• Nenhum resultado encontrado

Os meios de comunicação e o processo de formulação de políticas

No documento BID APolíticadasPolíticasPúblicas (páginas 114-116)

Elaboração de políticas (definição da agenda do governo). Nessa fase, identifi-

cam-se os assuntos que requerem atenção e se estabelecem as prioridades. Os meios de co-

7 Altheide (1996); Bennett (2003). 8 Bresser-Pereira (2003). 9 Swanson (2004). 10

Ver Freedom House (2004).

© Banco Interamericano de

Desenvolvimento

. Todos os direitos reservados

.

municação trazem à baila questões que os legisladores não haviam estudado ou não haviam considerado urgentes. Essa função de definição da agenda às vezes pode ser poderosa. Na verdade, os políticos observam a imprensa como uma espécie de “suplente da agenda públi-

ca”, principalmente na ausência de pesquisas de opinião.11

A cobertura de questões ou acontecimentos relativos a políticas é caracterizada por uma atenção intensa, seguida de períodos de fraco interesse. A atenção dos meios de comunica- ção pode ser desviada ou canalizada por uma série de fatores, como os pseudo-eventos de gerenciamento de notícias realizados por políticos e outros formadores de opinião, os vaza- mentos propositais e os interesses pessoais e profissionais dos proprietários dos veículos de comunicação e dos jornalistas. Escândalos ou questões de política que irrompem subita- mente, como as manifestações de rua, recebem cobertura de destaque, ao passo que proble- mas técnicos, crescentes ou crônicos, como a pobreza, em geral são ignorados, a menos que possam ser personalizados ou dramatizados. O resultado dessa tendência ao sensacionalis- mo e à falta de profissionalismo na investigação e apresentação das notícias é induzir os le- gisladores a erro, desviando sua atenção dos problemas mais prementes, ou atraindo-a para problemas que não a merecem.

Formulação de políticas. Nessa fase, as escolhas se reduzem e são tomadas decisões sobre

as especificidades das políticas. É o momento em que os meios de comunicação surtem dois efeitos principais. Primeiro, como os veículos de comunicação tendem a retratar os aconte- cimentos ou questões em função de crises, a cobertura jornalística induz os elaboradores de políticas a agir com rapidez e de forma ostensiva e a tomar medidas simbólicas, em vez de trabalhar em soluções de longo prazo. Essa pressão tem enorme força quando a cobertura é negativa, caso da maioria dos noticiários sobre políticas. Por exemplo, quando a inflação na Argentina disparou e irromperam protestos, os noticiários exigiam que as autoridades “fi- zessem alguma coisa”, mas não especificavam o que devia ser feito.

Segundo, os veículos de comunicação influenciam a formação de políticas por meio dos enquadramentos usados para estruturar as matérias jornalísticas. Os jornalistas organi- zam as matérias, mesmo as mais simples, dentro de um quadro interpretativo que, por se concentrar em alguns aspectos como “noticiáveis” e não em outros, confere legitimidade a certos atores, propostas de políticas e visão de mundo. Podem também impedir que certas opções penetrem na consciência da população.

Os formuladores de políticas podem tentar modelar ou remodelar eles próprios uma questão. No Uruguai, por exemplo, os formuladores de políticas tentaram apresentar a re- forma administrativa de forma que ecoasse junto a uma cultura política nacional que valo- riza o papel do Estado na economia. Conseqüentemente, adotaram uma estratégia comedi- da a fim de evitar amplos debates. Também diluíram a reforma em um grande projeto de lei orçamentária e descentralizaram sua implementação, em uma tentativa bem-sucedida de evitar o escrutínio da imprensa.

Adoção das políticas. A função da mídia informativa durante essa fase depende do volu-

me de atenção dos meios de comunicação. Quando a cobertura é modesta, a reforma pode ser paralisada por falta de urgência. Contudo, longe do olhar público, os legisladores têm maior margem para negociar, ou promover interesses específicos, ou até extrair vantagens pessoais. Por outro lado, uma cobertura mais abrangente pode encorajar o debate público e

11

Pritchard (1992).

© Banco Interamericano de

Desenvolvimento

. Todos os direitos reservados

.

as deliberações. O acompanhamento feito pela imprensa pode elevar os custos da conduta dos legisladores em proveito próprio ou de um grupo favorecido às custas do bem-estar pú- blico. Em geral, os veículos de comunicação têm menos interesse na cobertura da fase de adoção, a menos que algum aspecto satisfaça às necessidades narrativas de dramatização e personalização das matérias.

A imprensa pode exercer influência direta sobre o processo de adoção de políticas, atuando como grupo de interesse, defendendo ou opondo-se a certas políticas, especial- mente quando elas afetam diretamente o mercado ou os interesses profissionais dos meios de comunicação, como a reforma das telecomunicações ou questões relativas à profissão de jornalista. No México, por exemplo, o lobby das associações de proprietários de veículos de comunicação e de grandes redes comerciais frustrou as tentativas de abertura do processo de concessão de rádio e televisão para ampliar a concorrência. Em contraste, grandes jornais do México uniram forças com especialistas acadêmicos para escrever e fazer lobby de sua própria versão de uma lei para a concessão de maior acesso a informações do governo.

Implementação das políticas. A cobertura das notícias geralmente é esporádica nessa

fase. Quando ocorre, tende a concentrar-se em políticas de alto impacto que podem se frag- mentar em incidentes isolados ou em algumas histórias interligadas, personalizadas por meio da caracterização de vilões, vítimas ou heróis, dramatizadas em termos de conflitos ou de transgressão da moral.

A imprensa ocasionalmente assume o papel de guardiã. A cobertura da corrupção no se- tor público teve um aumento pronunciado na América Latina após o retorno da democra- cia. Esse tipo de controle dos meios de comunicação torna as transgressões mais onerosas e ajuda a estabelecer canais de responsabilização. As denúncias da imprensa podem animar a legislatura e os tribunais, mas mesmo quando não cumprem esse papel podem impor danos à carreira de uma autoridade corrupta a ponto de aplacar o entusiasmo pela extorsão e o trá- fico de influência.

Os escândalos alimentados pela imprensa foram a causa de numerosas crises presiden- ciais nos últimos dez anos em toda a região (ver a análise dos movimentos sociais neste capí- tulo). Vários desses incidentes desenrolaram-se tendo como pano de fundo pressões relati- vas a crises econômicas e à implementação de políticas impopulares de ajuste estrutural. A eclosão da corrupção do governo em escândalos divulgados pelos meios de comunicação re- presentou um novo fator no processo de formulação de políticas. Os escândalos levaram às ruas os que mais sofriam em decorrência de dificuldades econômicas e políticas de ajuste es- trutural e encorajaram os oponentes a tentar derrubar presidentes e, com eles, suas políti- cas. Em alguns casos, a mídia exerceu influência na legitimação e até na mobilização dos manifestantes.

No documento BID APolíticadasPolíticasPúblicas (páginas 114-116)