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A Constituição de 1991 e o processo de formulação de políticas na Colômbia

No documento BID APolíticadasPolíticasPúblicas (páginas 175-180)

Um dos componentes fundamentais do processo de formulação de políticas na Colômbia antes da Constituição de 1991 era a Frente Nacional, um acordo entre os dois partidos tradi- cionais (Liberal e Conservador) para compartilhar o poder, com os partidos alternando-se na presidência e uma paridade rígida nas principais arenas de formulação de políticas, como

o Congresso, a equipe de governo, os tribunais, governadores e prefeitos.12Embora a Frente

Nacional tenha estado formalmente em vigor entre 1958 e 1974, algumas de suas caracterís- ticas mais importantes persistiram até o final da década de 1980.

Durante o longo período da Frente Nacional, a formulação de políticas públicas na Co- lômbia era bastante eficaz. O desempenho do crescimento era forte, tendo alcançado uma média de 4,7% entre 1950 e 1990. Os deficits fiscais eram baixos e a política fiscal desempe- nhava um papel estabilizador, auxiliada por mecanismos como o fundo de estabilização do café. A percepção na região era de que a Colômbia havia evitado as tendências populistas

então dominantes na América Latina.13

No processo de formulação de políticas que funcionava antes de 1991, o presidente era, institucionalmente, muito poderoso, assim como o ministério da Fazenda, tipicamente che- fiado por um tecnocrata de respeito. As regras do jogo político limitavam o papel do Congres-

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O Pacto de Punto Fijo foi assinado pelos principais partidos em 1958 e envolvia o compartilhamen- to do poder por meio da distribuição das principais posições na equipe de governo e da implementa- ção de políticas econômicas e sociais em comum. Ver o Capítulo 11 para mais detalhes.

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Para uma caracterização mais completa do processo de formulação de políticas na Colômbia, ver Cárdenas, Junguito e Pachón (2005). Esta seção baseia-se nesse trabalho.

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Essa percepção foi fortalecida por um estudo bastante conhecido de Urrutia (1991).

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so em políticas econômicas e aumentavam a capacidade de tomada de decisões do governo. A coalizão da Frente Nacional, mantida por meio de indicações para a equipe de governo e para governadores, assegurava ampla maioria no Congresso. Embora a estrutura de comitês ofere- cesse alguns incentivos para que os legisladores se especializassem e ganhassem conhecimen- tos em políticas públicas, as regras eleitorais proporcionavam incentivos para que eles se cen- trassem mais em seu eleitorado e menos na formulação de políticas de alcance nacional. Assim, em certa medida, os legisladores centravam-se em obter apoio para seus projetos locais (na forma de auxilios parlamentarios) e delegavam a maior parte da formulação de políticas na- cionais — em particular a política macroeconômica — ao Executivo, que dispunha de uma

burocracia relativamente forte, pelo menos para os padrões latino-americanos.14Porém, mes-

mo em casos em que o presidente não podia contar com o apoio da legislatura, ele possuía amplos poderes para legislar por decreto, pela declaração de emergências econômicas ou de estado de sítio. Como será discutido no Capítulo 8, esses poderes foram usados para a aprova- ção de algumas reformas tributárias importantes durante esse período. O Supremo Tribunal exercia algum controle sobre o uso de decretos, tendo derrubado cerca de 25% deles, mas não era tão independente e ativo como o Tribunal Constitucional de hoje.

Esse processo de formulação de políticas reflete-se na qualidade das políticas públicas dis- cutida no Capítulo 6. Antes de 1991, a Colômbia classificava-se entre os cinco primeiros países da região em estabilidade, adaptabilidade, coordenação e coerência e eficiência. Se havia um ponto fraco no processo de formulação de políticas colombiano, este estava ligado a deficiên- cias na participação política. A Frente era um acordo de conluio, que assegurava a cooperação entre os incluídos, mas excluía importantes setores da população, em particular a esquerda. Também não havia participação política no nível subnacional. Governadores e prefeitos eram nomeados, não eleitos, e às vezes tinham bases fracas nas jurisdições em que exerciam o cargo. Além disso, esse período foi caracterizado pelo uso difundido de práticas clientelistas como for- ma de obter e manter apoios políticos. O exemplo mais evidente foi a utilização livre e, com fre- qüência, arbitrária, por legisladores individuais, dos recursos que eles obtinham por meio dos

auxilios parlamentarios. Ambos os fatores — falta de participação e práticas clientelistas — aju-

dam a explicar o fraco desempenho do país em termos de consideração do interesse público, uma dimensão em que a Colômbia classificava-se entre os últimos, em contraste com a sua po- sição relativamente alta na maior parte das outras dimensões.

