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PARTE II: O SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

2.2 PRINCIPAIS INSTRUMENTOS

2.2.1 A convenção americana dos direitos humanos

Após a aprovação da Declaração Americana em 1948, até 1959, o tema de Direitos Humanos não seria tão debatido pelos Estados-membros da OEA, quando no V Encontro de Consulta dos Ministros de Relações Exteriores foi aprovada a

Resolução VII, que previu não somente a criação da Comissão Interamericana, mas

também se determinou ao Comitê Interamericano Jurídico, que elaborasse o esboço da Convenção Americana, levando em consideração as minutas apresentadas pelos Estados do Chile e do Uruguai, o que foi feito naquele mesmo ano.

A II Conferência Interamericana Extraordinária, que ocorreu no Rio de Janeiro, em 1965, aprovou Resolução determinando que o Conselho da OEA, submetesse aos Estados-membros, depois de revisado, o projeto elaborado pelo Comitê Interamericano Jurídico, intitulado “Convenção Interamericana de Direitos Humanos”, para apreciação e sugestões de emendas dentro de um prazo de três meses e, em seguida, convocasse Conferência Especializada para a sua aprovação, em conformidade com a Carta da OEA.

O Conselho da OEA, acatando a deliberação da Conferência, ocorrida no Rio de Janeiro, aprovou Resolução em maio de 1966, solicitando que a Comissão Interamericana se pronunciasse sobre o referido projeto, o que foi feito em duas partes: a primeira análise transmitida em novembro de 1966; e a segunda, em abril de 1967.

Em razão da aprovação dos dois Pactos Internacionais, que constituiriam a

Internacional Bill of Rights, a Conselho da OEA decidiu, em junho de 1967, formular

uma consulta aos Estados-membros acerca da possibilidade de coexistência dos novos instrumentos internacionais e uma “Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos”.

Em razão da maioria dos Estados-membros terem respondido de forma positiva à consulta formulada, o Conselho da OEA decidiu em maio de 1968, que a Comissão Interamericana apresentasse novo projeto, o que foi feito pela CIDH no seu 19º período de sessão em julho daquele mesmo ano.

Em outubro de 1968, o Conselho da OEA aprovou nova Resolução, abrindo prazo para manifestação dos Estados-membros sobre o projeto apresentado pela Comissão Interamericana, sob o título “Convenção Interamericana de Proteção aos

Direitos Humanos”465 e convocando a Conferência Especializada Interamericana

sobre Direitos Humanos, que se realizou entre os dias 7 e 11 de 1969, em San Jose na Costa Rica466.

O projeto da Convenção Interamericana estava estruturado em capítulos, sendo que o primeiro versava sobre os sujeitos da proteção; o segundo, direitos protegidos (direitos civis, políticos, econômicos e sociais); o terceiro, das normas de interpretação e aplicação do texto legal; o quarto, da ampliação da proteção, com a inclusão de novos direitos; o quinto era referente aos órgãos de proteção; o sexto para tratar de forma específica o procedimento perante a Comissão Interamericana; o sétimo, oitavo e nono, organização, competência e procedimento da Corte, respectivamente; o capítulo décimo tratava dos deveres, imunidades de despesas; o décimo-primeiro sobre as disposições transitórias; e o capítulo décimo-segundo sobre ratificação, reserva, denúncia e emendas.

Durante a Conferência Especializada, propriamente instalada em 08 de novembro, os trabalhos para apreciação do projeto de Convenção foram divididos em quatro Comissões, que trabalhariam os seguintes temas: (1) matéria de proteção, debatendo os sujeitos e direitos protegidos, normas de interpretação, aplicação e ampliação da proteção; (2) órgãos de proteção e disposições gerais; (3) credenciais, para representação das delegações junto à Conferência; e (4) estilo do texto final, cuja presidência ficou a cargo da Delegação brasileira.

