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CAPÍTULO 1: UNIVERSIDADE E O MUNDO DO TRABALHO: as diferentes

1.2 A CONCEPÇÃO DE TRABALHO NAS TEORIAS MARXISTAS

1.2.2 A teoria marxista do trabalho como princípio educativo: Antônio

Para complementar essa discussão, destaca-se um grande intelectual marxista, que ajuda a compreender a realidade do capital no século XX: Antônio Gramsci, que se sobressai por sua práxis sociopolítica, pelo seu legado teórico-metodológico, pela sua concepção de educação e de escola.

Na sua obra Cadernos do Cárcere, Gramsci (2000) trabalha, como tema central, a concepção de escola na formação dos intelectuais, tendo como referência a teoria histórica e dialética, sustentado pelo método dialético.

Gramsci (2006) apresenta alguns questionamentos, entre os quais: os intelectuais são um grupo autônomo e independente, ou cada grupo social tem a sua própria categoria especializada de intelectuais? Ou, quais são os limites “máximos” da acepção de “intelectual”?

Gramsci (2006), para começar a responder essas questões, cita as “[...] duas formas de intelectuais”, que são: a primeira, que defende que todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas de intelectuais, que lhe dão homogeneidade e

consciência da própria função, não apenas no campo econômico, mas também no social e político; e a segunda forma, que diz que todo grupo social “essencial”, emergindo na história a partir da estrutura econômica anterior e como expressão do desenvolvimento dessa estrutura, encontrou categorias intelectuais preexistentes, as quais apareciam, aliás, como representantes de uma continuidade histórica que não foi interrompida nem mesmo pelas mais complicadas e radicais modificações das formas sociais e políticas.

No que se refere à concepção de educação em Gramsci (2006), pode-se afirmar que o desenvolvimento da escola e da organização escolar reflete a importância dos intelectuais. Mas, o que é a escola para Gramsci (2006)? A escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis. A complexidade da função intelectual nos Estados pode ser medida pela quantidade e hierarquização das escolas (GRAMSCI, 2006).

Por outro lado, para Gramsci (2006), a ampliação dos sistemas de ensino não deixa de ter inconvenientes, marcados pelas amplas crises de desemprego. Portanto, a relação entre trabalho e educação parte do desenvolvimento técnico-industrial diante do civilizado. Por isso, possui-se, sob a égide do capital, uma “escola dual” (clássica e profissional). Para ele, a distribuição desses tipos de escolas no território “econômico” e aspirações das várias categorias dessas camadas determinam, ou dão forma, à produção de diferentes ramos de especialização intelectual.

Assim, ao apresentar o seu conceito de trabalho como princípio educativo, defende que essa é a forma própria por meio da qual o homem participa ativamente na vida da natureza, visando a transformá-la e socializá-la cada vez mais, profunda e extensamente.

Nesse contexto, Gramsci (2006) destaca a função social da escola, afirmando que não é a aquisição de capacidades de direção, não é a tendência a formar homens superiores que dá a marca social de um tipo de escola. A marca social é dada pelo fato de que cada grupo social tem um tipo de escola próprio, destinado a perpetuar, nesses estratos, uma determinada função tradicional, dirigente ou instrumental. Se quiser destruir essa trama, deve-se criar um tipo único de escola preparatória, que conduza o jovem até os umbrais da escolha profissional, formando-o como pessoa capaz de pensar, estudar, dirigir ou controlar quem dirige.

Essa concepção de educação e escola estrutura-se a partir de suas reflexões sobre a não possibilidade de distinguir homens que se ocupam apenas de atividades intelectuais e outros que se ocupam apenas das atividades não intelectuais.

Quando se distingue entre intelectuais e não intelectuais, faz-se referência somente a imediata função social da categoria profissional dos intelectuais. Isso significa que, se pode falar de intelectuais, é impossível falar de não intelectuais, porque não existem não

intelectuais. Não há atividade humana da qual se possa excluir toda intervenção intelectual; não se pode separar o homo faber do homo sapiens.

Nesse sentido, pode-se destacar a sua origem em família pobre (22/01/1891 a 27/04/1937), a sua formação crociana, que se deu numa perspectiva acadêmica e política, alimentada pela forte militância socialista e pela escrita sobre essa atividade política e, principalmente, pela participação política no Partido Comunista Italiano. Outro aspecto que marcou profundamente a vida de Gramsci foi o fracasso da luta operária italiana do seu tempo, tendo como contexto a 1ª Guerra Mundial (1914) e a Revolução Russa (1917). Mas nada marcaria tão profundamente a vida de Gramsci como o cárcere (08 de novembro de 1926), aos 35 anos de idade, no auge da sua vida política e intelectual.

Aliás, uma das marcas do pensamento gramsciano são os escritos no cárcere, produzidos na dureza da prisão, com profundas limitações, o que provocou a publicação póstuma de todas as suas obras.

