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A reforma das políticas e a influência dos sindicatos

No documento BID APolíticadasPolíticasPúblicas (páginas 122-126)

Conforme observado, a influência dos sindicatos latino-americanos sobre as políticas redu- ziu-se com a mudança das preferências de políticas dos partidos trabalhistas e com a dimi- nuição do número de eleitores sindicalizados. A liberalização econômica reduziu o emprego nos setores altamente protegidos pelos sindicatos, ao passo que aumentou a exposição ao comércio internacional. Isso prejudicou o poder de negociação dos sindicatos. O enxuga- mento da folha de pagamento do Estado e, principalmente, a privatização corroeram o em- prego no setor público altamente sindicalizado, ao mesmo tempo em que deixaram os executivos das empresas mais preocupados com o impacto dos custos trabalhistas sobre a

lucratividade e a competitividade.19Por fim, um imenso setor informal (bem como o de-

semprego) reduziu ainda mais o conjunto de trabalhadores sindicalizados. Isso desgastou a importância dos trabalhadores formais como contingentes eleitorais e reduziu sua in-

fluência política.20

Em um contexto de reduções de filiações e poder, os sindicatos investiram seus parcos recursos na luta contra certos tipos de reformas: aquelas caracterizadas tanto por amplo al- cance como intensos custos para seus membros. O Quadro 5.5 apresenta uma classificação das reformas de políticas em termos de seu alcance e intensidade. O alcance das políticas de- pende da proporção de membros de sindicatos que é afetada pelos custos da reforma. Embo- ra a reforma da legislação trabalhista afete todos os membros de sindicatos, por exemplo, a privatização da companhia de telecomunicações gera custos apenas para os profissionais da telefonia, que podem perder seus empregos ou ficar expostos a maior concorrência. A inten-

sidade dos custos das políticas está condicionada à magnitude relativa dos interesses em jogo

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O emprego no setor público como parcela do emprego urbano sofreu redução de um terço na Argentina, em Honduras, no Panamá e no Peru, e de um quinto na Costa Rica e no Equador do final da década de 1980 até o final dos anos 1990 (OIT, 1999).

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O nível de desemprego aberto atingiu dois dígitos na Argentina, na Colômbia, no Panamá, no Uru- guai e na Venezuela até 1998. O setor informal respondeu por nada menos que 59% do emprego ur- bano no Equador, em 1998 (OIT, 1999).

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dos membros dos sindicatos ou da profundidade dos efeitos de cada mudança de política. Se os efeitos concentram-se nos membros, a intensidade do custo das políticas é elevada. Seria esse o caso se os membros corressem risco de perda de emprego, seja em função de uma polí- tica abrangente, como a reforma das leis trabalhistas, seja por causa de uma política restrita, como a privatização das telecomunicações. Em contrapartida, se os efeitos são difusos, os membros arcam com um custo mais limitado, logo a intensidade é mais baixa. Isso pode se aplicar com respeito a uma política restrita, como a regulamentação setorial dos serviços de utilidade pública, ou a uma política abrangente que se estenda a todos os setores da econo- mia, como a reforma tributária.

Em um contexto de declínio da influência política, os sindicatos têm maior tendência a investir seus recursos na resistência à adoção de políticas de amplo alcance, que tenham efeitos expressivos sobre seus membros (a porção sombreada do Quadro 5.5). Por exemplo, é maior a probabilidade de os sindicatos investirem seus recursos na oposição à reforma da legislação trabalhista, que é uma política de amplo alcance (afeta todos os membros sindica- lizados) e alta intensidade (afeta a estabilidade no emprego, remuneração, etc.).