Finalmente, em 1969, a Conferência Especial aprovou o texto intitulado, por sugestão da Guatemala em sessão plenária, “Convenção Americana de Direitos Humanos”, embora o mesmo Estado tivesse sugerido durante a consulta que antecedeu a Conferência Especializada que o texto fosse denominado de “Convenção Americana sobre Promoção e Proteção de Direitos Humanos”. O tratado também ficou conhecido como Pacto de San Jose da Costa Rica, por sugestão do Estado de Honduras, o qual passaria a ter vigência em 1978, com o 11º

465 Apresentaram observações previamente à Conferência Especializada os seguintes Estados-

membros, por ordem de apresentação: Uruguai, Chile, Argentina, República Dominicana, Estados Unidos, México, Equador, Guatemala, Brasil. E ainda a Organização Internacional do Trabalho.

466 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Conferência Especializada Interamericana

depósito de ratificação, em observância ao artigo 74 (2) da CADH467. Atualmente, a

Convenção Americana conta com 25 Estados-parte468.

A Convenção deveria ser, no plano teórico, a única referência legislativa dos órgãos que compõem o Sistema. Contudo, sabia-se que sua vigência tardaria a acontecer, o que motivou a constituição de sistema alternativo para os países que não tivessem ainda ratificado-a com a reformulação da Carta da OEA, por força do

Protocolo de Buenos Aires.

Para que um maior número de nações ratificasse a CADH, foi convencionado permitir que a sua adesão pudesse ser feita com reservas. Por conseguinte, países poderiam ratificar a Convenção Americana com restrições, caso algum dispositivo não estivesse em consonância com a legislação interna.

A CADH caracteriza-se por possuir um número elevado de dispositivos de proteção dos Direitos Humanos quando comparada à Convenção Europeia e à Carta Africana, que instituíram outros sistemas regionais. Todavia, a CADH guardou influência da Convenção Europeia de 1950, por prever uma estrutura semelhante, e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU, pois deu relevância aos direitos ditos individuais, embora consagre direitos não previstos em tal instrumento, como o direito de resposta.

A CADH, além de elencar os direitos substantivos, prevê meios de garantia e de proteção a esses direitos, com o estabelecimento de órgãos de promoção, de monitoramento e de controle dos Direitos Humanos para os países que a aderiram. Por conseguinte, os Estados-membros que tenham ratificado a Convenção ficam obrigados a observá-la, bem assim viabilizar a implementação das Decisões e das

Recomendações proferidas pelos órgãos que compõem o Sistema Interamericano.

No que se refere aos direitos econômicos, sociais e culturais, a Convenção Americana tão somente os prevê no seu artigo 26, onde determina que os Estados signatários adotem todas as medidas necessárias para garantir a implementação progressiva de tais direitos, obtendo auxílio de cooperadores internacionais, particularmente econômicos e técnicos, e de ações internas para tal finalidade469.

467 Cf. DAVIDSON, op. cit., p. 31.

468 Argentina, Barbados, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Dominica, Equador, El Salvador,

Granada, Guatemala, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Suriname, Trinidade & Tobago, Uruguai e Venezuela

469 Artigo 26: Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto em âmbito interno,

como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas econômicas, sociais e

A fim de fazer com que os Estados-membros viabilizem mecanismos internos de defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais, a CADH, em seu artigo 2º, estabelece que a adoção de previsões legislativas seja meios importantes para a sua proteção. Contudo, elas não bastam para assegurar o fiel cumprimento desses direitos, os Estados devem também se comprometer a realizar políticas públicas, ações governamentais, voltadas para os direitos econômicos, sociais e culturais470.

Com o Protocolo, a Carta da OEA passa a prever que o desenvolvimento dos Estados que compõem a OEA é de responsabilidade de cada país, devendo estes estabelecer um processo contínuo de “[...] criação de uma ordem econômica e social justa que permita a plena realização da pessoa humana e para isso contribua”471,

sendo ainda de responsabilidade solidária, a cooperação entre os Estados-membros para a realização deste desenvolvimento integral.

