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PARTE I: A DINÂMICA DOS DIREITOS HUMANOS E A ESTÁTICA DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

1.6 ANALISANDO A JUSTICIABILIDADE

1.6.5 Outras medidas apropriadas: mecanismos de exigibilidade de direitos

Além da obrigação em instituir um sistema judicial efetivo enquanto “medida apropriada” para a implementação dos direitos sociais, nos termos do PIDESC e conforme interpretação do Comitê DESCs, os Estados-parte estão também obrigados a criar “todos os meios apropriados” (artigo 2º (1) do PIDESC), o que incluiria mecanismos para exigibilidade dos direitos, o que diferiria do primeiro mecanismo, já analisado, de judicialidade, que envolve o sistema judicial do país, muito embora alguns autores defendam que a justiciabilidade de direitos somente pode ser alcançada por instâncias judiciais319.

Os mecanismos de exigibilidade também devem ser entendidos como ferramentas primordiais para a justiciabilidade dos DESCs, na medida em que tais mecanismos possibilitam que os indivíduos possam ter seus direitos reparados e sirvam ainda para evitar futuras violações, implicando, entretanto, em procedimentos diferentes que devem ser observados por aqueles que os acessem.

Os mecanismos de exigibilidade, denominado pelo Comitê DESCs como “outras medidas” ou “remédios efetivos”, correspondem a outras formas de proteger

318 Recentemente, foi criada na Ásia uma Comissão Intergovernamental de Direitos Humanos

Intergovernmental Commission on Human Rights (AICHR) – com a finalidade de fomentar um sistema regional de proteção dos Direitos Humanos.

e de promover os direitos econômicos, sociais e culturais, que não por meio do Judiciário e seus mecanismos de judicialidade. Assim, poder-se-ia exemplificar os mecanismos de exigibilidade como Ouvidorias, Corregedorias, procedimentos administrativos instalados para averiguação de denúncias, Conselhos de Direitos, em caráter consultivo ou deliberativo, desde que observem a justiciabilidade dos direitos sociais.

No Comentário Geral n. 10, o Comitê enfrentou a importância dos mecanismos de exigibilidade para a satisfação dos DESCs, recomendando aos Estados-parte que incluam nos mandatos e atribuições de órgãos e instituições que atuem de forma imparcial, transparente e independente e que proporcionem mecanismos de exigibilidade de direitos na seara dos direitos sociais, atribuindo relevância à mesma320.

No já citado Comentário Geral n. 9, o Comitê DESCs também enfatizou a importância do Estado signatário do PIDESC proporcionar mecanismos de exigibilidade, designando-os como procedimentos administrativos:

[…] Remédios administrativos serão, em muitos casos, adequados e aqueles que vivem sob a jurisdição do Estado têm uma expectativa legítima, fundada no princípio da boa fé, de que todas as autoridades administrativas observarão as exigências do Pacto em suas decisões. Qualquer remédio administrativo deve ser acessível, rápido e eficaz. O direito a um recurso judicial diante dos procedimentos administrativos também é adequado […]321.

Outrossim, os mecanismos de exigibilidade também são instituídos pelos Sistemas Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos, a par dos existentes no plano interno dos Estados.

320

“[…] In many cases, the institution has been established by the Government, enjoys an important degree of autonomy from the executive and the legislature, takes full account of international human rights standards which are applicable to the country concerned, and is mandated to perform various activities designed to promote and protect human rights. Such institutions have been established in States with widely differing legal cultures and regardless of their economic situation”. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário Geral n. 10, parágrafo 2º.

321

“[…] Administrative remedies will, in many cases, be adequate and those living within the jurisdiction of a State party have a legitimate expectation, based on the principle of good faith, that all administrative authorities will take account of the requirements of the Covenant in their decision- making. Any such administrative remedies should be accessible, affordable, timely and effective. An ultimate right of judicial appeal from administrative procedures of this type would also often be appropriate […]”. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário Geral n. 9, parágrafo 9º.

Nesse sentido, em âmbito internacional, os mecanismos de exigibilidade podem ser convencionais ou não convencionais, sendo estes últimos também designados de especiais.

