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Características-chave das políticas públicas

No documento BID APolíticadasPolíticasPúblicas (páginas 144-148)

Normalmente, a literatura econômica política preocupa-se com o conteúdo das políticas públi- cas: se as exportações serão subsidiadas ou tributadas, quais setores obterão mais ou menos proteção, quem se beneficia e quem paga pela redistribuição de renda, e assim por diante. Este estudo, em vez disso, centra-se em algumas características-chave das políticas públicas:

— Estabilidade — em que medida as políticas são estáveis ao longo do tempo.

— Adaptabilidade — em que medida as políticas podem ser ajustadas quando fa-

lham ou quando as circunstâncias mudam.

— Coerência e coordenação — em que grau as políticas são compatíveis com outras

políticas afins e resultam de ações bem coordenadas entre os atores que participam de sua formulação e implementação.

— Qualidade da implementação e da aplicação efetiva.

— Consideração do interesse público — em que grau as políticas atendem ao inte-

resse público.

— Eficiência — em que medida as políticas refletem uma alocação de recursos escas-

sos que assegure retornos sociais elevados.

Há uma série de razões para que este estudo focalize esses aspectos-chave. Primeiro, na perspectiva do desenvolvimento, eles são tão importantes quanto o conteúdo das políticas em si, como ingredientes para o desenvolvimento econômico.

Segundo, em muitos casos, a ligação entre o conteúdo das políticas e a natureza do pro- cesso de formulação de políticas é bastante tênue. Considere-se o caso em que dois partidos com preferências muito diferentes alternem-se no poder, num sistema político que produza maioria para o presidente no Congresso e poucos incentivos para a cooperação entre os par- tidos. Em tal cenário, o conteúdo das políticas pode mudar constantemente (de baixa prote- ção para alta proteção, de mercados de capital abertos a controle de capital, da captura das agências reguladoras à expropriação de ativos privatizados). Em contraste, uma característi- ca importante das políticas públicas tenderá, ironicamente, a persistir: a instabilidade.

Terceiro, de um ponto de vista analítico, essas variáveis podem ser usadas em diversos domínios de políticas, gerando assim mais “dados” e permitindo uma comparação mais precisa entre os processos de formulação de políticas e seus resultados.

A seguir, são descritas cada uma dessas características-chave das políticas públicas. Elas constituem as variáveis dependentes no quadro conceitual deste relatório, ou seja, os aspec- tos das políticas públicas que este estudo procura explicar. Além de discutir sua relevância, o estudo tenta medir esses aspectos nos vários países, usando para isso índices desenvolvidos a partir de duas fontes de dados principais. A primeira é o Relatório de Competitividade Glo- bal (Global Competitiveness Report — GCR) do Fórum Econômico Mundial (World Economic Forum), baseado em pesquisa de opinião de executivos, que abrange mais de 100 países e

tem sido publicado anualmente desde 1996.1A segunda é uma pesquisa de opinião condu-

1

Uma desvantagem dos dados do Relatório de Competitividade Global é que eles são subjetivos e tendem a ser afetados pelo ciclo macroeconômico. Quando a economia do país vai mal, seus executi- vos tendem a avaliá-lo mal em todas as variáveis. Isso é compensado, em certa medida, pelo procedi- mento de fazer a média dos índices de todos os anos disponíveis. Ainda assim, esse fator pode afetar negativamente países que, como a Argentina, enfrentaram um desempenho econômico ruim duran- te a maior parte do período para o qual há disponibilidade de dados do relatório.

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zida para este relatório e inspirada essencialmente na obra de Kent Weaver e Bert Rockman sobre capacidades adminis-

trativas e institucionais (State capabilities).2Essa pesquisa so-

bre capacidades do Estado — State Capabilities (SC) Survey — consultou mais de 150 especialistas em 18 países lati- no-americanos, incluindo analistas de políticas públicas, economistas, cientistas políticos e ex-formuladores de polí- ticas (entre eles alguns ex-presidentes), quanto às capacida- des do Estado numa série de dimensões identificadas como cruciais por Weaver e Rockman (ver Boxe 6.1).

Embora cada uma dessas fontes de dados apresente de- ficiências importantes e nenhuma esteja livre de erros de medição, combinadas elas oferecem uma boa idéia das ca- racterísticas das políticas públicas em diferentes países da

região. Antes de discutir cada um dos aspectos relevantes das políticas públicas em mais de- talhes, porém, é preciso fazer algumas ressalvas. Primeiro, as pessoas que responderam à pesquisa de capacidades do Estado receberam a orientação explícita de basear suas respostas não no desempenho das políticas públicas da administração atual, mas no desempenho nas

duas últimas décadas, ou desde o retorno do país ao regime democrático.3Assim, a posição

dos diferentes países de acordo com os índices não reflete necessariamente a qualidade das políticas nas administrações atuais.

