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A consolidação do “sujeito-traficante” e o “racismo de estado” em tempos democráticos

5 O DISCURSO DO ESTADO DE S PAULO E A PRODUÇÃO DOS “SUJEITOS-

5.3 A PRÁTICA DISCURSIVA: AS CAPAS DO ESTADÃO (1964-2007) E O(S)

5.3.5 A consolidação do “sujeito-traficante” e o “racismo de estado” em tempos democráticos

(1990-1999)

Na pesquisa do Estadão com menção ao(s) “traficantes(s)” entre o período de 1990 a 1999,

foram encontradas 156 capas. Se no período anterior, as capas oscilavam entre acontecimentos

brasileiros e de outros países do continente americano, é na década de noventa do século XX que há

uma consolidação nas capas dos jornais do “sujeito-traficante” local, em especial do Rio de Janeiro e

de São Paulo.

Nos anos de 1990 a 1992, porém, o discurso do tráfico de drogas em outros países permanece

nas capas do Estadão, sobretudo da guerra entre “traficantes” e o governo colombiano: “Carro-bomba

mata policiais na Colômbia” (O ESTADO..., [12/04]1990, p. 1); “Colômbia não sede a cartéis, diz

Gaviria” (O ESTADO..., [29/05]1990, p. 1); “Medellín põe Brasília na rota da droga” (O ESTADO...,

[15/07]1990, p. 1); “Ex-Ministro da Colômbia morto por traficantes” (O ESTADO..., [02/05]1991,

p. 1); “EUA e Peru assinam acordo para combater traficantes de drogas” (O ESTADO..., [16/05]1991,

p. 1); “Escobar foge para selva colombiana vestido de mulher” (O ESTADO..., [27/07]1992, p. 1).

Ocorre, porém, que essa “guerra” entre governo e “traficantes” na Colômbia, guardadas as

diferenças locais, começa a aparecer também estampada nas capas do Estadão, a partir de 1992,

“reduplicando” acontecimentos do Brasil, com destaque, para o Rio de Janeiro. Embora como afirma

Carvalho (2013, p. 110): “[...] a expectativa com o processo de redemocratização era da gradual

desmilitarização (formal e ideológica) das agências penais, sobretudo das Polícias Civil e Federal”,

diante da urgência da guerra entre “polícia e traficante”, agora, às polícias é acrescentado o exército

nacional e há um adensamento do risco e da insegurança. Dito de outro modo, a política criminal, ao

contrário dessa expectativa de desmilitarização da democracia, produziu um recrudescimento no

“modelo bélico”. O discurso do Estadão passa a dar destaque ao “sujeito-traficante” no território

brasileiro, relacionando os sujeitos ligados ao tráfico à “violência”, à “morte”, ao “combate”, à

“caça”. Imersos da guerra, desde então, não serão apenas enunciados como “inimigo” policial, mas

como “inimigo da nação” – novamente, num efeito metonímico de separação.

Assim, a maioria das capas do Estadão da década de noventa do século XX, sobretudo entre

os anos de 1992 a 1999, com menção ao(s) “traficante(s)” estão em um contínuo: “sujeito-traficante”,

“guerra” e “periferia brasileira”. Nesse sentido, destacamos aqui, alguns títulos dessas chamadas de

notícias – a quantidade exorbitante é a marca da insistência obsedante: “Guerra do tráfico causa seis

mortes em favela do Rio” (O ESTADO..., [02/05]1992, p. 1); “Guerra entre polícia e tráfico mergulha

o Rio na violência” (O ESTADO..., [15/09]1992, p. 1); “Guerra do tráfico causa outra morte em

morro do Rio” (O ESTADO..., [16/09]1992, p. 1); “Traficantes rendem policiais no Rio” (O

ESTADO..., [13/10]1992, p. 1); “Traficante mais caçado do Rio morto a tiros” (O ESTADO...,