As reivindicações de maior participação política nos níveis subnacionais e nacional foram fatores importantes na transição para a nova constituição. O processo de descentra- lização, que havia levado à eleição de prefeitos em 1988, associado ao surgimento de no- vas fontes de receita ligadas a descobertas de petróleo, tornaram necessário redefinir o modo como o bolo político e econômico seria dividido. A exclusão da esquerda dos canais regulares de participação política havia levado à atividade guerrilheira e ao aumento da violência, envolvendo também cartéis de drogas, o que culminou com o assassinato de três candidatos presidenciais na campanha eleitoral de 1989, entre eles o provável vence- dor, Luis Carlos Galán. A idéia da reforma constitucional ganhou apoio político, numa época de perturbação política em que a incorporação dos grupos insurgentes no sistema político era vista como uma prioridade. Isso levou à adoção de uma nova constituição.

A Constituição de 1991 introduziu mudanças muito importantes no processo de for- mulação de políticas. Embora o presidente não seja de forma alguma fraco em comparação

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Os auxilios parlamentarios, que eram fundos de livre utilização disponíveis para cada membro da le- gislatura, foram introduzidos na reforma constitucional de 1968 e abolidos na Constituição de 1991.

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aos de outros sistemas da região (ver Capítulo 3), a Constituição de 1991 limitou o poder do Executivo de várias maneiras. Ela introduziu a eleição de governadores (que, anteriormente, eram escolhidos pelo presidente) e dotou-os de significativos recursos fiscais. Reduziu a li- berdade do presidente (e do Congresso) numa série de questões importantes de políticas pú- blicas: em alguns casos, como pensões ou transferências intergovernamentais, por terem sido definidos na constituição; em outros, como políticas monetárias e cambiais, por terem ficado na órbita de um recém-independente Banco Central. A nova constituição deu ao Congresso um papel mais ativo na formulação de políticas, ao limitar a capacidade do Exe- cutivo de legislar por decreto e ao tornar mais fácil para a legislatura derrubar um veto presi- dencial. Deu também ao Judiciário um papel mais ativo, com a criação de um Tribunal Constitucional com poderes de revisão constitucional ex ante e procedimentos de indicação que incentivaram a independência judicial.

A constituição também introduziu reformas que enfraqueceram os poderes partidários do presidente. As regras para a eleição de presidentes foram modificadas, passando de um sis- tema de maioria simples para um sistema majoritário com segundo turno, o que incentiva candidatos independentes a competir no primeiro turno e tende a reduzir o contingente le- gislativo do presidente. Além disso, os próprios partidos tornaram-se mais fragmentados. Embora as regras eleitorais para o Congresso produzissem, tradicionalmente, incentivos para a fragmentação dos partidos políticos num grande número de facções muito pequenas e ra- zoavelmente independentes, as alterações nas regras de financiamento de campanhas que ca- nalizaram os recursos públicos para facções em vez de partidos, assim como as mudanças na estrutura das eleições, enfraqueceram ainda mais a capacidade do presidente e dos principais líderes dos partidos de disciplinarem os seus próprios representantes no Legislativo (ver Boxe

7.1).15Em suma, a constituição não só limitou os poderes legislativos do presidente, como

também a sua capacidade de se impor no espaço de atuação que ainda lhe restava.