O sucesso dos sindicatos em influir no processo de formulação de políticas depende também do custo do gorverno para fazer concessões em cada área de políticas, dos grupos beneficiários de cada reforma e da importância desses grupos para o governo. Consideremos o caso da reforma da legislação trabalhista. O custo de não reformar a legislação trabalhista recai principalmente sobre os empregadores (e talvez sobre os trabalhadores desemprega- dos, que carecem de representação política). Por outro lado, o custo de não privatizar pode ser diluído para todos os contribuintes, por meio do deficit fiscal, e para a maioria dos consu- midores, caso envolva a prestação de serviços. Portanto, é mais provável que os governos rendam-se às reivindicações dos sindicatos em relação à reforma da legislação trabalhista do que em relação à privatização. Isso faz com que os investimentos dos esforços políticos dos

sindicatos valham mais a pena em relação à reforma das leis trabalhistas.21Desse modo, são

maiores as chances de unificação dos movimentos sindicais para resistir à reforma das polí-

Quadro 5.5 Classificação das reformas de acordo com os efeitos sobre os sindicatos

Alcance

Efeitos Amplo Restrito

Intensidade dos custos

Alta Legislação trabalhista Privatização

Reforma dos setores sociais

Baixa Reforma tributária Desregulamentação de um determinado setor

Nota: A parte sombreada indica um efeito mais intenso sobre os sindicatos. Fonte: Murillo (2005b).

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Murillo e Schrank (2005).

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ticas trabalhistas do que à privatização, muito embora ambas acarretem custos concentra- dos em alguns grupos de trabalhadores.

Em realidade, as reformas trabalhistas ficaram para trás em relação a outras reformas de mercado na região, e aquelas que se concretizaram foram modestas. Outras evidências desse efeito são dadas por uma comparação de reformas com leis trabalhistas selecionadas e legis- lação trabalhista coletiva de 1985 a 2000, quando as reformas de mercado alastraram-se pela região. As diferentes leis trabalhistas regem as condições de trabalho, como a jornada de tra- balho, a remuneração e a rescisão, ao passo que a legislação trabalhista coletiva trata dos di- reitos relativos às organizações de trabalhadores, como a sindicalização, o dissídio coletivo e o direito à greve. No período compreendido entre 1985 e 2000, dez das 16 reformas da le- gislação trabalhista na América Latina tenderam a reduzir a abrangência das regulamenta- ções (desregulamentação), ao passo que 13 das 18 modificações das leis trabalhistas coleti-

vas tiveram viés regulamentar.22Assim, embora a tendência tenha sido a de adotar leis tra-

balhistas menos estritas (prejudicando com isso os membros dos sindicatos), as leis traba- lhistas coletivas foram reformadas de modo a incrementar os direitos de livre associação dos trabalhadores. Essa diferença na orientação da reforma das leis trabalhistas evidencia o fato de que, embora a legislação trabalhista coletiva afete somente os trabalhadores sindicaliza- dos, as leis trabalhistas individuais abrangem todos os trabalhadores do setor formal: ou seja, também contempla os membros em potencial. Em conseqüência, o movimento sindi- cal obtém resultados mais favoráveis das reformas devido à maior capacidade de ação coleti- va com relação às leis coletivas de trabalho.

O êxito dos trabalhadores na efetivação de reformas em prol da classe ressalta os meca- nismos pelos quais podem exercer influência sobre o processo de formulação de políticas. Os partidos de governo apoiados pelos trabalhadores que estão implementando reformas econômicas voltadas para o mercado propuseram reformas trabalhistas de cunho regula- mentar (preferidas pelos trabalhadores), em troca de seu apoio para as reformas de política econômica. Trocas desse tipo influenciaram as reformas regulamentares das leis trabalhistas coletivas, bem como as exceções à tendência de desregulamentação na lei trabalhista indi- vidual. Essas trocas ocorreram majoritariamente em países com fortes movimentos sindica- is, que haviam se desenvolvido, principalmente, durante o período de industrialização por

substituição de importações.23

Entrementes, os trabalhadores aliaram-se não apenas a parceiros tradicionais — parti- dos trabalhistas —, mas a novos parceiros: atores transnacionais, como consumidores nos Estados Unidos e outros países preocupados com práticas trabalhistas justas e que podem exigir sanções comerciais contra países que restringem os direitos dos trabalhadores.

