5 O DISCURSO DO ESTADO DE S PAULO E A PRODUÇÃO DOS “SUJEITOS-
5.3 A PRÁTICA DISCURSIVA: AS CAPAS DO ESTADÃO (1964-2007) E O(S)
5.3.6 O início do século XXI e o agravamento da “guerra racialista” (2000 a 2007)
São 185 capas entre os anos de 2000 a 2007 pesquisadas no jornal Estadão e que foi
identificada a menção ao(s) “traficante(s)”. O discurso da mídia permanece escancarando a guerra
entre polícia e “traficantes”. No Rio de Janeiro, em específico, as forças armadas são presenças
constantes nas ocupações policiais dos bairros periféricos, sob o argumento de “levar a paz” às
comunidades carentes, “sitiadas” pelos ditos “traficantes”. Agora, o discurso da mídia consolida o
“sujeito-traficante” como “inimigo da nação”, sobretudo, pela proliferação de notícias com “imagens”
e ditos dos “traficantes” atentando não apenas à polícia, mas aos próprios governos, aos juízes, à
administração prisional. Portanto, há uma exposição de “traficantes” organizados, em espécimes de
organizações criminosas paramilitares, altamente armadas e treinadas para a guerra.
De acordo com Vianna e Neves (2011, p. 34), a mídia passa a distribuir discursos e imagens
dos “sujeito-traficantes” como: “Cruéis, desumanos, capazes de infligir as piores torturas, pequenos
demônios que promovem o vício, a morte; representantes do crime organizado, fortes o bastante para
engendrar um estado paralelo e um estado de guerra civil.”. Na capa do Estadão de 13/05/2017, é
publicado: “Papa quer Igreja voltada para luta contra as drogas [...] Traficantes terão de se explicar a
Deus pelo sofrimento causado, diz Bento XVI” (O ESTADO..., [13/05]2007, p. 1).
A guerra anunciada discursivamente por Nixon nos Estados Unidos, incorporada à política
criminal brasileira, e vivenciada nos grandes centros urbanos brasileiros, a partir do final do século
XX, se agrava, e é na figura de “Fernandinho Beira-Mar”, como chefe da organização criminosa,
altamente perigosa e letal, abalando a soberania nacional, que o Estadão reiteradamente esquadrinha
seu discurso sobre o “sujeito-traficante”. Podemos afirmar que a maioria dos ditos e visibilidades do
“traficante de drogas” no início do século XXI circulam entre a guerra de polícia e “traficantes”, e
“Fernadinho Beira-Mar” como protótipo do “traficante” e “modelo de organização criminosa”.
As capas do jornal Estadão, que já manifestavam prisões e mortes dos “chefes do tráfico”, a
partir dos anos 2000, passam a propagar através da figura de “Fernandinho Beira-Mar”, o “sujeito-
traficante” rico, influente, armado e perigoso, afirmando a existência de um “exército de traficantes”,
através de organizações criminosas como o PCC (Primeiro Comando da Capital), de São Paulo, e CV
(Comando Vermelho), do Rio de Janeiro.
O discurso do Estadão sobre “Beira-Mar” nas capas do Estadão entre os anos 2000 a 2007
foi muito frequente. Ao vinculá-lo com o “sujeito-traficante”, encontramos muitas capas com
“chamadas de notícias”, “fotografias” e “manchetes”.
Sobre as dizibilidades de “Beira-Mar” e sua vinculação ao “sujeito-traficante”,
exemplificamos: “O juiz Nicolau consta da primeira lista da Interpol, juntamente com o terrorista
Osama Bin Laden e o traficante Fernandinho Beira Mar” (O ESTADO..., [24/08]2000, p. 1), “Beira-
Mar afirma que comprova cocaína das Farc” (O ESTADO..., [24/04]2001, p. 1); “Do presídio, ‘Beira-
Mar’ negocia míssil” (O ESTADO..., [19/06]2002, p. 1); “Rio anuncia mais rigor em presídio e isola
‘Beira-Mar’” (O ESTADO..., [13/09]2002, p. 1); “‘Beira-Mar’ é isolado em um quartel da MP” (O
ESTADO..., [14/09]2002, p. 1); “Secretário diz que vida de Beira-Mar será um inferno” (O
ESTADO..., [19/09]2002, p. 1); “Beira-Mar come arroz e feijão e recebe Bíblia” (O ESTADO...,
[01/03]2003, p. 1).