Como resultado das mudanças introduzidas pela Constituição de 1991, o processo de formulação de políticas na Colômbia sofreu alterações significativas. O Congresso passou a participar cada vez mais de discussões de políticas nacionais, introduzindo alterações im- portantes na legislação proposta pelo Executivo. Como o exemplo das políticas tributárias, no Capítulo 8, deixará claro, a aprovação de leis ficou mais difícil. O Executivo precisa fazer mais concessões e distribuir mais benefícios para aprovar leis, já que o número de “patroci-

nadores” envolvidos em cada projeto de lei aumentou substancialmente.16Mesmo depois

que uma lei passa no Congresso, ela ainda pode encontrar obstáculos no Tribunal Constitu- cional, que não só faz com que seja mais difícil para o Executivo contornar a aprovação do Congresso (em seu papel de garantir a lisura do processo), como também se tornou, de modo geral, um ator mais ativo — alguns observadores diriam que excessivamente ativo — no jogo da formulação de políticas públicas. As administrações subnacionais também se tornaram atores mais importantes em alguns aspectos de formulação de políticas, que in- cluem as política sociais. Isso teve, algumas vezes, implicações importantes para políticas macroeconômicas, uma vez que diversos departamentos e municípios incorreram em dívi- da excessiva e tiveram de ser resgatados pelo governo nacional.

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Mudanças na estrutura da eleição e no financiamento de campanhas não fizeram realmente parte da reforma constitucional, mas foram determinadas por lei pouco antes dessa reforma.

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Os patrocinadores são legisladores que participam diretamente da discussão dos projetos de lei. Eles costumam ter um impacto substancial sobre o conteúdo de um projeto, e tendem a obter mais vantagens para a sua própria base eleitoral do que os legisladores que não têm o mesmo status.

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Boxe 7.1 Fragmentação partidária extrema na Colômbia: operaciones avispa

Até muito recentemente, a Colômbia tinha um sistema eleitoral para o Congresso que combinava representação proporcional com uma distribuição de cadeiras por cotas e pela regra do resto maior. Diversas facções podiam apresentar listas dentro do mes- mo partido. A fórmula do resto maior era aplicada a facções e não a partidos, o que re- sultava em fragmentação e baixa disciplina partidária.

O impacto da regra do resto maior pode ser ilustrado com um exemplo. Conside- re-se um distrito com 1.000 eleitores e 10 cadeiras no Congresso (portanto o número de votos necessário para ganhar uma cadeira por cota é 100). O partido A recebe 650 votos, o partido B recebe 240, o partido C recebe 70 e o partido D recebe 40. Concor- rendo como listas de partidos, A ficaria com 7 cadeiras (6 por cota, 1 por resto), B fica- ria com 2 (por cota), C ficaria com 1 (por resto) e D não ficaria com nenhuma. Se o par- tido B se dividisse em três facções iguais de 80 votos cada uma, o partido ficaria com 3 cadeiras (todas por resto), tirando uma do partido A. Se, porém, o partido A se divi- disse em oito facções iguais, ele ficaria com 8 cadeiras (todas por resto), deixando apenas 2 cadeiras (também por resto) para as facções fragmentadas do partido B. É fácil perceber que os grandes partidos, para maximizar o número de cadeiras no Con- gresso, têm incentivos para fragmentar-se em pequenos veículos eleitorais (conheci- dos na Colômbia comooperaciones avispa), a maioria dos quais com o objetivo de eleger um único representante para o Congresso.

Esses incentivos para a fragmentação exacerbaram-se pouco antes da Cons- tituição de 1991, quando foram introduzidas alterações na estrutura das eleições e no financiamento dos partidos. A liderança dos partidos, que já não tinha controle sobre a marca partidária, depois de 1991 perdeu também o controle dos fundos para campanha, que passaram a ser alocados diretamente às facções, reduzindo ainda mais a influência dos líderes. Como resultado, o número de listas concorren- tes para a Câmara dos Deputados saltou de cerca de 350 para mais de 900 entre 1990 e 2002. Em 2002, 96% das listas vencedoras elegeram apenas um candidato ao Congresso, a grande maioria deles pela regra do resto maior. Nesse contexto, os legisladores têm incentivos para trabalhar por seus redutos eleitorais regionais, em vez de seguir a linha dos líderes do partido, do qual eles não dependem para a reeleição.

