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CAPÍTULO 1: UNIVERSIDADE E O MUNDO DO TRABALHO: as diferentes

1.4 TRABALHO E EDUCAÇÃO: diferentes perspectivas de análise da função

Conclui-se a argumentação referente a esse primeiro capítulo, buscando sintetizar a relação entre trabalho e educação como uma relação estruturante do nosso modelo societal.

Foi debatida anteriormente a relação da universidade com o projeto de nação de cada país. Essa referência se faz necessária, pois, nesse momento de globalização, ou mundialização do capital (CHESNAIS, 1996), construir um projeto de nação livre, independente e produtora de ciência e tecnologia não se constitui em tarefa política fácil, sendo ainda mais complexa para os países da América Latina, considerando a sua dependência econômica, social e cultural histórica.

Silva (2006) afirma que a ciência e a tecnologia devem fazer parte do projeto de país que se deseja construir. E completa dizendo que:

[...] Parece, no entanto, que nosso país ainda não percebeu esse fato, pois segundo Candotti (2006), existe uma redução de investimentos em pesquisa decorrentes da prioridade dada à formação do superávit primário. A ciência e a tecnologia devem fazer parte do projeto de país que desejamos construir. Se queremos que ele seja mais justo e participativo, e que as oportunidades de exercício da cidadania estejam ao alcance de todos, precisamos definir uma política educacional que permita a formação desses cidadãos; para isso precisamos optar entre educar para construir máquinas ou para operá-las, ou se vamos treinar ou formar. O incentivo à pesquisa segundo o autor, é importante para o desenvolvimento do país, pois pode contribuir para agregar valor aos bens produzidos – evitando importações desnecessárias – e dá um significado histórico ao projeto de nação, por meio do conhecimento e reflexão de documentos históricos, o conhecimento dos ambientes, da natureza, da sociedade e da cultura. (SILVA, 2006, p. 64).

Entende-se a produção de ciência e tecnologia por meio da pesquisa como uma das funções sociais principais da universidade brasileira. Precisa-se articular, entretanto, a essa ideia o princípio legal e constitucional da indissociabilidade da pesquisa, ensino e extensão, resguardado o princípio da autonomia.

Vale, portanto, outro comentário em relação a essa citação apresentada. Trata-se de uma citação de 2006, que corresponde a um momento histórico de retomada dos investimentos nas Universidades Federais, durante o Governo Lula. Contudo, mesmo com o aumento desses investimentos, posteriormente a esse período, estes continuam insuficientes

para o volume de atividades de pesquisa, ensino e extensão, desenvolvidas no interior das universidades federais. Talvez, por isso,

[...] A culpa pela deficiência em pesquisa científicas e tecnológicas – cujo desenvolvimento poderia solucionar inúmeras mazelas que assolam o nosso país e, até mesmo a culpa pela falta de pesquisa por parte do setor produtivo – por vezes tem sido atribuída à universidade. Entretanto, sabemos que, mesmo com todos os problemas enfrentados pelos pesquisadores (defasagem salarial, déficit em número de docentes, técnicos administrativos e carência de condições adequadas de trabalho), se há pesquisa em nosso país, grande parte se deve à universidade pública. Quem faz pesquisa não pode ser responsabilizado por aqueles que, por razões diversas, não o fazem ou não oferecem condições para o seu desenvolvimento. (SILVA, 2006, p. 64) A universidade confronta-se com essas diferentes e antitéticas perspectivas de atuação, ou diferentes e antitéticas funções sociais, a fim de produzir ciência e tecnologia para o capital, ou produzir ciência e tecnologia, por meio de um projeto coletivo de sociedade, fundado nos interesse dos trabalhadores. Em outros termos, a universidade, por não constituir- se em uma ilha, apesar da defesa da autonomia, ‘sofre’ as interferências dos interesses do capital perpassando as suas práticas, interesses, esses, marcados por práticas produtivas do capitalismo periférico e dependente do capital internacional. Essa condição gerou, no Brasil, uma situação adversa ao desenvolvimento de ciência e tecnologia, sendo que:

[...] O Brasil tem grande deficiência de pesquisa nas empresas. A indústria, com algumas exceções, compra tecnologia. Usamos tecnologia desenvolvida fora do país, em outros contextos socioculturais, que nem sempre atendem integralmente à nossas reais necessidades e que quase sempre custam muito caro. Ressaltamos o grande perigo da dependência tecnológica: a possível dependência econômica e política. Transformamo-nos em usuários, permitindo que outros países sejam produtores e, dessa forma, “dominem” verdadeiramente tecnologia e tenham maiores facilidades para obter inovações tecnológicas e solucionar seus problemas. (SILVA, 2006, p. 65). Ou seja, a tecnologia para o setor produtivo constitui-se em apenas mais uma mercadoria para ser comprada no mercado internacional, sem pensar no lastro de dependência econômica e sócio-cultural que essas práticas geram no país. Nesse ponto, encontra-se a necessidade de atuação das universidades, no sentido de atuar para transformar a produção de ciência e tecnologia no país como fruto de um processo coletivo das práticas históricas e sociais dos indivíduos.

