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A formação da equipe de governo

No documento BID APolíticadasPolíticasPúblicas (páginas 78-81)

A forma com que os presidentes usam seu poder para nomear e exonerar membros da equi- pe de governo pode ter efeitos significativos sobre sua capacidade de angariar apoio legisla- tivo suficiente para promulgar políticas e sobre a estabilidade e eficácia da formulação de políticas do governo. 4 Martínez-Gallardo (2005b). 5 Oszlak (2003). 6 Martínez-Gallardo (2005b).

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As nomeações para a equipe de governo podem servir para assegurar apoio político, visto que proporcionam aos partidos políticos como um todo, e aos políticos individual- mente, um instrumento para influir sobre as políticas públicas num grau que não é possí- vel por meio de posições na legislatura. Os postos na equipe de governo podem dar a parti- dos e a políticos controle sobre importantes áreas de política pública e recursos orçamen- tários que podem ser usados para fins políticos. No entanto, os incentivos à sustentação de coalizões interpartidárias e à adesão de legisladores da coalizão à orientação do governo tendem a ser mais fracos nos sistemas presidencialistas do que nos regimes parlamentaris- tas. Isso se deve ao fato de o chefe de governo e os legisladores serem eleitos separadamen- te e seus mandatos serem fixos; logo, sua sobrevivência no cargo não depende da manu- tenção do apoio majoritário ao governo.

Ao escolher quem fará parte de suas equipes, o presidente precisa alcançar um equilí- brio entre os objetivos de manter o apoio político e os de assegurar que as pessoas nomeadas tenham experiência suficiente em suas respectivas áreas e adotem políticas de razoável coe- rência com a linha de pensamento do presidente, além de que sejam capazes de trabalhar juntas de modo relativamente bem coordenado. As duas últimas preocupações possuem re- levância especial quando indivíduos de diferentes partidos são nomeados com vistas à for- mação de governos de coalizão. O caso da Bolívia, analisado no Boxe 4.1, ilustra como as nomeações para a equipe de governo são usadas para sustentar as coalizões de governo.

As competências dos integrantes da equipe como especialistas em suas áreas, gerentes e defensores das políticas do governo costumam ter um efeito

importante sobre as características dos resultados das políti- cas. Na medida em que os membros do gabinete são selecio- nados meramente com base em sua fidelidade pessoal ao presidente, ou em função de suas conexões partidárias polí- ticas, sua capacidade de projetar políticas sólidas e gerenciar seus órgãos burocráticos com eficiência fica prejudicada. Mas, como a formulação de políticas não se limita ao aspec- to técnico, e as aptidões políticas e gerenciais contribuem para a eficácia de um ministro, pode ser mais adequado ba- sear a seleção em critérios abrangentes de competência, não apenas na formação restrita à esfera de política específica do ministério.

A burocracia

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A burocracia é um dos pilares institucionais para o eficiente funcionamento do sistema de- mocrático e para a aplicação do Estado de direito. A burocracia é mais do que um repertório de recursos humanos, um aparato organizacional ou um sistema empregatício. Ela é, de fato, um conjunto articulado de regras e parâmetros operacionais que regem o Poder Execu- tivo com o intuito de imprimir continuidade, coerência e relevância às políticas públicas, ao mesmo tempo em que assegura o exercício imparcial, objetivo e não-arbitrário da autorida- de pública. A burocracia é um ator essencial para o estímulo a acordos intertemporais, so- bretudo ao desempenhar o papel importante de levar tais acordos à prática. Uma burocracia imparcial e profissional limita a possibilidade de adoção de políticas oportunistas e aumen-

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Esta seção baseia-se em Zuvanic e Iacoviello (2005).

A burocracia cumpre pa- péis variados e contraditó- rios no processo de formu- lação de políticas, depen- dendo de sua função pri- mordial — a de um ator imparcial e profissional ou a de um recurso priva- do dos partidos políticos ou dos servidores públicos.

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Boxe 4.1 Uso de nomeações ministeriais para a consolidação de coalizões: o caso da Bolívia

O processo de formação de governo na Bolívia é único na região. Se nenhum candidato presidencial ganha com maioria dos votos, o Congresso elege como presidente um dos dois candidatos com maior votação (antes da reforma eleitoral em 1995, era um dos três primeiros), como nos sistemas parlamentaristas. Esse sistema de eleição indireta para presidente, no contexto de um sistema partidário fragmentado, estimulou a formação de coalizões e constantes negociações entre os partidos (e, às vezes, entre facções inter- nas dos partidos). Todos esses acordos animam os principais partidos a procurar fazer pactos com possíveis parceiros de coalizão. As negociações normalmente incluem deci- sões relativas aos nomes para a equipe de governo. Os cargos da equipe são tradicional- mente usados como moeda de troca para a manutenção das coalizões.

Com a diminuição da parcela de cadeiras da legislatura controladas pelo partido do candidato presidencial vencedor, o número de ministérios oferecidos a outros partidos aumentou. Por exemplo, em seu primeiro mandato, o Presidente Sánchez de Lozada ofereceu apenas dois ministérios a outros partidos depois de sua vitória por maioria na Câmara alta e por quase maioria na Câmara baixa. No segundo mandato, quando seu partido ganhou menos da metade das cadeiras da Câmara alta e menos de um terço das vagas na Câmara baixa, ele ofereceu sete ministérios a outros partidos.