Em suma, o número de atores cruciais no jogo da formulação de políticas nacionais au- mentou, e ficou mais difícil conseguir cooperação entre os atores. Embora esses resultados sejam positivos no sentido de gerarem limites e equilíbrios mais fortes em relação à liberda- de de ação do Executivo, eles também podem ter um impacto negativo sobre a eficácia das

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políticas. De fato, algumas das características-chave das políti- cas públicas mais diretamente ligadas à eficácia (estabilidade, eficiência, coordenação e coe- rência) declinaram após 1991

(ver Figura 7.1).17 Por outro

lado, o país obteve melhoras substanciais em consideração do interesse público (o qual, mesmo assim, ainda é baixo). Essa melhora pode ser atribuída a pelo menos quatro fatores: o aumento dos limites e contraba- lanços; a maior participação nos níveis nacional e subnacionais; mais controle sobre as práticas clientelistas dos políticos, em particular os legisladores, pela eliminação dos auxilios parla-

mentarios;18e mais controle so-

bre a liberdade de ação do Exe- cutivo na distribuição de subsí- dios e crédito a certos setores da população, uma vez que um

Banco Central independente está sujeito a restrições nos empréstimos para o setor privado. A Colômbia não foi o único país a se mover na direção de mais participação e inclusão.

Entre os outros países que se moveram nessa direção estão o México e o Paraguai.19Em

todos esses casos, a melhora em termos de inclusão aconteceu paralelamente a alguns de- clínios na eficácia das políticas (ver Figura 7.2). No entanto, o grau de sacrifício da eficácia na busca de maior inclusão difere muito de um país para outro. O desafio é tentar aumentar a inclusão e a participação sem perder eficácia no processo.

O Congresso colombiano aprovou, recentemente, reformas que tentam melhorar a eficácia sem comprometer significativamente a inclusão e a participação. Uma mudança envolve a reeleição presidencial, numa tendência que tem estado presente em muitos

4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0 4,0 3,5 3,0 2,5 2,0 1,5 1,0

: Stein e Tommasi (2005) e cálculos dos autores. Fontes Adaptabilidade Aplicação Consideração do interesse público Estabilidade Eficácia Coordenação e coerência Eficiência Colômbia II (1991-presente) Colômbia I (antes de 1991)

Nota: A linha reta está num ângulo de 45 graus, de modo que as características- chave localizadas no triângulo superior mostram melhora do período I para o período II, enquanto aquelas que se deterioraram estão localizadas no triângulo inferior.

FIGURA 7.1 Evolução das características-chave das políticas públicas (Colômbia) (escala de 1-4)

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Embora a medida imperfeita de adaptabilidade deste estudo, com base apenas em um par de per- guntas de pesquisa, mostre uma ligeira melhora, a conexão de uma série de aspectos de políticas pú- blicas, bem como a discussão das reformas tributárias na Colômbia antes e depois da reforma consti- tucional (ver Capítulo 8), sugerem que, pelo menos em algumas áreas, a adaptabilidade também de- cresceu em tempos recentes.

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O impacto da eliminação dos auxilios, porém, esteve sujeito a algum debate. Alguns autores afir- mam que, embora formalmente eliminados, os auxilios continuaram na prática de uma maneira mais informal e opaca. Além disso, eles afirmam que os fundos envolvidos nessas práticas aumentaram com essas mudanças, em vez de diminuir. Ver, por exemplo, Vargas (1999) e Echeverry, Fergusson e Querubín (2004).

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O caso da Venezuela, que também se encaixa nesse padrão, é discutido em detalhes no Capítulo 11.

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países latino-americanos. Prova- velmente a mais importante na perspectiva deste estudo relacio- ne-se a mudanças nas regras elei- torais para o Congresso. Os parti- dos políticos agora podem apre- sentar apenas uma única lista partidária em cada distrito eleito- ral. Além disso, foi introduzido um limiar (equivalente a 2% do eleitorado nacional) que impede que pequenos movimentos locais participem das eleições. Essas mudanças devem ajudar a redu- zir a fragmentação e a aumentar a disciplina partidária. Assim, elas devem melhorar o papel dos par- tidos como instituições abran- gentes interessadas em formu- lação de políticas de interesse nacional, nas quais possam ser alcançados acordos intertempo- rais. Devem também ajudar a fa- cilitar a aprovação de algumas leis no Congresso.

Formulação de políticas em sistemas políticos fragmentados:

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