Segundo, o objetivo da medição desses aspectos das políticas públicas não é especificar se este ou aquele país está fazendo as coisas “certas” ou “erradas”, mas usar as informações como um ingrediente importante para estabelecer ligações com as variáveis institucionais apresen- tadas nos capítulos 3 a 5. De acordo com esse objetivo, em vez de apresentar as pontuações efetivas dos países em cada índice, este relatório agrupa os países, em cada dimensão, em três

categorias diferentes (“baixo”, “médio” ou “alto”, dependendo do valor do índice).4

Estabilidade

Alguns países parecem capazes de manter a maioria das políticas públicas ao longo do tem- po. Em outros países, as políticas são com freqüência revertidas, muitas vezes a cada peque- na mudança nos ventos políticos (seja mudança na administração, ou mesmo mudança de algum membro importante do governo ou burocrata sênior). Ter políticas estáveis não sig- nifica que as políticas não possam sofrer alterações, mas que as alterações tendem a respon- der a mudanças nas condições econômicas ou ao fracasso de políticas anteriores, não a mu- danças políticas. Em países com políticas públicas estáveis, as mudanças tendem a ser grada- tivas, a aproveitar as realizações de administrações anteriores e a ser alcançadas através de

As características-chave

das políticas, como sua es- tabilidade ou a qualidade

de sua implementação,

são tão importantes quan- to o conteúdo específico dessas políticas como in- gredientes para o desen- volvimento econômico.

2

Weaver e Rockman (1993).

3

Em alguns poucos casos, pediu-se que os entrevistados focalizassem períodos mais específicos: antes e depois da Constituição de 1991, no caso da Colômbia; antes e depois do final do governo unificado do Partido Revolucionario Institucional (PRI), no México (1997); antes e depois da queda do regime Stroessner (1989), no Paraguai; e antes e depois da introdução de eleições populares para governado- res, na Venezuela (1988). Nesta seção, os valores para cada um desses países reflete o seu desempenho no período posterior (“depois”). As mudanças nesses aspectos das políticas públicas dentro dos países são discutidas no Capítulo 7.

4

A metodologia usada para agrupar os países nas diferentes categorias é explicada detalhadamente no Apêndice.

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Boxe 6.1 Capacidades do Estado

Um Estado precisa ter determinadas capacidades para desempenhar certas funções essenciais. Ele deve ter a capacidade de manter a estabilidade macroeconômica e de assegurar o crescimento econômico; de conferir credibilidade a promessas de longo prazo e de implementar e aplicar políticas ao longo do tempo; e de assegurar que as políticas públicas não se tornem vítima de interesses especiais. Uma lista particular- mente boa de capacidades do Estado foi formulada por Kent Weaver e Bert Rockman1 em relação a dez tarefas:

1. Definir e manter prioridades entre as muitas demandas conflitantes. 2. Direcionar recursos para onde eles sejam mais eficazes.

3. Inovar quando as políticas existentes tiverem falhado. 4. Coordenar objetivos conflitantes num todo coerente. 5. Ser capaz de impor perdas a grupos poderosos.

6. Representar interesses difusos e desorganizados além daqueles que são con- centrados e bem organizados.

7. Assegurar a implementação efetiva das políticas governamentais uma vez que elas tenham sido decididas.

8. Assegurar a estabilidade das políticas para que elas tenham tempo para surtir efeito.

9. Assumir e manter compromissos internacionais nas áreas de comércio e defesa nacional para assegurar o bem-estar duradouro do Estado.

10.Administrar cisões políticas para que a sociedade não degenere em guerra civil. Essas capacidades do Estado associam-se estreitamente às características- chave das políticas públicas discutidas neste capítulo. A pesquisa de capacidades do Estado usada neste estudo acrescentou alguns itens a essa lista:

11.Assegurar a adaptabilidade das políticas quando as mudanças das circunstân- cias o exigirem.

12.Assegurar coerência entre diferentes âmbitos de políticas, para que as novas po- líticas sejam compatíveis com as já existentes.

13.Assegurar uma coordenação eficiente das políticas entre os diferentes atores que operam num mesmo âmbito de políticas.

1Weaver e Rockman (1993).