“Beira-Mar” é utilizado como paradigma do terror urbano. Assim, se o tráfico passa às
estatísticas como a maior causa da morte dos jovens, ele pode facilmente ser aproximado de Bin
Laden. Seu poder ultrapassa as fronteiras legais e ele poderá, mesmo isolado, produzir ameaça. Além
disso, é aquele que se deve punir e castigar, a quem a vida deve ser tornada “um inferno”,
sobrepujando qualquer legalidade (que é intocável apenas para os “cidadãos de bem”) e,
positivamente, apelando para a insegurança da classe média, leitora do jornal. Além de todos esses
discursos que ganharam relevo nas capas, também, são permanentes as visibilidades de “Fernandinho
Beira-Mar” o relacionando os “sujeitos-traficantes” e a “guerra”. Observemos:
Imagem 18: “Captura – O Exército da Colômbia apresentou ontem Fernandinho Beira-Mar, que negou ter ligação com a guerrilha
do país: ‘Estava aqui como camponês’; o traficante deve chegar hoje ao Brasil” (O ESTADO..., [23/04]2001, p. 1)
Fonte: O ESTADO... ([23/04]2001, p. 1).
Imagem 19: A chamada da notícia da capa: “Liderada por Beira-Mar rebelião causa pânico no Rio”. Na legenda da imagem:
“Afronta – Bandeira da facção criminosa Comando Vermelho é pendurada em uma das guaritas do Presídio Bangu 1” (O ESTADO..., [12/09]2002, p. 1).
Imagem 20: Chamada de reportagem na capa do Estadão de 17/11/2002 sobre a riqueza do “traficante” Fernandinho Beira-Mar.
Fonte: O ESTADO... ([17/11]2002, p. 1).
Imagem 21: Manchete do Estadão de 28/02/2003 vinculando a presença das Forças Armadas no Rio à imagem de “Fernandinho
Beira Mar”.
Fonte: O ESTADO... ([28/02]2003, p. 1).
Certamente, não se quer aqui negar a força do tráfico ou mesmo de “Beira-Mar”, muito menos
vitimizar ou glorificar os “líderes do tráfico”, os quais, muitas vezes, também se valem do poder de
“vida e morte” em relação às populações que o rodeiam, seus “subordinados” ou seus “concorrentes”,
operando numa estratégia sanguinária muito parecida com a guerra racialista. Interessa, porém,
marcar como se personaliza o discurso sobre o tráfico num sujeito, no caso do “Beira-Mar” e o modo
pelo qual um crescente, que passa pelas ações coordenadas dos “traficantes”, redundam na criação de
uma espécie de terror midiático. É necessário ressaltar a ambiguidade do funcionamento da imprensa
e sua insistência no apagamento da complexidade de relações envolvidas no tráfico de substâncias
ilícitas. E, essas “organizações criminosas” lideradas por “Fernandinho Beira-Mar”, como explica
Zaccone (2011, p. 12), são estruturadas com: “[...] milhares de ‘fogueteiros’, ‘endoladores’ e ‘esticas’
que, junto dos ‘soldados’ – única categoria armada e responsável pela segurança do negócio –,
assemelham-se mais às estruturas de uma empresa do que a de um exército, lotando as carceragens
do Estado.” Aliás, Zaccone (2011, p. 121) afirma que: “A imensa maioria das pessoas envolvidas no
tráfico de drogas ilícitas ostenta uma realidade distinta de uma organização paramilitar voltada para
a destruição do Estado e das instituições democráticas, conforme propõem as campanhas deflagradas
pelos veículos de comunicação.”
Ocorre, porém, que a multiplicação de notícias de “Fernandinho Beira-Mar” e as relações
entre “sujeito-traficante” e “organização criminosa” produzem o modelo da guerra urbana, na qual
os inimigos acabam sendo aqueles que residem nas comunidades, os mais pobres, os negros. São
inúmeras capas escancarando “ataques”, “batalhas”, “terror”, “guerra”, entre os ditos “traficantes” e
os agentes de segurança pública (policiais e militares) e, também, entre os próprios “traficantes”.