[24/10]1992, p. 1); “Polícia terá armas do Exército [...] Armados de metralhadoras, fuzis e até

lançadores de granada, os bandidos dominam as favelas e morros [...]” (O ESTADO..., [23/06]1993,

p. 1); “Polícia destrói base de traficantes” (O ESTADO..., [30/07]1993, p. 1); “Dez pessoas são

executadas no Rio na guerra do tráfico” (O ESTADO..., [19/08]1993, p. 1); “Militares preparam ação

em favelas” (O ESTADO..., [29/09]1993, p. 1); “Traficantes enfrentam Exércitos no Rio” (O

ESTADO..., [14/10]1993, p. 1); “Exército inicia operação contra o tráfico no Rio” (O ESTADO...,

[30/09]1993, p. 1); “Traficantes atacam quartel no Rio” (O ESTADO..., [15/10]1993, p. 1); “Guerra

do tráfico faz 12 mortos no Rio” (O ESTADO..., [10/01]1994, p. 1) “PM mata mulher e abre guerra

com moradores no Rio [...] no conjunto Cidade de Deus, a maior favela plana do Rio, provocando

uma guerra com dois mil moradores revoltados.” (O ESTADO..., [29/01]1994, p. 1); “O morro da

Mangueira, loteado por traficantes, é agora um cenário de terror. O povo está sitiado.” (O ESTADO...,

[27/02]1994, p. 1); “Ontem, duas favelas [do Rio de Janeiro], Roquete Pinto e Ramos, foram

ocupadas por cerca de 600 soldados do Exército” (O ESTADO..., [28/05]1994, p. 1); “Traficantes

morrem em tiroteio no Rio” (O ESTADO..., [28/07]1994, p. 1); “Exército admite atacar traficantes”

(O ESTADO..., [26/08]1994, p. 1); “Traficantes matam 2 detetives no Rio” (O ESTADO...,

[08/09]1994, p. 1); “Traficantes voltam a tumultuar no Rio” (O ESTADO..., [10/10]1994, p. 1);

“Guerra do tráfico mata 17 no Rio” (O ESTADO..., [19/10]1994, p. 1); “Militares apresentam plano

de ação no Rio [...] Traficantes bloqueiam favela” (O ESTADO..., [25/10]1994, p. 1); “Exército

começa a se infiltrar em favelas do Rio” (O ESTADO..., [26/10]1994, p. 1); “Militares vão caçar 300

traficantes” (O ESTADO..., [03/11]1994, p. 1); “Exército cerca cinco morros do Rio” (O ESTADO...,

[19/11]1994, p. 1); “Militares usam estratégia contra maiores traficantes” (O ESTADO...,

[28/11]1994, p. 1); “Traficantes atacam Borel” (O ESTADO..., [05/01]1995, p. 1); “Guerra do Rio

não pára” (O ESTADO..., [23/01]1995, p. 1); “Guerra por ponto de drogas no Rio deixa três mortos”

(O ESTADO..., [20/03]1995, p. 1); “Recomeça cerco a traficantes no Rio” (O ESTADO...,

[04/04]1995, p. 1); “Guerra do tráfico” (O ESTADO..., [01/05]1995, p. 1); “Guerra do Rio deixa 16

mortos no fim de semana” (O ESTADO..., [22/05]1995, p. 1); “Tráfico mata 10 pessoas em baile

funk no Rio” (O ESTADO..., [10/09]1995, p. 1); “Tiroteio no asfalto” (O ESTADO..., [20/09]1995,

p. 1); “Tiroteios deixa moradores em pânico no Rio” (O ESTADO..., [23/06]1998, p. 1); “Clima de

guerra [...] receio de novas invasões de traficantes para resgatar comparsas no xadrez levou a polícia

a reforçar a defesa.” (O ESTADO..., [26/07]1998, p. 1); “O bairro onde a vida é negociada” (O

ESTADO..., [30/08]1998, p. 1); “Polícia passa a usar força total contra o crime” (O ESTADO...,

[20/02]1999, p. 1); “O perigo representado por traficantes e tiroteios” (O ESTADO..., [14/03]1999,

p. 1); “Traficante de 12 anos é assassinado pela máfia da droga em SP” (O ESTADO..., [29/04]1999,

p. 1); “Foi o quarto protesto, em uma semana, por causa de mortes em ações violentas da polícia.