As alianças do movimento sindical com defensores transnacionais dos trabalhadores explicam o sucesso de reformas de viés regulamentar das leis trabalhistas coletivas em que os movimentos da classe são fracos e não possuem fortes aliados no âmbito nacional, uma combinação que tende a ocorrer em países onde a industrialização baseada em substituição

de importações nunca se concretizou de fato.24

A influência dos sindicatos sobre as políticas de efeitos de alta intensidade com abran- gência mais limitada, como a privatização ou as reformas dos serviços sociais, baseia-se em alianças políticas de longo prazo dos sindicatos ou coalizões de curto prazo com grupos de

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Murillo (2005a); Murillo e Schrank (2005).

23Murillo (2005a). 24

Murillo e Schrank (2005).

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consumidores nacionais. Como os partidos trabalhistas gozam de maior credibilidade para a promoção da necessidade de tais políticas, os sindicatos podem aceitá-las em troca de con- cessões para remunerar os membros e seus líderes. Por exemplo, na Argentina, os sindicatos peronistas acataram as privatizações do presidente Menem em troca da distribuição de ações das empresas privatizadas para os trabalhadores e da aquisição de ativos privatizados pelos sindicatos. No México, o sindicato dos professores tirou proveito de sua relação com o governo para reivindicar a criação de um pacote completo de benefícios salariais e de carrei- ra para a categoria, em troca da aceitação da descentralização da educação. Ainda no Méxi- co, os profissionais da área de telecomunicações obtiveram participação subsidiada na ven-

da da companhia de telecomunicações estatal, a Telmex, em troca do apoio à privatização.25

Em contraste, quando os governos uruguaios, que não tinham ligações com o movimento sindical, tentaram privatizar a estatal de telecomunicações, os sindicatos aliaram-se aos consumidores e ao principal partido de oposição para impedir a implementação da reforma, que foi derrubada pelo Congresso diante da certeza de rejeição em um plebiscito popular (ver o Capítulo 9, que trata da privatização e regulamentação dos serviços públicos). Em El Salvador, como os consumidores ficaram de fora da coalizão contra a privatização, a resis- tência dos trabalhadores não foi eficaz.

Além das ligações partidárias, os sindicatos também podem exercer influência sobre as políticas com base em sua capacidade de protestar ou de desequilibrar as relações tra- balhistas. Esse poder é mais forte em relação aos serviços públicos, que não estão expos- tos à concorrência econômica internacional e nos quais os empregadores estão sujeitos a pressões públicas dos consumidores como eleitores. Em decorrência disso, desde a déca- da de 1990, os trabalhadores do setor público ampliaram seu poder de negociação em re- lação aos trabalhadores da iniciativa privada, e os sindicatos do setor público torna- ram-se mais militantes. Ademais, por meio de sua falta de cooperação (ou mesmo resis- tência declarada), os trabalhadores do setor público podem barrar a efetiva implementa- ção das reformas dos serviços públicos, mesmo que não consigam impedir a adoção de tais reformas. Um exemplo disso é o caso da tentativa fracassada de privatização do Insti- tuto Costa-riquenho de Eletricidade (ICE). Embora o projeto de lei que autorizava a pri- vatização do ICE tivesse sido aprovado pelo Congresso (com maioria avassaladora) no início de 2000, a oposição maciça à privatização empreendida por uma ampla coalizão de grupos sociais mobilizados pelos sindicatos levou o governo a retirar a legislação logo em seguida, antes que a implementação ocorresse. Foi formada uma nova comissão le- gislativa, com forte representação daqueles que seriam afetados pela privatização do ICE, para estudar a questão mais a fundo.

Em muitos casos, as manifestações do setor público são estratégias defensivas para pro- testar contra o atraso no pagamento de salários ou a redução dos salários, em vez de esforços para influenciar o processo de formulação de políticas. Assim, é importante estabelecer uma diferença entre estratégias defensivas, que tendem a envolver militância, da influência no processo de formulação de políticas que, muitas vezes, não requer mais do que a ameaça de ações de protesto. Mas nem sempre os sindicatos adotaram posição contrária às reformas. A modernização do emprego público no Chile foi um esforço conjunto do governo e da ANEF (Agrupación Nacional de Empleados Fiscales), que assinou um acordo sobre as novas condi- ções de trabalho que posteriormente entrou em vigor como lei.

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Murillo (1999).

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