Cabe aqui uma crítica às assim denominadas universidades corporativas, pelo fato de não possuírem condições para a produção de ciência e tecnologia, centram-se no “treinamento de mão de obra” recrutada pela própria empresa, no treinamento de trabalhadores de forma técnica e instrumental para atender às suas necessidades estritas, afastando-se do verdadeiro

sentido de universidade, enquanto universalidade de conhecimentos para todos, irrestritamente.

Muitas políticas do governo federal buscaram, historicamente, transferir para a universidade, a pesquisa de inovação tecnológica, de interesse estrito de mercado, para as universidades executarem, ou exclusivamente com recursos públicos ou, ainda, por meio de parceria público-privada. Assim,

[...] Os doutores formados, em grande parte nas universidades públicas, têm poucas oportunidades de emprego na iniciativa privada, o que não representa necessariamente falta de intenção de interação entre universidade e empresa, mas explicita que a pesquisa não representa a prioridade de grande parte do setor produtivo instalado no Brasil. (SILVA, 2006, p. 66-67).

Logo em seguida, Silva (2006) considera que a Lei de Inovação Tecnológica, tenta resolver esse “problema” das empresas. Então,

[...] Procurando resolver esse “problema” das empresas, a Lei da Inovação Tecnológica (Lei n. 10.973, de 02 de dezembro de 2004) estabeleceu medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, com vistas à capacitação e ao alcance da autonomia tecnológica e ao desenvolvimento industrial do país. Ela teria como objetivo facilitar a interação entre universidades, institutos tecnológicos e o setor produtivo, estimulando o desenvolvimento de produtos e processos inovadores e melhorando a competitividade do país. (LIMA FILHO; TAVARES, 2006, p. 67).

Essa lei serviu para agravar ainda mais as contradições no interior das ações da universidade pública, financiada pelo Estado, a serviço da iniciativa privada. Os resultados não cabem aqui relatar, mas dificultaram as estratégias de fortalecimento de uma universidade pública e gratuita para todos.

Seguindo essa mesma perspectiva, a atual Lei Nº 13.243, de 11 de janeiro de 2016, dispõe sobre estímulos ao desenvolvimento científico, à pesquisa, à capacitação científica e tecnológica e à inovação e altera a Lei Nº 10.973/2004, mas mantêm na sua essência a ideia da “promoção da cooperação e interação entre os entes públicos, entre os setores público e privado e entre empresas”, conforme explicita-se no Artigo 2º da referida lei.

Por fim, Silva (2006) diz que não se opõe à interação da universidade com a empresa, mas defende que essa interação seja com todos os setores que compõem a sociedade. Deixa, ainda, um questionamento: “[...] Por que não discutimos a falta de interação entre universidade e sindicatos representativos da classe trabalhadora, ou universidade e movimentos sociais?”.

Enfim, existe uma hegemonização da concepção de universidade academicista, fundada em elitismos intelectuais, que vem afastando a universidade dos processos de luta pela transformação social, empreendida pelos trabalhadores em contexto de crise do capital. Mészáros (2008), citando as Teses sobre Feuerbach de Marx, diz que:

[...] A teoria materialista de que os homens são produtos das circunstancia e da educação e de que, portanto, homens modificados são produto de circunstancia diferente e de educação modificada, esquece que as circunstancias são modificadas precisamente pelos homens e que o próprio educador precisa ser educado. Leva, pois, forçosamente, à divisão da sociedade em duas partes, uma das quais se sobrepõe à sociedade (como, por exemplo, Robert Owen). A coincidência da modificação das circunstancias e da atividade humana só pode ser apreendida e racionalmente compreendida como prática transformadora. (MARX, 1977, p. 118-119).

Nesse sentido, entende-se que a concepção de universidade, fundada na teoria marxista, não pode se ausentar do debate sobre as mudanças estruturais exigidas pelos trabalhadores, sob a pena de que sua própria transformação, em última instância, embasada em uma perspectiva autônoma e livre para a produção de ciência e tecnologia e formação de profissionais para o mundo do trabalho depende dessa transformação social.

CAPÍTULO 2: UNIVERSIDADE E TRABALHO: o trabalho e suas relações com as