Tendo em vista que o número de ministérios não é fixado pela Constituição, os presidentes também alteraram o número de ministérios de modo a criar espaço para outros partidos na equipe de governo, mantendo a maioria dos cargos. Desde a tran- sição para a democracia, estabeleceu-se uma correlação negativa entre a parcela de vagas legislativas controladas pelo partido do presidente e o número total de ministé- rios. Durante a presidência de Paz Zamora, o partido governista obteve menos de um terço das cadeiras nas duas casas, e o número de ministérios oscilou entre 16 e 17. Sánchez de Lozada reduziu o número de ministérios de 16 para 11 em seu primeiro mandato. No governo seguinte, de Bánzer/Quiroga, em que a coalizão do governo foi formada por quatro partidos (reduzida para três, posteriormente), o número de minis- térios aumentou gradualmente para 16. Na segunda administração de Sánchez de Lozada, também sustentada por uma coalizão de quatro partidos, o número de minis- térios cresceu ainda mais: saltou para 19.

Presidentes, apoio legislativo e ministros na Bolívia desde 1989

Presidente Período Partido

Participação do partido na Câmara baixa Participação do partido na Câmara alta

Coalizão Número de ministériosa Número de partidos da coalizão Participação na Câmara baixa Participação na Câmara alta Total de minis- térios Outros partidos Indepen- dentes

J. Paz Zamora 1989–1993 MIR 25,4 29,6 2 54,6 59,3 16,3 — — G. S. de Lozada 1993–1997 MNR 40,0 63,0 2 60,8 66,7 11,6 2,0 1,5 H. Bánzer Suárez 1997–2001 ADN 25,4 40,7 3,3 66,0 74,8 15,0 6,4 0,6 J. Quiroga 2001–2002 ADN 25,4 40,7 3 60,8 70,4 16,0 4,0 3,0 G. S. de Lozada 2002–2003 MNR 28,0 40,7 4 56,1 63,0 19,0 7,0 1,0 aMédia durante o período.

— não disponível.

Nota: Os números não-inteiros indicam mudança durante o período. O número de ministérios e suas filiações é aproximado, dadas as mudanças freqüentes que ocorreram em anos específicos. Esse número é usado apenas para fins ilustrativos.

Fonte: Compilação dos autores.

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ta a confiança dos atores na observância dos compromissos assumidos como parte dos acor- dos de políticas.

A América Latina tem sido tradicionalmente encarada como uma região com Estados extensos mas fracos, com pouca capacidade de responder às necessidades dos cidadãos. His- toricamente, muito dessa fraqueza está associada à ausência de uma burocracia estável e profissional. A burocracia é considerada um sistema empregatício ou um recurso nas mãos dos políticos e dos interesses das empresas e, por conseguinte, muito longe do modelo we- beriano ideal, caracterizado por procedimentos padronizados e impessoais e decisões em- pregatícias baseadas no mérito e em qualificações técnicas.

A fraqueza da burocracia contribuiu para a debilidade do Executivo nos países lati- no-americanos, em particular em suas relações com outros atores políticos e interesses orga- nizados. A debilidade da burocracia tem sido uma causa da ineficácia das políticas de desen- volvimento na região, que historicamente têm o Estado como um ator importante. Isso contrasta acentuadamente com a experiência de desenvolvimento dos “Tigres Asiáticos”, em que um Estado forte e autônomo, respaldado por uma burocracia altamente profissional e meritocrática, é considerado um fator fundamental para seu sucesso. Os países do Sudeste Asiático ocupam posição bem mais elevada em termos de indicadores comparativos de qua- lidade da burocracia, mesmo em relação aos países mais adiantados da América Latina.

A despeito de sua função de fundamento institucional do Estado de direito, a burocra- cia ocupa posição de subordinação ao governo no sistema constitucional. Do ponto de vista jurídico, a burocracia não é um agente autônomo e responsável pelo sistema político, mas um componente do Poder Executivo, responsável perante o governo.

A transição dos regimes autoritários para os regimes democráticos esteve associada a uma certa tendência a ampliar a subordinação da burocracia ao controle político. Em mui- tos casos, isso levou a uma reversão a práticas clientelistas. Essa situação pode surgir da ne- cessidade de uso do emprego público como um recurso para recompensar os membros do partido vencedor com empregos (o chamado “spoils system”, ou “sistema de espólios”) e da necessidade de reduzir a autonomia técnica que os representantes da burocracia fre- qüentemente conseguem em certos setores, o que restringe a margem de ação política do governo. Do ponto de vista histórico, a democracia tem-se mostrado lenta para superar esse dilema.

A burocracia exerce papéis variados e contraditórios no processo de formulação de polí- ticas, dependendo de quão próxima está do ideal de imparcialidade e profissionalismo que garante estabilidade, adaptabilidade e interesse público das políticas, ou do fato de funcio- nar primordialmente como um recurso privado: seja dos partidos políticos que a usam para obter votos, seja dos funcionários públicos que defendem seus próprios interesses enquanto estão protegidos pela estabilidade do emprego. A intensidade com que a burocracia preen- che uma ou outra função afeta algumas das características das políticas públicas.

No documento BID APolíticadasPolíticasPúblicas (páginas 78-81)