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Poderes constitucionais

No documento BID APolíticadasPolíticasPúblicas (páginas 59-64)

Muito embora todos os países latino-americanos hispanofalantes e lusofalantes estudados neste relatório tenham adotado um sistema de governo presidencialista básico semelhan- te ao dos Estados Unidos, existem consideráveis diferenças com respeito aos poderes rela- tivos que a constituição confere ao Executivo e ao Legislativo. Diversos países do Caribe, mais o Suriname e a Guiana, por outro lado, adotam sistemas parlamentares ou semipresi- dencialistas, que implicam diferenças na natureza da relação entre os poderes Executivo e Legislativo e na função esperada das legislaturas no processo de formulação de políticas. O Boxe 3.1 destaca algumas dessas diferenças com uma exposição do caso da Jamaica.

Duas características fundamentais dos sistemas presidencialistas diferenciam-nos dos sistemas parlamentaristas: o chefe de Estado é eleito separadamente do Congresso e os man- datos do presidente e do Congresso são fixos. Em relação a estes aspectos essenciais, o único desvio digno de nota nesse grupo de países é a Bolívia, cujo Congresso é incumbido de esco- lher entre os dois principais votados na disputa presidencial se nenhum candidato obtiver maioria absoluta no primeiro turno.

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Boxe 3.1— O processo de formulação de políticas em um sistema parlamentar: O caso da Jamaica*

O sistema parlamentar da Jamaica baseia-se no modelo britânico de Westminster e possui em comum com ele várias características fundamentais. O eleitorado escolhe 60 representantes para a Câmara dos Deputados. Existe também uma Câmara alta (o Senado), que desempenha função semelhante à tradicionalmente cumprida pela Câ- mara dos Lordes britânica. O legislador que comanda o apoio majoritário na Câmara baixa (invariavelmente o líder do partido majoritário) é convidado pelo governador-geral para ser o primeiro-ministro e, por sua vez, indica os ministros do gabinete. O governo é responsável perante a Câmara dos Deputados, que detém o poder de terminar o man- dato do governo se houver apoio da maioria para uma moção de não-confiança. As elei- ções devem ser convocadas a cada cinco anos, mas o período fica a critério do primeiro- ministro, com a aprovação do governador-geral, que, como a rainha da Grã-Bretanha, atua como chefe de Estado com função primordialmente cerimonial.

O sistema eleitoral de maioria simples, conhecido comofirst-past-the-post, e a conseqüente recorrência de maiorias de partido único na Câmara dos Deputados, fa- vorece a concentração da autoridade decisória no Poder Executivo, como no sistema britânico. Além de nomear os ministros do gabinete, o primeiro-ministro na verdade “nomeia” a maioria dos senadores (em termos formais, isso é feito pelo governa- dor-geral), bem como representantes para o preenchimento dos altos cargos da buro- cracia e outros órgãos especiais do governo. A estrutura parlamentar do sistema, os amplos poderes de nomeação do primeiro-ministro e o importante papel dos partidos em ajudar os membros do Parlamento a assegurar a reeleição estimulam forte disci- plina partidária e um papel limitado para a legislatura na formulação de políticas.

A dinâmica da concorrência interpartidária favoreceu a estabilidade política, so- bretudo a partir de 1990. Desde 1962, dois partidos alternam-se no poder: o Partido Nacional Popular (PNP) e o Partido Trabalhista da Jamaica (JLP). Porém, cada caso de mudança foi seguido ao menos por dois mandatos sucessivos (quatro mandatos sucessivos, para o atual partido da situação). Em decorrência disso, os ministros e outros funcionários de alto escalão tendem a permanecer em seus cargos por muito mais tempo do que seus homólogos nos países latino-americanos. Na década de 1990, a moderação do PNP, tradicionalmente mais à esquerda, levou a uma conver- gência crescente da orientação de política dos dois partidos.

Seria de esperar que essas características do processo de formulação de políticas jamaicano favorecessem a capacidade do governo de adotar as mudanças neces- sárias nas políticas (adaptabilidade das políticas) e, ao mesmo tempo, a estabilidade de políticas de desenvolvimento amplas e a execução consistente dessas políticas. Além disso, seria de esperar que a existência de uma burocracia baseada no mérito e relativamente profissional, bem como de um Judiciário razoavelmente independente, favorecesse o fortalecimento de acordos de política de longo prazo e contribuísse para a estabilidade e qualidade das políticas públicas no longo prazo.