Ainda de acordo com a Carta da OEA, os Estados-membros devem viabilizar o progresso integral que abrange os campos econômicos, sociais, educacionais, culturais, científicos e tecnológicos, seja mediante cooperação bilateral, seja por organismos multilaterais que, por sua vez, possuem o papel de integrar os países americanos em torno do desenvolvimento, atribuindo-se especial atenção aos países de menor desenvolvimento.

2.2.1.1 Tipologia das obrigações

2.2.1.1.1 Dever de respeitar

As cláusulas gerais estão basicamente contidas nos artigos 1º e 2º da CADH, contendo assim os deveres ou obrigações gerais dos Estados signatários, os quais devem servir como diretrizes para o cumprimento dos direitos previstos em tal documento.

sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios apropriados.

470 Artigo 2º: Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1º ainda não estiver

garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

O artigo 1º da CADH contém claramente obrigações de respeito e de garantia:

Artigo 1º Obrigação de respeitar os direitos

(1) Os Estados Partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

(2) Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano.

Tal dispositivo foi pela primeira vez interpretado no comentado Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras, sendo que tal entendimento é mantido, atualmente, tanto pela Corte quanto pela Comissão.

O caso Velásquez Rodríguez refere-se ao desaparecimento forçado da vítima em Honduras, que era estudante universitário. Angel Manfredo Velásquez Rodríguez foi detido de forma arbitrária pelas Forças Armadas de Honduras em 1981, em plena vigência da ditadura militar e submetido a torturas, vindo a falecer. Diante do caso, a Corte passou a entender que a aplicação do artigo 1º (1) é essencial para verificar se houve ou não uma violação aos Direitos Humanos e, por conseguinte, à CADH, podendo tal responsabilidade ser atribuída o Estado denunciado pela ação ou omissão de qualquer autoridade pública, o que constitui um fato imputável ao Estado, nos termos previstos pela Convenção Americana472.

A obrigação de respeito aos direitos elencados na CADH deve orientar o exercício da função pública. Assim, os “[...] direitos humanos [...] não podem ser legitimamente desprezados pelo exercício do poder público”473. Em caso de órgão,

servidor público ou ente de caráter público lesar os direitos consagrados na Convenção Americana, se está diante de uma hipótese de violação à obrigação de respeito474, mesmo que sua ação ou omissão esteja ampara por regramento existente no ordenamento jurídico pátrio, na medida em que se trata de um princípio

472 “[...] menoscabo a los derechos humanos reconocidos en la Convención que pueda ser

atribuido[...]”. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras. Sentença de mérito, de 29 de julho de 1988, parágrafo 164.

473 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos,

Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras. Sentença de mérito, de 29 de julho de 1988, parágrafo 165.

474 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos,

Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras. Sentença de mérito, de 29 de julho de 1988, parágrafo 169.

de Direito Internacional, em que o Estado deve ser responsabilizado por atos dos seus representantes e entes ao violarem normas internacionais vigentes475.

Outrossim, havendo o cumprimento por agente ou servidor público do Estado de normas que manifestamente sejam contrárias ao teor da Convenção Americana, há responsabilidade internacional do Estado, bem assim se tal ato praticado constituir crime internacional, há de se falar ainda em responsabilidade internacional dos agentes e servidores do Estado476.

A própria manutenção de legislação que se oponha ao regramento contido à Convenção, corresponde por si só uma violação, desde que afete, portanto, os direitos e liberdade tutelados, segundo entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos na Opinião Consultiva n. 14, de 1994, que trata de uma consulta feita pela CIDH acerca de norma do Estado do Peru, cujos efeitos jurídicos violariam dispositivos da CADH477.