Segundo Gramsci (2006), até aquele momento ele tinha produzido teoricamente para o dia a dia, para a organização da luta política, para a militância, mas agora ele se interessa por algo für ewig, “para sempre”, “desinteressado”, conforme é possível constatar na Carta a Tatiana Schucht, de 19 de março de 1927 (1 v., p. 77).

Para Gramsci (2006), o “Americanismo e o Fordismo” resultam da necessidade imanente de organizar uma economia programática e que os diversos problemas examinados deveriam ser os elos da cadeia que assinalam exatamente a passagem do velho individualismo econômico para a economia programática. Destaca-se, ainda, na sua teoria, o caráter histórico e dialético e seu método de estudo profundamente dialético.

Para Gramsci (2006), o americanismo é um instrumento para a existência do Fordismo, uma espécie de regulamentação racional da sociedade, não apenas na fábrica, mas também em todos os outros espaços da vida do trabalhador, seja no espaço público ou privado. Assim, conforme apresentado, o americanismo e o fordismo resultam da necessidade imanente de chegar à organização de uma economia programática, controlada pela racionalidade do capital.

Gramsci (2006) diz que a América não tem grandes “tradições históricas e culturais”, mas tampouco está sufocada por essa camada de chumbo. Para ele, é esta uma das principais razões de sua formidável acumulação de capitais, malgrado o nível de vida de suas classes populares ser superior ao europeu.

Entretanto, para atingir essa “formidável acumulação de capitais”, foi realizada muita exploração e dominação. Dentre esses aspectos de dominação, Gramsci (2006) destaca alguns

aspectos da questão sexual. Assim, foram os instintos sexuais que sofreram a maior repressão por parte da sociedade em desenvolvimento. A “regulamentação” destes pelas contradições que geram e pelas perversões que lhes são atribuídas parece a mais “contrária à natureza” e, portanto, são mais frequentes nesse campo os apelos à “natureza”.

Nesse contexto, a questão sexual seria compreendida na seguinte perspectiva: a sexualidade como função reprodutora e como esporte; a função econômica da reprodução; cidades industriais com baixo índice de natalidade.

Gramsci (2006), no texto Carta a Tatiana Schucht, faz uma discussão extremamente importante sobre o que ele chama de “super-regionalismo” e “supercosmopolismo”, onde reflete sobre as questões de produção na relação campo x cidade.

Em última instância, o alcance e o objetivo do fenômeno americano seria criar, com rigidez incrível e com uma consciência do fim jamais vista na história, um tipo novo de trabalhador e de homem. Ou seja, preocupava-se em manter a continuidade da eficiência física do trabalhador, sua eficiência muscular nervosa, ter um quadro de trabalhador estável, ter um conjunto afinado (o trabalhador coletivo), e saber controlar, com a ajuda do Estado, o uso do álcool. Além disso, ofertar altos salários.

A qualidade deveria ser atribuída aos homens, e não às coisas, e a qualidade humana eleva-se e torna-se mais refinada na medida em que o homem satisfaz um número maior de necessidades, tornando-se independente.

Gramsci (2006) expõe que os altos salários são uma forma transitória de retribuição. A adaptação aos novos métodos de produção e de trabalho não pode ocorrer apenas por meio da coação social. Assim, os altos salários discernem os trabalhadores em matizes: os que estão qualificados e adaptados para a atividade na indústria recebem os altos salários. Por outro lado, os que não se inserem nesse perfil estão excluídos de atividades remuneradas com altos salários. Enfim, trata-se de mais uma estratégia de dominação, controle e exploração do trabalhador.

Isso significa que toda a ideologia fordista dos altos salários é uma ideologia construída a partir de uma necessidade objetiva da indústria moderna, que atingiu determinado grau de desenvolvimento, e não um fenômeno primário.

Em suma, para Gramsci (2006), essa ideologia de “nova cultura” e de “novo modo de vida” que, hoje, se difunde sob a etiqueta americana, não passa das primeiras tentativas feitas às cegas, devido não tanto a uma “ordem” que nasce de uma nova estrutura, que ainda não se formou, e sim a uma iniciativa superficial e macaqueadora dos elementos que começam a se

sentir socialmente deslocados pela ação da nova estrutura em formação. Enfim, mais uma estratégia de saída conservadora para as infindáveis crises do capital, visto que:

[...] Num novo contexto de relações entre vida e cultura, entre trabalho intelectual e trabalho industrial, as academias deveriam se tornar a organização cultural (de sistematização, expansão e criação intelectual) daqueles elementos que, após a escola unitária, passarão para o trabalho profissional, bem como um terreno de encontro entre estes e os universitários. (GRAMSCI, 2006, p. 40).