Sobre isso, observemos alguns enunciados materializados nas capas do Estadão entre os anos
2000 e 2007: “Arsenal bélico – De revólveres a fuzis, com um AR-15 com a marca dos traficantes do
comando Vermelho (CV), a polícia do Rio armazena em seus depósitos mais de 180 mil armas
apreendidas” (O ESTADO..., [16/07]2000, p. 1); “Polícia investiga três suspeitos de matar diretora
[traficantes]” (O ESTADO..., [07/09]2000, p. 1); “Tráfico é suspeito do assassinato de diretora de
escola” (O ESTADO..., [03/04]2002, p. 1); “Ex-pára-quedista dá a traficantes aulas de guerrilha” (O
ESTADO..., [05/04]2002, p. 1); “Medicina de guerra – Armas pesadas de traficantes exigem
especialização médica” (O ESTADO..., [29/09]2002, p. 1); “Ameaças e boatos fazem Rio viver um
dia de terror” (O ESTADO..., [01/10]2002, p. 1); “Polícia do Rio sabia que o tráfico iria espalhar o
pânico” (O ESTADO..., [02/10]2002, p. 1); “Bandidos fazem guerra na noite do Rio e desafiam o
poder público [...] A sede do governo estadual foi metralhada em uma das várias ações de traficantes”
(O ESTADO..., [17/10]2002, p. 1); “Tráfico ameaça governadora pela rádio da PM” (O ESTADO...,
[19/10]2002, p. 1); “Toque de recolher no centro de SP” (O ESTADO..., [08/11]2002, p. 1)
“Empresário morre em noite de terror do tráfico carioca” (O ESTADO..., [14/11]2002, p. 1); “Tráfico
impõe mais um dia de terror no Rio” (O ESTADO..., [26/02]2003, p. 1); “Desafio – Traficantes
incendiaram um ônibus e dispararam contra carros na madruga de ontem, no centro do Rio” (O
ESTADO..., [01/03]2003, p. 1); “Tráfico aterroriza o Rio. Rosinha diz que já sabia” (O ESTADO...,
[10/04]2003, p. 1); “Desafio – Ônibus da PM cai em vala após ser atacado por traficantes no Rio; 3
policiais e uma criança foram baleados” (O ESTADO..., [22/04]2003, p. 1); “Na guerra do tráfico no
Rio, mais 11 mortes” (O ESTADO..., [18/07]2003, p. 1); “Guerra de traficantes deixa 11 mortes no
Rio” (O ESTADO..., [23/01]2004, p. 1); “Violência do tráfico deixa 5 mortos no Rio” (O ESTADO...,
[10/04]2004, p. 1); “Tráfico obriga lojas da Rocinha a fechar portas” (O ESTADO..., [16/04]2004, p.
1); “Tráfico mata 2 PMs e 2 vigias da Fiocruz, no Rio” (O ESTADO..., [03/05]2004, p. 1);
“Traficantes assaltam depósito da Aeronáutica [...] Ousadia – Segundo PMs, os ladrões dominaram
três sentinelas da Aeronáutica, que teriam sido amarrados e espancados” (O ESTADO...,
[04/05]2004, p. 1); “Fundador do CV, Escadinha é assassinado no Rio” (O ESTADO..., [24/09]2004,
p. 1); “Morre Gangan, que dominava 9 favelas no Rio” (O ESTADO..., [14/10]2004, p. 1); “Força
Nacional será enviada para o Rio” (O ESTADO..., [22/01]2005, p. 1); “Aos 10 anos, crianças já são
usadas pelo tráfico” (O ESTADO..., [10/07]2005, p. 1); “No Rio, toque de recolher vira rotina e traz
prejuízos” (O ESTADO..., [19/07]2005, p. 1); “Polícia mata traficante Bem-Te-Vi na Rocinha” (O
ESTADO..., [30/10]2005, p. 1); “Tráfico mata 4 supostos autores de ataque no Rio” (O ESTADO...,
[02/12]2005, p. 1); “Investigação mostra coligação de PCC e CV” (O ESTADO..., [12/09]2006, p.
1).