Para Tara Melish, a obrigação de respeito do Estado aplica-se tanto aos direitos civis e políticos quanto aos direitos econômicos, sociais e culturais, quando há, por exemplo, participação de um agente do Estado em desaparecimentos forçados, detenção arbitrária, atear fogo em moradias, perseguição ou demissão de servidores ou empregados públicos em função da sua atividade sindical. Quando o Estado atua para limitar ou suprimir a capacidade do indivíduo em satisfazer suas necessidades básicas, como alimentação adequada, atenção básica à saúde e à educação, está violando as obrigações oriundas do artigo 1º da CADH478.

2.2.1.1.2 Dever de garantir

A responsabilidade internacional é imputada ao Estado quando demonstrado que este lesionou direitos consagrados na CADH. No entanto, tal responsabilidade repercute em âmbito interno por resultar em obrigações de prevenção, de investigação e de sanção. Ademais, violações de Direitos Humanos, que inicialmente não sejam imputáveis diretamente à ação ou omissão de um

475 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos,

Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras. Sentença de mérito, de 29 de julho de 1988, parágrafo 170.

476 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Opinião Consultiva n. 14, de 9 de dezembro de 1994, parágrafo 1º.

477 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Opinião Consultiva n. 14, de 9 de dezembro de 1994, parágrafo 2º.

representante do Estado, no exercício de suas funções, como, por exemplo, sendo realizada por um particular ou por aquele não seja possível indicar sua identidade, podem ensejar responsabilidade internacional do Estado, pela ausência da devida diligência em prevenir, investigar e sancionar os culpados479, vez que se está diante da segunda obrigação contida no artigo 1º que implica em prevenção, em investigação e reparação em caso de violação de Direitos Humanos, devendo o Estado, assim, restabelecer, quando possível, o direito violado.

Ao ser o ato ou a omissão praticado por um particular ou por sujeito desconhecido, compete demonstrar a ausência de “[...] apoio ou a tolerância do poder público ou se este agiu de maneira que a transgressão tenha sido cumprida na falta de toda prevenção ou impunemente”480, cumprindo, assim, identificar se as

lesões sofridas pelas vítimas são resultado da inobservância pelo Estado das obrigações decorrentes do artigo 1º (1) de respeitar e garantir.

No tocante à prevenção, a Corte sustenta que deve albergar várias ações do Estado, sejam jurídicas, políticas, administrativas e culturais para a proteção dos Direitos Humanos e que, havendo violações, estas devem ser tratadas como ilícitas, resultando em sanções para seus responsáveis e indenizações para as vítimas. As medidas de prevenção não podem ser elencadas de forma taxativa, devendo o Estado considerar que “[...] a obrigação de prevenir é de meio ou comportamento e não demonstra seu não-cumprimento pelo mero fato de que um direito tenha sido violado”481.

As medidas adotadas pelo Estado devem ter por escopo extinguir concreta e efetivamente o risco que o Estado contribui ou cria para violação de direitos. A situação do risco em si “[...] aumenta os deveres especiais de prevenção e de

479 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos,

Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras. Sentença de mérito, de 29 de julho de 1988, parágrafo 172.

480

“[...] el apoyo o la tolerancia del poder público o si éste ha actuado de manera que la trasgresión se haya cumplido en defecto de toda prevención o impunemente”. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras. Sentença de mérito, de 29 de julho de 1988, parágrafo 173.

481

“[...] obligación de prevenir es de medio o comportamiento y no se demuestra su incumplimiento por el mero hecho de que un derecho haya sido violado”. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Corte Interamericana de Direitos Humanos, Caso Velásquez Rodríguez vs. Honduras. Sentença de mérito, de 29 de julho de 1988, parágrafo 175.

proteção sob responsabilidade do Estado [...], assim como a obrigação de investigar com toda diligência atos ou omissões de agentes estatais e particulares [...]”482.

Tara Melish entende que a obrigação de prevenção se desdobra nos seguintes deveres: (1) regular, (2) monitorar, (3) realizar estudo de impactos e (4) remover obstáculos estruturais. Tal classificação demonstra-se relevante, diante dos argumentos dos Estados, ao apresentar as medidas adotadas como forma de prevenir uma responsabilização internacional, tornando-se mais fácil identificar quando o Estado pode ser considerado não diligente com relação à sua obrigação de prevenir violações.

