensino naquele momento. (BRITTO, 2010, s/p).

Essa disputa se radicalizou em torno dessa concepção neo-humanista defendida por Humboldt. Conforme Britto (2010) mostra, esse projeto se chocava em vários aspectos com a política educacional prussiana e versava sobre a perspectiva da educação, cultura e política.

[...] Não é, portanto, absolutamente estranho que o mais importante critério social das reformas propostas pelos intelectuais neo-humanistas tenha sido, justamente, a adoção de medidas burocráticas capazes de consolidar os

limites do Estado diante da cultura, insistindo na importância política dos eruditos, os Gelehrten, especialmente através de sua reaproximação com a classe instável da burguesia que os enxergava, desde o final do século XVIII, como uma população parasitária e inútil. Essa crítica burguesa anti- intelectualista assumiu um vulto realmente ameaçador para toda a casta de professores acadêmicos que, em uma economia ainda pouco desenvolvida, dependia da legitimidade estrita desses espaços como única forma de prestígio social. Um de seus representantes mais radicais foi Joachim Heinrich Campe, que, na qualidade de pedagogo de renome internacional, chegou a defender, em 1792, o absoluto fim das universidades, que, para ele, àquela altura, haviam se reduzido a um aglomerado moralmente inadmissível de parasitas supostamente intelectuais. (BRITTO, 2010, s/p).

Infere-se dessa afirmação que haviam críticas às perspectivas da concepção neo- humanista. Trata-se de uma perspectiva utilitarista da educação sustentada “crítica burguesa anti-intelectualista” que defendia, entre outros projetos, o fim da universidade.

[...] É exatamente neste sentido que o neo-humanismo é responsável, na Alemanha, – mas, em breve, em grande parte da Europa, que adotou o modelo alemão – pelo surgimento do professor como categoria profissional burocraticamente organizada e das escolas e universidades como seu domínio próprio. (BRITTO, 2010, s/p).

Essas são as bases da concepção humboldtiana da universidade, ainda, presentes em nossas universidades atuais: um modelo centrado na pesquisa e na produção intelectual como atividade intelectual dos professores.

[...] O denominado modelo alemão ou humboldtiano, constituído a partir das ideias de Von Humboldt, Fichte e Schleiermacher – liberdade de pesquisar, de aprender e de ensinar, e enciclopedismo – experimentadas, em especial, na Universidade de Berlin, na primeira metade do século XIX, constituiu-se inspiração para uma Alemanha que precisava, primeiramente, recuperar o tempo perdido no campo da industrialização e, depois, afirmar sua independência cultural e científica em relação a seus vizinhos, adversários históricos. É a produção do saber e a formação livre, reconciliadas nos mesmos espaço e tempo. (SGUISSARDI, 2006, p. 69).

Vale destacar que se refere, aqui, à concepção de universidade e como essa se relaciona com a sociedade e com o mundo do trabalho especificamente. Por outro lado, essas concepções não se materializam tal quais as suas concepções teóricas, mas guardam características essenciais.

A relação da universidade com o mundo do trabalho passa a ser concebida como atividade intelectual deslocada da base produtiva. Ao trabalho docente cabe a tarefa de desenvolver reflexões eruditas, fundadas nas pesquisas burocraticamente desenvolvidas,

segundo os ditames de um academicismo que afasta a universidade dos problemas reais da sociedade contemporânea. Pois, como mostra Bianchetti (2013):

[...] O modelo humboldtiano assume a universidade como uma instituição que goza de autonomia relativa na produção do conhecimento, em relação estreita com os interesses do Estado, tendo a ciência como força unificadora de que o Estado necessita para legitimar o projeto de nacionalidade. A formação, demarcada por uma concepção idealista, liberal e acadêmica, põe a pesquisa científica no centro das relações universitárias, enfatizando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e formação geral, humanista e científica, com foco na totalidade e universalidade do saber. Uma forma de fazer a ciência pura que tem como princípio a busca infinita da verdade e do conhecimento. (BIANCHETTI, 2013, p. 03).

O trabalho docente subjuga-se à lógica abstrata da produção científica restrita aos círculos acadêmicos eruditos, alimentados de sentidos por uma ciência estéril descompromissada com a transformação social. Não coexiste com esse modelo a ideia do trabalho como princípio educativo, pois esse exige da ciência uma interferência direta sobre a realidade, com a finalidade de transformação. Entretanto:

[...] A crítica e a resistência à suposta generalização e implantação do modelo de universidade de pesquisa ou humboldtiana no Brasil serão uma das marcas dos anos 80, quando da Nova República. As Comissões de Alto Nível e em especial o famigerado Grupo Executivo de Reformulação do Ensino Superior (Geres), nos anos 85 e 86, pontificaram seus diagnósticos com cerradas críticas ao que consideravam as falácias do “modelo único”, caro e impossível de ser bancado pelo poder público. É dessa época a ideia até hoje defendida e na última década posta em prática, oficial e extraoficialmente, de um sistema dual: algumas universidades de pesquisa (humboldtianas), alguns centros de excelência, e uma maioria de universidades de ensino (aqui compreendidas também todas as faculdades isoladas e faculdades integradas ou federações de faculdades). (SGUISSARDI, 2006, p. 82).

A finalidade última do trabalho docente não se encerra no ensino de conhecimentos cristalizados historicamente, e sim em ensinar a pesquisar e a desenvolver a investigação acadêmica das problemáticas sociais.

Essa condição pode ser observada na análise das implicações do Pacto de Bolonha nas universidades brasileiras, onde, por exemplo, não são uniformes e muito menos idênticas àquelas vividas nas universidades europeias.

2.3 A CONCEPÇÃO DE UNIVERSIDADE RESULTANTE DA REVOLTA DE