1.6.5.1 Mecanismos de exigibilidade convencional

O mecanismo de exigibilidade convencional, estabelecido pelos tratados internacionais de Direitos Humanos, é somente observado pelo Estado signatário do tratado que o criou, servindo como um meio para identificar se o Estado-parte vem cumprindo com as disposições que se obrigou. Assim, tem-se como exemplo de mecanismo de exigibilidade convencional, no Sistema de Proteção dos Direitos Humanos, o Relatório Periódico previsto em diversos tratados internacionais, notadamente nos principais instrumentos das Nações Unidas. Os Estados-parte devem observar os prazos definidos no próprio texto legal internacional para apresentação do seu Relatório Periódico ao organismo competente para sua apreciação, o qual após a análise, apresentará observações e Recomendações ao Estado-parte.

1.6.5.2 Mecanismos de exigibilidade não-convencional

No tocante aos mecanismos internacionais de exigibilidade não- convencionais, também chamados de procedimentos especiais ou extra- convencionais, são criados por Resoluções ou outros atos internos dos próprios organismos internacionais, podendo alcançar todos os Estados-membros, independentemente de sua adesão, assinatura, ratificação a um tratado internacional de Direitos Humanos. Isso faz com que tais mecanismos de exigibilidade sejam considerados menos formais do que os anteriores.

No âmbito do Sistema das Nações Unidas, pode-se mencionar como exemplo de mecanismos de exigibilidade não-convencionais: procedimento 1503, relatorias especiais, grupos de trabalhos, representantes especiais e revisão periódica universal, sendo este último criado juntamente com o novo órgão da ONU para proteção e promoção dos Direitos Humanos – Conselho de Direitos Humanos – que substituiu a antiga CDH.

Em que pese os mecanismos de exigibilidade não-convencionais da ONU não sejam objeto da presente pesquisa, cumpre esclarecer que foram criados como forma de fazer com que efetivamente os Direitos Humanos fossem observados pelos Estados-membros e o próprio organismo internacional dotado de uma ferramenta eficiente na promoção e na proteção dos Direitos Humanos, daí serem criados por meras Resoluções ou atos da Secretaria Geral.

A nomenclatura Procedimento 1503 decorre da Resolução n. 1503/1970 do ECOSOC, que indica a Sub Comissão para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos, a qual está subordinada atualmente ao Conselho de Direitos Humanos, para atuar em casos de violações graves e sistemáticas de Direitos Humanos. Como o Procedimento 1503 foi criado em 1970, era, em princípio, um mecanismo de defesa contra as violações de direitos civis e políticos, estendendo-se, posteriormente, para os direitos econômicos, sociais e culturais, face o princípio da indivisibilidade dos Direitos Humanos, albergado pela ONU. Contudo, o Procedimento 1503, apesar de ter permanecido dentro da estrutura das Nações Unidas, é pouco utilizado pelo caráter sigiloso que vigora no procedimento, não se sabendo nem mesmo quando um país está sendo investigado.

Outros mecanismos de exigibilidade não-convencionais tratam-se dos Grupos de Trabalho, Relatores Especiais e Representantes Especiais, que podem ter atribuição de analisar a situação de temas322 ou de países323. Tratam-se de

especialistas na área, que atuam de forma independente, tendo seu mandato estabelecido pelo Conselho de Direitos Humanos, gozam de poder investigatório, realizam visitas in loco, podem receber denúncias e comunicações e ao final devem

322 Relatores temáticos: relator especial sobre execuções sumárias, arbitrárias ou extrajudiciais,

relator especial sobre a independência dos juízes, relator especial sobre a tortura e outros tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes, representante especial sobre refugiados internos, relator especial sobre intolerância religiosa, relator especial sobre o uso de mercenários como meio de impedir o exercício do direito à autodeterminação dos povos, relator especial sobre liberdade de opinião e expressão, relator especial sobre racismo, discriminação racial e xenofobia, relator especial sobre venda de crianças, prostituição e pornografia infantil, relator especial sobre a eliminação da violência contra a mulher, relator especial sobre os efeitos do lixo tóxico e produtos perigosos para o gozo dos direitos humanos, relator especial sobre o direito à educação, relator especial sobre direitos humanos de extrema pobreza, relatora especial sobre o direito à alimentação, relatora especial sobre o direito à moradia adequada, experte independente sobre os efeitos do ajuste estrutural nas políticas de direitos econômicos, sociais e culturais e direito ao desenvolvimento, representante especial sobre defensores de direitos humanos, representante especial sobre a proteção de crianças afetadas por conflitos armados, e relator especial sobre o direito à saúde.