O dever de regular obriga o Estado a limitar ou regulamentar a atuação de instituições públicas ou privadas, de forma a não afetar o gozo dos direitos tutelados pela Convenção Americana. Tal obrigação também está contida no artigo 2º que estabelece a harmonia entre o tratado internacional em questão e o corpo normativo do Estado signatário. Assim, quando o Estado denunciado não fixar norma interna ou mesmo quando tais normas não foram suficientemente adequadas para prevenir violação à CADH, configura-se em não observância aos artigos 1º (1) e 2º do tratado internacional em comento.

Uma prevenção efetiva requer, além de regulamentação adequada, inspeção e monitoramento das atividades desenvolvidas, o dever de monitorar. Este vem já sendo amplamente observado pelo Comitê DESCs, em razão da interpretação feita ao PIDESC, no Comentário Geral n.1, de 1989, que monitorar a situação de respeito a cada direito tutelado pelo regramento legal, não significa análise de estatística, e sim exige especial atenção a grupos considerados vulnerabilizados, a partir de diagnóstico preciso para então desenvolver e monitorar a implementação da política pública adequada483.

O terceiro dever da obrigação de prevenir violações à CADH refere-se a realizar estudos de impactos, sendo papel do Estado, o estímulo ao desenvolvimento de programas e de projetos, sejam públicos e privados, a fim de alcançar os efeitos almejados, principalmente quando foram destinados a grupos

482

“[...] acentúa los deberes especiales de prevención y protección a cargo del Estado [...] así como la obligación de investigar con toda diligencia actos u omisiones de agentes estatales y de particulares [...]”. ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, Corte Interamericana de Direitos Humanos. Caso Massacre de Pueblo Bello vs. Colômbia. Sentença de mérito, reparações e custas, de 31 de janeiro de 2006, parágrafo 126.

483 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.

admitidos como vulnerabilizados, posteriormente a um diagnóstico preciso dos seus efeitos, como forma de prevenir violações. Tal obrigação de prevenção não foi observada, por exemplo, no caso brasileiro que versa sobre a população indígena Yanomami, pois permitiu a construção de uma rodovia federal ao longo da reserva indígena, tendo a Comissão Interamericana entendido que o Estado brasileiro não agiu preventivamente, “[...] por omissão em adotar oportuna e eficazmente medidas para proteger os direitos humanos dos Yanomani”484.

O quarto e último dever que ainda faz parte da obrigação de prevenção se refere a remover obstáculos estruturais, devendo o Estado impedir que as pessoas deixem de ter acesso a bens e serviços que são essenciais, mormente para os mais necessitados, os quais enfrentam obstáculos para a satisfação dos seus direitos. Para tanto, a Comissão Interamericana entende que o Estado-parte deve adotar reformas na sua estrutura político-econômica sempre que impedir o acesso à alimentação, à saúde e à educação, fazendo uso de medidas legislativas se forem necessárias485, na mesma esteira em que há previsão expressa de tais obrigações

nos Princípios de Limburgo, determinando que o Estado remova todas as barreiras que identifiquem como causadoras do não gozo de direitos486.

Para a obrigação de investigar, a Corte determina que o Estado deve atuar para que a violação não reste impune, não permitindo que particulares ou grupos de pessoas ajam livremente sem qualquer punição por atos ilícitos praticados, conduzindo, assim, uma investigação séria e não como uma simples formalidade condenada de antemão a ser infrutífera. Deve, outrossim,

[...] ser assumida pelo Estado como um dever jurídico próprio e não como uma simples gestão de interesses particulares, que dependa da iniciativa processual da vítima ou de seus familiares ou da contribuição privada de elementos probatórios, sem que a autoridade pública procure efetivamente a verdade487.

484 ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Interamericana de Direitos Humanos.