Há uma constante nas capas do Estadão, desde o final da década de setenta do século XX:
infindáveis capas que relacionam os “sujeitos-traficantes” a atos de violência. Entre os anos 2000 e
2007, como visto, os “traficantes” assassinam “diretoras de colégios”, roubam a Aeronáutica e
torturam seus agentes, ameaçam de morte a governadora, impõem o terror, atiram com fuzis em
prédios do governo, matam e enfrentam as polícias e o exército, incendeiam ônibus, determinam
“toques de recolher” e utilizam crianças para o comércio de drogas. O jornal não apenas “faz ler”,
como também “faz ver” a crueldade e a barbárie praticada pelos “traficantes”.
Imagem 22: A capa mostra os “traficantes” atacando as bases da Polícia e matando policiais.
Fonte: O ESTADO... ([04/11]2003, p. 1).
Imagem 23: Na capa do Estadão é apontado os “traficantes” como protagonistas da “onda de terror”, com incêndios de
ônibus, assassinatos de inocentes e imposição de “toques de recolher”.
É na materialização dos discursos que o dispositivo midiático brasileiro se compõe,
recorrendo à estratégia de “demonização” do “sujeito-traficante” durante mais de três décadas.
Espalharam-se discursos e imagens de atos bárbaros praticados pelos “inimigos da nação”. Há uma
preferência da mídia em noticiar os “traficantes” no início do século XXI. Inclusive, das capas
pesquisadas entre 2000 e 2007, foi neste lapso temporal que mais apareceram ditos em comparação
com as análises das seções antecedentes desta dissertação. Se até a década de oitenta do século XX o
“traficante” era noticiado de forma esparsa e difusa – e na maioria das vezes vinculado a notícias
internacionais –, ele passa a ser objeto predileto do “pânico moral” espalhado pela mídia para a
sociedade brasileira. A relação “traficante” e “violência” que verificamos nas capas do Estadão, é
ressaltada por Zaccone (2011, p. 122), o qual, compreende que a mídia no Brasil produziu o discurso
de que “[...] todas as pessoas envolvidas no comércio de drogas ilícitas são ‘bárbaros’ e insuscetíveis
de recuperação, sendo o recrudescimento penal o único caminho possível para o Estado na questão
das drogas”.
Dessa maneira, o dispositivo midiático, no seu contínuo com o jurídico, legitima práticas cada
vez mais repressivas ao abordar o crime de tráfico de drogas. Conforme abordado no capítulo anterior,
Frade (2007) aponta que a principal fonte dos legisladores no Brasil sobre a criminalidade é a mídia.
Logo, se o “modelo bélico” foi inserido no Brasil na segunda metade do século XX por influência
norte-americana e da ONU, as capas do Estadão dão indícios da influência do dispositivo midiático
através do seu processo de “demonização” do “sujeito-traficante” no deslocamento da lei criminal de
drogas no ano de 2006 – a mais repressiva ao “tráfico”. Isso porque, nesse deslocamento do discurso
jurídico-legal brasileiro é potencializado o caráter beligerante da política criminal de drogas,
passando a vigorar a Lei 11.343 que além de aumentar os números de tipos penais relacionados às
drogas, e diminuir benefícios legais (aqui discutidos precedentemente), também aumenta
significativamente a pena de prisão para o “tráfico de drogas” (de 05 a 15 anos de reclusão),
estabelecendo fronteiras mais rígidas na “ideologia da diferenciação”, bem como mantendo o
“enquadramento subjetivo” dos sujeitos nas apreensões de drogas. Observe-se, na imagem abaixo,
os rostos jovens e negros dos ditos “traficantes” presos, a preferência dos dispositivos jurídico e
midiático: são os delinquentes a quem é dado o tratamento do carcerário e, no limite, necropolítico,
quando no meio da guerra racialista.
Imagem 24: “Reação – A operação montada pela polícia do Rio prendeu ontem cerca de 50 pessoas; pelo menos 15 favelas serão
ocupadas” (O ESTADO..., [27/02]2003, p.1).
Fonte: O ESTADO... ([27/02]2003, p. 1).