Garotinho disse que o tráfico quer intimidar o governo.” (O ESTADO..., [17/05]1999, p. 1); “Guerra

de traficantes” (O ESTADO..., [11/06]1999, p. 1); “Fuga: Moradores da Favela, [...] para fugir da

guerra que se instaurou entre policiais e traficantes” (O ESTADO..., [21/10]1999, p. 1).

Como se percebe, são muitas capas com o dito “traficante” envolto em batalhas e, em grande

parte dos enunciados, materializados no papel ativo no interior do conflito com a polícia. Os

“traficantes” são os que “atacam”, “matam”, “rendem” e “tumultuam”. São, ainda, uma espécie de

modelo geral da “delinquência” sem rosto e cidadania, cujo funcionamento discursivo é, unicamente,

o da aderência ao substantivo “traficante”, e a quem a polícia irá “caçar”. Aliás, nesse período também

foi possível identificar “visibilidades” na capa do Estadão “reduplicando” o triângulo: “sujeito-

traficante”, “guerra” e “periferia brasileira”. As imagens a seguir trazem à tona a definitiva

personificação metonímica do perigo: primeiro, sujeitos nomeados na “favela” (Imagem 9); depois,

o policial – armado e encapuzado – em meio às crianças abraçadas e aparentemente amedrontadas

(Imagem 10); seguindo, o exército patrulhando em meio à periferia e sua população em manifesto

“estado de sítio” extralegal (Imagem 11); na próxima, corpos de “traficantes” mortos na guerra de

“polícia e tráfico” são estirados no chão em meio a “favela” e a sua população, assemelhando-se com

os suplícios públicos e os seus espetáculos (Imagem 12); em outra, é mostrada as buscas pessoais

policiais que a população periférica é submetida, ou seja, toda a comunidade é suspeita de crimes e

auxílio ao “tráfico” em meio à guerra (Imagem 13); também é mostrada uma bazuca de guerra

apreendida com os “traficantes”: ou se mata os “inimigos” – purificando a raça dos normais – ou os

“cidadãos de bem” iram sofrer efeitos nefastos dos “pequenos demônios” (Imagem 14); continuando,

há uma massa de sujeitos em um cemitério da zona periférica, na legenda aparece que a maioria das

mortes pelo “tráfico de drogas” são de jovens, quer dizer, vincula-se a periferia ao risco, a insegurança

e a necessidade da repressão e do controle (Imagem 15); por fim, aparecem cadáveres estirados ao

solo sob o olhar de uma mulher (esposa e mãe dos falecidos), porém, na legenda o que aparece é

“guerra entre traficantes”. Para o discurso do Estadão trata-se de esposa e mãe de “traficante”,

vinculando o perigo e o risco do “tráfico de drogas” à toda a população das comunidades periféricas

(Imagem 16).

Imagem 9: “’Timbó’ (à esquerda) e ‘Cabeção’ na favela: armas pesadas para vender cocaína” (O ESTADO...,

[28/01]1990, p. 1)

Fonte: O ESTADO... ([28/01]1990, p. 1).

Imagem 10: Operação policial na “Favela do Jacarezinho” (ano de 1990)

Imagem 11: Soldados do Exército Brasileiro “patrulham” em periferia do Rio de Janeiro (ano 1994).

Fonte: O ESTADO... ([28/05]1994, p. 1).

Imagem 12: “Massacre: Corpos são colocados em fila em rua de favela no Rio: cinco horas de terror durante tiroteio entre policiais

e traficantes” (O ESTADO..., [19/10]1994, p. 1).

Imagem 13: Exército ocupa as zonas periféricas no Rio. “Dia de guerra” (O ESTADO..., [19/11]1994, p. 1).

Fonte: O ESTADO... ([19/11]1994, p. 1).

Imagem 14: “Para a guerra [...] bazuca de fabricação sueca, cujo projétil é capaz de destruir tanques de guerra e helicópteros a cerca

de 300 metros de distância foi apreendida pela Polícia Militar no Morro do Bonfim, em Niterói [...]. Durante a operação houve troca de tiros com traficantes” (O ESTADO..., [22/04]1996, p. 1).