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Boxe 3.1 Continuação

Em alguns casos, a capacidade de decisão do governo tem sido bastante eviden- te, como a resposta à crise bancária de 1997 e as decisões relativas ao ingresso na Comunidade do Caribe (Caricom). Mas o governo tem sido menos habilidoso na ela- boração de reformas de políticas oportunas e adequadas em relação a outros proble- mas, como os enormesdéficit fiscal e dívida pública, e o índice de criminalidade cres- cente. Por exemplo, em relação aodéficit fiscal, os governos conseguiram aumentar as alíquotas e melhorar a arrecadação de impostos, mas tiveram menos êxito na abo- lição das isenções fiscais e na redução da sonegação de impostos das empresas. Somente em tempos recentes reformas para a redução dos salários do setor público foram implementadas. Os motivos da lentidão de adaptação em tais áreas são com- plexos, mas se originam em parte na incapacidade do governo de impor perdas a cer- tos grupos organizados, cujo apoio — ou, ao menos, aquiescência — é necessário para implementar as reformas. Subjacentes a essa incapacidade de adotar reformas que atendam ao interesse público estão certas limitações sobre a intensidade e a jus- tiça da concorrência e representação eleitorais, relacionadas ao favorecimento e às práticas clientelistas dos partidos políticos.

* Com base em Mejía Acosta (2005).

Quando se observa além dessas duas características definidoras, há importantes dife- renças de um país para outro. Os poderes relativos que as constituições atribuem a presiden- tes e legislaturas são um fator-chave na definição da função de elaboração de políticas do Congresso.

Embora os presidentes tenham o poder de indicar e retirar ministros do alto escalão

em todos os países latino-americanos,31em alguns casos, como Colômbia, Peru, Uruguai

e Venezuela, as legislaturas também têm o poder de removê-los por meio de procedimen- tos de censura. Tendo em vista a dificuldade de se obter a maioria necessária para a cen- sura e a total autoridade do presidente para nomear um sucessor, esse poder não tem sido usado de forma significativa na maioria dos países. Entretanto, o poder de censura pode ainda atuar como uma restrição à autoridade do presidente em controlar a composição de seu gabinete.

Além dos poderes de indicação, as constituições concedem aos presidentes outras ferra- mentas com as quais podem se inserir na elaboração de políticas. Em termos gerais, quanto mais fortes e diversos esses poderes, mais limitada estará a legislatura para assumir um papel ativo e eficaz na formulação de políticas e no desenvolvimento de suas capacidades.

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Uma exceção parcial é o Uruguai, onde (como nos Estados Unidos) o presidente precisa da aprova- ção do Legislativo para as nomeações ministeriais.

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Os poderes do presidente que contribuem para a sua capacidade de alterar unilateral-

mente o status quo podem ser chamados de poderes proativos32e são, entre outros, o de emitir

decretos, determinar a agenda de discussão no Congresso e executar o orçamento. Os pode-

res reativos, em contraste, permitem ao presidente preservar o status quo contra os esforços

da legislatura para mudá-lo e incluem o poder de veto parcial ou total e poderes exclusivos para apresentar legislação em determinadas áreas de políticas.

Em vários países, a constituição concede aos presidentes o poder de promulgar nova le- gislação por decreto, mesmo sem que a legislatura inicialmente delegue essa autoridade. Essa autoridade é aplicável na maioria das áreas de políticas na Argentina, no Brasil e na Co- lômbia, porém é restrita a questões econômicas no Equador e questões fiscais no Peru. Mui- to embora, na maioria dos casos, o Congresso tenha autoridade para anular o decreto, esse poder, mesmo assim, ajuda o presidente a controlar a agenda legislativa e a obter resultados que de outro modo não seriam possíveis. Por exemplo, no Brasil o presidente pode legislar por meio de medidas provisórias, que precisam ser ratificadas pelo Congresso dentro de 60 dias para que permaneçam em vigor. Se nada é feito em relação a uma medida provisória dentro dos primeiros 45 dias, ela é automaticamente encaminhada para o topo da agenda legislativa. Se o Congresso não aprova a medida provisória nesse período de 60 dias, o presi- dente pode reeditá-la, mas somente uma vez.

As constituições também concedem a diversos presidentes da região importantes pode- res de definição da agenda de governo. Por exemplo, os presidentes no Brasil, na Colômbia e no Uruguai podem declarar “urgente” uma proposta instando o Congresso a agir dentro de um prazo definido. No Uruguai, um projeto de lei transforma-se em lei se o Congresso não agir dentro do prazo indicado. Outra forma de poder de definição da agenda, encontrada no Brasil e no Chile, é a capacidade do presidente de convocar uma reunião legislativa especial em que somente as iniciativas apresentadas pelo Executivo são permitidas.

Em muitos países, o papel da legislatura com respeito à definição de políticas orçamentá- rias é limitado pelas restrições à autoridade da legislatura e por prerrogativas presidenciais es- peciais. Por exemplo, no Chile o Poder Executivo define os limites de gastos do orçamento e detém responsabilidade pela estimativa das receitas. A legislatura não pode aumentar as des- pesas de nenhuma rubrica orçamentária, nem aduzir emendas que aumentem o total de gas- tos; somente pode reduzir despesas ou rejeitá-las. Ademais, se o Congresso deixa de aprovar uma lei orçamentária dentro de 60 dias, a proposta original do Executivo converte-se em lei.