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consenso. Em contraste, ambientes de políticas públicas voláteis são caracterizados por grandes guinadas e por falta de consulta aos diferentes grupos da sociedade. Como foi discu- tido no Capítulo 2, este estudo associa a estabilidade das políticas públicas à capacidade dos atores políticos de alcançar e aplicar acordos intertemporais que possibilitem que certas po- líticas fundamentais (políticas de Estado) sejam preservadas, independentemente da duração dos mandatos de governantes ou de coalizões específicas. Assim, a noção de estabilidade das políticas públicas está estreitamente relacionada à noção de credibilidade das políticas dis-

cutida no Capítulo 2.5

A medida de estabilidade de políticas públicas deste estudo apóia-se tanto no Relatório de Competitividade Global derivado da consulta a líderes empresariais como na pesquisa sobre capacidades do Estado. Além disso, é usada uma variável sobre volatilidade de políti- cas públicas com base no índice de liberdade econômica de Fraser. Esse índice, que tem sido publicado regularmente desde 1974 pelo Fraser Institute, mede o grau em que as políticas e instituições dos países contribuem para a liberdade econômica (incluindo dimensões como o tamanho do governo, a proteção dos direitos de propriedade e a liberdade de mercado). Dado o enfoque à estabilidade de políticas, este estudo não está interessado no nível de li- berdade econômica medido pelo índice, mas na volatilidade do índice. Há seis componen- tes do índice de estabilidade de políticas públicas:

1. O desvio padrão do índice de liberdade econômica de Fraser para o país.6

2. O grau em que mudanças jurídicas ou políticas prejudicaram a capacidade de plane- jamento das empresas (do Relatório de Competitividade Global).

3. O grau em que novos governos honram os compromissos e obrigações contratuais de regimes anteriores (do Relatório de Competitividade Global).

4. A capacidade do Estado de definir e manter prioridades entre objetivos conflitantes (da pesquisa de capacidades do Estado).

5. O grau em que os governos asseguram a estabilidade das políticas (da pesquisa de ca- pacidades do Estado).

6. O grau em que o Estado assume e mantém compromissos internacionais (da pesqui- sa de capacidades do Estado).

Todas as variáveis incluídas no índice de estabilidade de políticas foram normalizadas para variar na mesma escala (de 1 a 4, com 4 indicando maior estabilidade), e cada uma de- las recebeu um peso similar. Com base no índice resultante, técnicas de análise de cluster fo- ram aplicadas para agrupar países em diferentes categorias nessa dimensão de políticas pú-

blicas.7Os agrupamentos de países para a dimensão de estabilidade, como para as outras di-

mensões discutidas nas páginas a seguir, são apresentados no Quadro 6.1.

5

Esta noção de estabilidade de políticas públicas está também estreitamente relacionada à noção de determinação em Cox e McCubbins (2001), como apresentada no Boxe 2.2.

6

Na série de cada país foi realizada a remoção dos efeitos de dados cumulativos (detrend) antes do cál- culo do desvio padrão, para que países que tivessem se movido continuamente em direção a políticas de mercado mais (ou menos) livres, ao longo do período, não fossem caracterizados como tendo polí- ticas voláteis.

7

A análise de clusters é um método de classificação usado para dispor um conjunto de casos em gru- pos. O objetivo é estabelecer um conjunto de grupos de forma que os casos dentro de um grupo sejam mais semelhantes entre si do que aos casos de outros grupos. Para uma discussão mais detalhada so- bre o método usado, consultar o Apêndice.

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Adaptabilidade

É desejável que os países sejam capazes de adaptar as políticas públicas à mudança das condi- ções econômicas e alterar as políticas quando for evidente que elas não estão funcionando. No entanto, os governos às vezes abusam do poder de adaptar políticas, adotando políticas públicas oportunistas, unilaterais e mais próximas de suas próprias preferências ou das prefe- rências de seus eleitorados importantes. Isso pode resultar em volatilidade das políticas, com oscilações de um extremo a outro cada vez que diferentes grupos alternam-se no poder. Em ambientes políticos que não são cooperativos, os atores políticos com freqüência concordam em limitar tal oportunismo recorrendo a regras fixas para políticas que são difíceis de mudar, por exemplo, incorporando à Constituição certas políticas, como benefícios previdenciários ou transferências intergovernamentais. Isso limita a volatilidade das políticas públicas, mas ao custo de reduzir a adaptabilidade. Em outros casos, um sistema político gera bloqueios le- gislativos regulares, dificultando a ocorrência de mudanças. Qualquer que seja a razão, países com baixa adaptabilidade das políticas públicas serão incapazes de responder adequadamen- te a choques, ou podem ficar presos em políticas inadequadas por amplos períodos de tempo.

O índice de adaptabilidade de políticas deste estudo (ver as avaliações de países no Qua- dro 6.1) tem dois componentes, ambos derivados da pesquisa sobre capacidades do Estado. O primeiro investiga em que medida ocorre inovação quando as políticas públicas dos países fa- lham. O segundo indaga em que medida os governos asseguram a adaptabilidade das políti- cas. Dada a ausência de perguntas em pesquisas internacionais, como o Relatório de Competi- tividade Global, que sejam estreitamente relacionadas ao conceito de adaptabilidade de polí- ticas públicas, esta medida não é tão confiável quanto a que corresponde à estabilidade das políticas, nem como outros índices de políticas públicas discutidos neste capítulo.

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