Como afirmado na presente dissertação, o agravamento da pena do crime de tráfico de drogas
acaba por levar ao cárcere, quase sempre, sujeitos da população periférica dos centros urbanos. Até
porque, como destaca Thiago Rodrigues (2012, p. 28): “Como nos demais países americanos, o
tráfico de drogas é, no Brasil, associado a populações pobres, habitantes de favelas e periferias e
vinculado aos chamados comandos ou partidos do crime”. Homens, jovens, pobres, negros, que pouco
frequentaram a escola, lotam os presídios brasileiros, formando uma “massa de delinquentes”
(BRASIL, 2015). Porém, lembremos Nilo Batista (2011), a “pobreza” não é a causa da criminalidade,
há uma preferência pelas agências punitivas que selecionam os crimes e os sujeitos a serem
perseguidos. É esta preferência que vemos materializada na quase totalidade do corpus midiático que
investigamos.
No caso do comércio de drogas o dispositivo captura a população mais vulnerável, onde há
altos índices de desemprego, miséria e analfabetismo. A preferência da mídia e dos dispositivos de
governo biopolíticos é pelos “traficantes” mais vulneráveis e marginalizados – o outro, sem cidadania
e sem dignidade – mesmo que os altos lucros do comércio de substâncias ilícitas, como bem
mencionado por Zaccone (2011), não sejam distribuídos para eles do comércio varejista. Para os
nossos personagens, a remuneração é baixa e o risco é alto, pois são os selecionados a sofrer os efeitos
lesivos da “política criminal com derramamento de sangue” (N. BATISTA, 1997). Para os
“irrecuperáveis traficantes”, devidamente retratados nas páginas do Estadão, o agravamento da
política criminal não se estabelece apenas com as maiores penas de prisão, mas também pela
letalidade policial, que vêm sendo aceita pelo judiciário, já que os “homicídios” não são punidos
através dos “autos de resistência” – nos quais é alegada a legítima defesa pelos agentes estatais e na
sua grande maioria ocorre a exclusão da ilicitude do crime, em manifesta “gestão diferencial dos
ilegalismos”. Frisa-se que, no caso do Rio de Janeiro, entre os anos 2001 e 2011, conforme pesquisa
coordenada por Misse (2011), mais de 10 mil pessoas foram mortas em confronto com a polícia e os
Inquéritos Policiais hegemonicamente foram arquivados sem sequer ser formado um processo
judicial para apuração do fato. Misse (2011) ressalta que, no ano de 2008, para cada policial morto
em serviço no Rio de Janeiro, foram mais de quarenta mortes nos “autos de resistência”,
demonstrando-se a manifesta desproporcionalidade da “guerra”.
Ainda sob a égide da “gestão diferencial dos ilegalismos”, quanto aos “traficantes” de classes
sociais mais abastadas, há um silenciamento estratégico. Foi identificado apenas uma chamada de
notícia nas capas d’O Estado de S. Paulo que envolvam sujeitos de classes sociais mais abonadas
com o comércio de “substâncias ilícitas”, os quais, por sinal, sequer são designados no discurso do
jornal como “traficantes”, mas como: “jovens, ricos e quadrilheiros” (O ESTADO..., [09/11]2007,
p. 1, grifos meus). Chama atenção, no texto dessa chamada, a narrativa do Delegado de Polícia que
investigou o caso: “Você ouve o diálogo de um deles, que mora numa rua chique na Lagoa, e acha
que está ouvindo o gerente de uma boca-de-fumo de um morro qualquer” (O ESTADO...,
[09/11]2007, p. 1). Ora, a análise do policial ratifica o que vínhamos defendendo sobre a seletividade
punitiva dos ditos “traficantes” das zonas periféricas dos centros urbanos (o outro, sem nome e sem
dignidade: o “traficante”). A visibilidade desta capa (Imagem 25) é da prisão de “Bruno” e “Jéssica”
por tráfico de drogas – o nome próprio, aliás, capaz de distinguir os sujeitos de classes abastadas
diante daqueles inominados que aparecem nas capas quando a narrativa incide sobre as comunidades
vulneráveis – aparecendo o policial afrouxando as algemas de “Bruno”, desaperto esse, bem distinto
do “derramamento de sangue” nos combates de “polícia e traficante” das periferias (conforme
imagem 26).
Imagem 25: A “visibilidade” do Estadão em relação aos “jovens de classe média” presos por tráfico de drogas.
Fonte: O ESTADO... ([09/11]2007, p. 1).
Imagem 26: “Baleado – Corpo de homem é levado para uma das saídas da favela. De acordo com a polícia era um traficante [...]”