As constituições de vários países da região também propiciam aos presidentes mecanis- mos para impedir tentativas da legislatura de alterar as políticas de status quo sem o assenti- mento do presidente. O veto total, pelo qual o presidente pode recusar-se a assinar a totalidade de um projeto de lei aprovado pela legislatura, é comum em diversos sistemas presidencia- listas, inclusive no dos Estados Unidos. Mas a vários presidentes latino-americanos também é concedido o poder de rejeitar elementos específicos de leis aprovadas pela legislatura.

Outra forma de poder reativo é quando o presidente recebe a autoridade exclusiva de propor uma legislação em certas áreas de políticas. Por exemplo, na Colômbia essa restrição imposta à legislatura aplica-se à estrutura dos ministérios, aos salários dos servidores públi- cos, à taxa de câmbio, ao comércio exterior e às tarifas e à dívida interna, entre outras áreas. Os monopólios legislativos presidenciais (isto é, áreas de iniciativa exclusiva) também são razoavelmente amplos no Brasil e no Chile.

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Ver Mainwaring e Shugart (1997).

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Finalmente, o poder dos presidentes de submeter à votação dos cidadãos assuntos gerais de políticas ou leis em particular (poderes de plebiscito) pode ser valioso, mesmo quando não é usado, para exercer pressão sobre os legisladores para que apóiem o presidente. A mag- nitude desse poder depende da extensão de sua aplicabilidade em áreas de políticas e de ele ser também compartilhado pelo Congresso.

Conforme demonstrado no Quadro 3.5, os poderes legislativos gerais dos presidentes atingem o grau máximo no Chile, Brasil, Equador e Colômbia. Os poderes proativos tam- bém são consideráveis no Peru. Os poderes legislativos dos presidentes são mais fracos na

Quadro 3.5 Poderes legislativos dos presidentes na América Latina

Poderes proativos Poderes reativos

País Para emitir decretosa Executar o orça- mento Subtotal de pode- res proa- tivosb Veto a projetos de lei Veto parcial Iniciativa exclusiva Subtotal de pode- res rea- tivosb Poder de plebiscito Poderes legisla- tivos geraisb Chile 0,33 0,73 0,50 0,85 0,85 0,67 0,77 1,00 0,66 Brasil 1,00 0,91 0,96 0,15 0,15 0,67 0,38 0,00 0,62 Equador 0,33 0,73 0,50 1,00 0,69 0,33 0,62 1,00 0,59 Colômbia 0,67 0,64 0,6 0,31 0,31 0,67 0,46 1,00 0,59 Peru 0,67 0,73 0,70 0,15 0,15 0,33 0,23 1,00 0,50 Argentina 0,33 0,45 0,38 0,85 0,85 0,00 0,48 0,50 0,44 Panamá 0,17 0,55 0,33 0,77 0,77 0,33 0,58 0,00 0,43 Uruguai 0,17 0,64 0,37 0,54 0,54 0,33 0,45 0,00 0,38 El Salvador 0,00 0,82 0,35 0,77 0,00 0,00 0,22 1,00 0,33 Venezuela 0,33 0,64 0,46 0,08 0,08 0,00 0,04 1,00 0,30 Guatemala 0,33 0,18 0,27 0,77 0,00 0,00 0,22 1,00 0,29 República Dominicana 0,00 0,64 0,27 0,92 0,15 0,00 0,31 0,00 0,27 Honduras 0,33 0,36 0,34 0,77 0,00 0,00 0,22 0,00 0,26 México 0,17 0.36 0,25 0,92 0,00 0,00 0,26 0,00 0,24 Bolívia 0,00 0.27 0,12 0,85 0,00 0,33 0,38 0,00 0,23 Costa Rica 0,00 0.64 0,27 0,77 0,00 0,00 0,22 0,00 0,23 Paraguai 0,00 0.64 0,27 0,23 0,23 0,00 0,13 0,00 0,19 Nicarágua 0,00 0.73 0,31 0,15 0,15 0,00 0,09 0,00 0,19

aFazem parte dessa medida tanto o poder dos presidentes de legislar unilateralmente (poder de

emitir decretos) como o de definir a agenda legislativa (poder de definição da agenda), como a declaração de caráter de “urgência” da legislação, o que sugere um prazo reduzido para o Congresso tomar providências.

bMédias ponderadas.

Nota: As variáveis do Poder Legislativo são normalizadas em uma escala de 0 a 1 com base no intervalo de pontuações possíveis para cada variável.

Fonte: PNUD (2005).

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Nicarágua, Paraguai, Costa Rica e Bolívia.33Embora poderes legislativos significativos dêem

ao presidente importantes instrumentos para negociar e definir a agenda legislativa, nor- malmente não substituem a necessidade de apoio adequado dos partidos. Decretos podem ser derrubados, iniciativas legislativas “urgentes” podem ser derrotadas e vetos podem ser anulados. Assim, fatores relativos ao partido e ao sistema eleitoral também são cruciais na determinação do papel da legislatura e da natureza das relações entre os poderes Executivo e Legislativo.

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