Imagem 15: “Mais uma tragédia – Um rapaz morto a tiro é enterrado no Cemitério São Luís, na região de Santa Amaro, onde se

multiplicam as sepulturas de vítimas da violência do Jardim Ângela; 46,35% das pessoas assassinadas por traficantes são jovens entre 18 e 25 anos” (O ESTADO..., [30/08]1998, p. 1).

Fonte: O ESTADO... ([30/08]1998, p. 1).

Imagem 16: “Guerra de traficantes – Maria dos Santos observa, da porta da cozinha de sua casa, no Morro da Cruz, no Rio, os

corpos de seu marido, Adalto dos Santos, e do filho, Erlandes; os dois foram mortos com mais três pessoas, na disputa de pontos-de- venda de drogas” (O ESTADO..., [11/06]1999, p. 1).

Sobre esses discursos e essas visibilidades estampadas na capa do Estadão, e a integração do

exército à polícia numa “guerra racialista”, lembremos que no ano de 1994 iniciou a “operação Rio”.

De acordo com Carvalho (2013, p. 110), “[...] convênio firmado entre Governo do Rio de Janeiro,

Governo Federal e Forças Armadas em 1994, objetivando a eliminação do tráfico de drogas dos

morros cariocas, revivificou a defasada estrutura, concretizando o tipo ideal bélico de repressão

penal”. As zonas periféricas do Rio de Janeiro passaram a ser ocupadas pelo exército e pelas polícias

- numa estratégia muito próxima ao “modelo disciplinar da peste” descrita por Foucault (2008 [1975])

- com a finalidade de “restabelecer a paz” nessas comunidades, tomadas pelo comércio ilegal de

drogas e pelos ditos “traficantes” guerreando entre si e com a polícia.

De acordo com Thiago Rodrigues (2012, p. 34), historicamente as forças armadas foram

utilizadas pelos governos latino-americanos para as suas “guerras internas”, com função de conter

revoltas, inclusive, para intervenções políticas através de governos ditatoriais. Para ele, “[...] os

militares latino-americanos foram frequentemente acionados para enfrentar inimigos internos, fossem

populações autóctones, subversivos urbanos ou rurais, guerrilheiros ou sublevados” (T.

RODRIGUES, 2012, p. 34). Nesse sentido, o uso do exército contra os próprios cidadãos foi uma

constante nos países latino-americanos, e a hipótese lançada por Thiago Rodrigues (2012, p. 34) é

que “[...] a adoção entre nós da militarização do combate ao narcotráfico talvez possa ser

compreendida como um redimensionamento contemporâneo desse processo, especialmente quando

se nota que tal política permanece voltada à repressão seletiva de grupos sociais historicamente

visados pelas táticas de controle social.” Salienta-se que, esses “grupos sociais visados pelas táticas

de controle social”, habitam justamente os locais periféricos ocupados pelas forças armadas e pela

polícia no Brasil: a população “perigosa”, objeto dos dispositivos de segurança, e no limite passíveis

de “deixar morrer”.

Voltemos, diante das capas e das imagens, à compreensão de Foucault (2010[1976], p. 215)

do “racismo de estado” em tempos biopolíticos, que parece perfeitamente oportuna para a “guerra às

drogas” brasileira e a “purificação racialista” estampada nas capas do Estadão, já que: “A morte do

outro não é simplesmente a minha vida, na medida em que seria minha segurança pessoal; a morte

do outro, a morte da raça ruim, da raça inferior (ou do degenerado, ou do anormal), é o que vai deixar

a vida em geral mais sadia; mais sadia e mais pura”. São cidadãos perigosos que é preciso excluir,

apartar e, ainda, publicizar na estratégia de pânico moral: “[...] não são apenas os traficantes que se

encontram expostos à morte nestas operações, mas também toda a população ao seu redor, geralmente

negra, nordestina e pauperizada” (VIANNA; NEVES, 2011, p. 36).