323 Relatores especiais por países: Myamar, Territórios Ocupados da Palestina, Sudão, Burundi,

apresentar Relatório Anual ao Conselho de Direitos Humanos e relatório sobre o país que foi visitado.

Já a Revisão Periódica Universal324 – universal periodic review – (UPR)

corresponde ao mais recente mecanismo de exigibilidade extra-convencional, onde todos os Estados-membros da ONU irão apresentar relatório sobre a situação geral de Direitos Humanos no seu país, sendo tal relatório obrigatoriamente elaborado com a participação da sociedade civil, tendo uma natureza complementar aos

Relatórios Periódicos endereçados aos Comitês temáticos.

O UPR ocorre para o Estado-membro a cada 4 (quatro) anos, devendo reunir informações dos órgãos especializados nas Nações Unidas, como o Alto Comissariado de Direitos Humanos, como forma de avaliar o relatório encaminhado pelo Estado. O Estado apresenta o seu relatório que será previamente analisado por um grupo de trabalho, formado por membros do Comitê de Direitos Humanos, que designará data para promover um diálogo interativo, com a participação de Organizações não governamentais, para, então ser submetido ao plenário do Conselho de Direitos Humanos que apresenta as suas observações e

Recomendações325.

Diante da existência de mecanismos de exigibilidade convencionais e não convencionais e de mecanismos de judicialidade sejam em âmbito internacional ou nacional, os direitos econômicos, sociais e culturais são objetos de denúncias, independentemente dos procedimentos selecionados para que alcancem algum ente ou órgão que atuem no sentido de prover uma justa reparação para a vítima e de evitar futuras violações, conforme observou o Comitê DESCs326, sendo tais

elementos primordiais para entender os direitos sociais enquanto direitos justiciáveis.

324 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Assembleia Geral. Resolução 60/251.

325 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Alto Comissariado de Direitos Humanos. Working with the united nations human rights programme: a handbook for civil society. Genebra: OHCHR, 2008.

p. 137-154.

326“Any person or group who is a victim of a violation of the right to adequate food should have access

to effective judicial or other appropriate remedies at both national and international levels. All victims of such violations are entitled to adequate reparation, which may take the form of restitution, compensation, satisfaction or guarantees of non-repetition. National Ombudsmen and human rights commissions should address violations of the right to food”. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário Geral n. 12, parágrafo 32 e “Any person or group victim of a violation of the right to health should have access to effective judicial or other appropriate remedies at both national and international levels. All victims of such violations should be entitled to adequate reparation, which may take the form of restitution, compensation, satisfaction or guarantees of non-repetition […]”. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Comentário Geral n. 14, parágrafo 59.

Enquanto houver mecanismos efetivos para se questionar a sua promoção ou a sua reparação em caso de violação, os direitos econômicos, sociais e culturais devem ser compreendidos como plenamente justiciáveis, além de serem concebidos como Direitos Humanos. Nesse sentido, Catarina Tomasevski, que já foi Relatora Especial das Nações Unidas para o Direito à Educação, durante seu pronunciamento no encontro do Grupo de Trabalho para tratar do Protocolo Opcional do PIDESC, reforça tal afirmação, sustentando que:

[…] justiciabilidade irá desenvolver, muito mais que qualquer área dos direitos humanos, gradativamente, por meio de incursões fragmentadas em áreas encobertas pela notória falta de vontade dos Estados em reconhecer meios e ações para antigas responsabilidades. É, assim, que fortuitamente exemplos de responsabilização dos Estados por violações de direitos econômicos, sociais e culturais existem e podem ser utilizados como base para o desenvolvimento da justiciabilidade327.

1.7 UM PASSO DE CADA VEZ PARA A PROGRESSIVA EFETVIDADE DOS