Um conceito de universidade fundamentado no pensamento de Gramsci (2006) sustenta-se fundamentalmente na superação da dualidade da formação capitalista: uma universidade que ofereça a democratização do acesso e permanência para os filhos dos trabalhadores. Ou, conforme destacado na citação em epígrafe neste trabalho, que se reproduz aqui, uma universidade que possibilite uma formação que enfrente a dicotomização entre trabalho intelectual e manual.

No quadro apresentado a seguir, sintetizam-se as profundas diferenças entre as teorias liberais e marxista, no que tange ao processo de entendimento da educação e, portanto, da universidade. Nesse sentido, faz-se questão de explicitar que foi adotada a concepção marxista para compreender e orientar as atividades intelectuais e políticas na sociedade.

Quadro 1 – Síntese das categorias da pesquisa.

TEORIAS

CATEGORIAS

TRABALHO EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE PESQUISA

LIBERAIS Produtor de mercadorias e de riquezas para serem vendidas no livre mercado. Transmissão de conhecimento, treinamento, repetição e formação dual (trabalho intelectual x trabalho manual), ou seja, a reprodução da dualidade. Formação da elite dirigente, que pensa, planeja os processos produtivos de produção e reprodução do capital. Produção de ciência e tecnologia para reprodução do capital, em outras palavras, produção de mercadoria. MARXISTAS Produto e produtor do homem. Indissociável da educação. Produto e produtor do trabalho do homem na natureza. Constitui-se como fundamento da vida humana. Produtora de conhecimento científico, por meio do desvelamento da contradição do real, concebendo esse conhecimento como resultante da produção cultural do homem. Produção de conhecimento para conscientização e libertação do homem.

Fonte: elaborado pelo autor.

Orientados, portanto, pelos princípios da “liberdade”, onde todos os cidadãos estariam “livres” para irem onde desejassem, para realizar seus desejos e vontades no “livre mercado”, não sendo controlado heterônomamente por outras instituições ou pessoas, os defensores do liberalismo fortalecem uma ideologia conservadora da ordem social capitalista. Contudo, essa concepção esconde características desumanas do capitalismo, uma vez que:

[...] Na medida em que se desenvolve o capitalismo, as ciências naturais desabrocham e “desideologizam-se”. Isso se deve não somente à necessidade de conhecimentos científicos e técnicos do capital em geral e da grande indústria em particular, mas também ao fato de que o modo de produção capitalista está fundado sobre mecanismos diretamente econômicos de extração do excedente (a pseudotroca de equivalentes entre salários e força de trabalho e a apropriação da mais-valia pelo capitalismo), exigindo um cimento ideológico de tipo econômico-social e político e não tendo que construir uma cosmogonia religiosa. (LÖWY, 2009, p. 230).

A perspectiva da liberdade, da troca entre iguais e a ideia de neutralidade defendida pelos liberais são as suas grandes armadilhas ideológicas. A superação dessas ideologias pressupõe a busca da verdade pelo proletariado. Entretanto, Löwy (2009) afirma que a leitura

do proletariado não é garantia da verdade social, mas possibilidade de acesso a essa verdade, pelo fato desta constituir-se “[...] arma indispensável à sua autoemancipação” (LÖWY, 2009, p. 230). Dessa maneira,

[...] Não é, portanto, absolutamente por acaso se o proletariado – ao contrário da burguesia revolucionária – propõe como objetivo à sua revolução, não a defesa dos pretensos “Princípios Eternos da Liberdade e da Justiça” ou os “Interesses Supremos da Pátria”, mas a realização de seus interesses de classe. Uma comparação entre o Manifesto Comunista e a Declaração de Independência dos Estados Unidos é altamente instrutiva a esse respeito... É o que Ernst Bloch chama, em uma bela imagem, a parcialidade vermelha do marxismo. “Contrariamente a todas as classes que o precederam, o proletariado revolucionário não tem nenhum interesse em camuflar seus interesses de classe – isto é, em produzir ideologias. Ele quer antes suprimir todas as classes e, finalmente, suprimir a si próprio enquanto classe; assim não tem ele necessidade, diferentemente das classes anteriores, de uma ideologia que embeleze, mas, ao contrário, do olhar penetrante de um detetive. [...] O marxismo, por sua vez, alcançou um ponto de vista livre de ilusões por uma reflexão particularmente intensa da parcialidade que carrega o interesse à emancipação e que apenas esta parcialidade vermelha lhe permite se liberar de todo o obscurecimento por causa de preconceitos” (LÖWY, 2009, p. 242).

Nesse sentido, as concepções de trabalho, educação, universidade e pesquisa constituem-se de forma totalmente antagônicas em cada uma das duas teorias. Por isso, faz-se necessário analisar se as universidades e as pesquisas desenvolvidas em seus Programas de Pós-Graduação são influenciadas ou pela “liberdade e neutralidade do capital”, defendida pelos liberais, ou pela “parcialidade vermelha” dos marxistas.