Em meio a essa guerra racialista, o discurso da mídia – conforme vimos nas capas do Estadão

acima – é maniqueísta: de um lado, a polícia e o exército e sua cidadania; do outro lado, os “inimigos

da nação”, os “sujeitos-traficantes” – e no contínuo, suas esposas, seus filhos e a comunidade a que

pertencem. O discurso positivo da mídia funciona naquilo que tem de confirmação do discurso

jurídico-legal de criminalização das drogas e “reduplicação” da política criminal bélica em relação

às drogas apresenta a guerra travada entre “polícia versus traficante” como um jogo, nos moldes

assinalado por Leme (2011) e que introduzimos o presente trabalho. Uma “guerra injustificada” que

recorre ao “ubuesco do poder”.

Outrossim, embora as “dizibilidades” e as “visibilidades” do “sujeito-traficante” publicadas

na capa do Estadão, deste período, na sua grande maioria, relacionem-se ao discurso de “guerra às

drogas”, em meio a essa reduplicação da guerra, identificamos pela primeira vez, a partir de 1995,

discursos de prisões de “sujeitos-traficantes” com apreensões de “crack” – que aparecerá de forma

definitiva, marcado a separação econômico-social dos entorpecentes. Vejamos: “Um revólver vale

uns 20 gramas de crack” (O ESTADO..., [24/04]1995, p. 1), “Polícia faz cerco a tráfico de crack” (O

ESTADO..., [11/07]1995, p. 1); “Garota viciada em crack foi morta por traficantes” (O ESTADO...,

[24/10]1996, p. 1); “Presos perto de escolas 11 traficantes” [...] Eles vendiam crack, cocaína e

maconha para estudantes” (O ESTADO..., [25/02]1997, p. 1); “Blitz em favela estoura pontos de

traficantes [...] 600 policiais ocuparam a Favela do Jardim, prendendo 32 traficantes e aprendendo 40

kg de cocaína e 5 kg de crack” (O ESTADO..., [07/04]1998, p. 1); “Crack avança entre crianças em

São Paulo” (O ESTADO..., [13/12]1998, p. 1).

Assim como acontecia com o traficante, o crack se personaliza. É um agente da destruição

social. Sucede, porém, que o vínculo entre o “sujeito-traficante” e o crack praticamente não aparece

no discurso da capa do Estadão, ao contrário do que aconteceu com a “cocaína” na década anterior.

Diante deste suposto silenciamento estratégico, pesquisou-se em capas do jornal por “crack”, sendo

possível verificar que o discurso do Estadão aborda a substância através do “pânico moral” e pelo

viés da “epidemia”, ao exemplo da seguinte “chamada de reportagem”, do ano de 1995:

Imagem 17: Capa do Estadão referindo-se ao “crack”

Fonte: O ESTADO... ([09/07]1995, p. 1).

Deste modo, à “epidemia da cocaína” é acrescida uma ainda mais grave, a “epidemia do

crack”. A “ideologia da diferenciação” com a divisão entre “sujeito-traficante” e “sujeito-

dependente” estabelece fronteiras cada vez mais definidas, e não apenas no discurso jurídico-legal,

mas no próprio discurso da mídia, como pode-se observar nessa capa do Estadão. O discurso do crack

como uma “epidemia”, embora esteja relacionado à “violência” e ao “sujeito-dependente”, omite o

“sujeito-traficante” – este último passa a ser narrado, a partir do final da década de noventa, em sua

guerra com agentes da segurança pública em detrimento ao comércio de drogas (sua primeira

N. Batista (1997) e Zaccone (2011), de que no final do século XX, o “sujeito-traficante” passa a

ocupar o papel de inimigo a ser combatido é confirmada pelas capas do Estadão. Como afirmado, a

ubiquidade de sua presença faz do “sujeito-traficante” não simplesmente o comerciante de drogas

ilícitas, mas o “inimigo da nação” que merece ser combatido pelo viés da guerra.

Nas últimas capas do Estadão do século XX, aparecem as primeiras menções ao “traficante

Fernandinho Beira-Mar” (O ESTADO..., [11/11]1999 e [24/11]1999, p. 1). É o início de uma nova

roupagem da guerra que se agrava no século XXI, e as capas do Estadão espalham o “pânico moral”

passando a mostrar os ditos “traficantes” como “organização criminosa” no personagem

“Fernandinho Beira-Mar”.