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PARTE II: O SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

2.1 ORIGEM DO SISTEMA INTERAMERICANO

2.1.1 A organização dos estados americanos e os direitos humanos

A Organização dos Estados Americanos institucionaliza, hodiernamente, a congregação dos países do continente americano, sendo que tal ímpeto em reunir esforços e representatividade política em um sistema regional corresponde ao mais antigo do mundo, considerando desde o início do movimento pan-americano nos anos de 1889 a 1890, quando incluía apenas 19 nações414. Já com a nova

nomenclatura, em 1948, influenciada pelos acontecimentos das duas Guerras Mundiais, a OEA agregou mais dois países: Cuba e Panamá.

O primeiro movimento para reunião dos países americanos, que seria albergado pela OEA posteriormente, surge por iniciativa norteamericana, que reconstruída depois da Guerra Civil e incentivada pelos ideais expansionistas, direcionados para o Caribe e Pacífico, desejava incrementar suas relações econômicas com os vizinhos países do sul. Tal movimento resultou não em tratados bilaterais ou multilaterais, mas encontros de cúpulas e conferências internacionais, que se iniciaram em 1889 e se sucederam de quatro em quatro anos415.

atribuir personalidade jurídica. É certo que indivíduos e empresas já gozam de personalidade em direito interno, e que essa virtude poderia repercutir no plano internacional na medida em que o direito das gentes não se teria limitado a protegê-los, mas teria chegado a atribuir-lhes a titularidade de direitos e deveres – o que é impensável no caso de coisas juridicamente protegidas, porém despersonalizadas, como as florestas e os cabos submarinos”. RESEK, José Francisco. Direito

internacional público. 9. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 146.

414 Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, República Dominicana, Equador, El

Salvador, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Nicarágua, Paraguai, Peru, Estados Unidos, Uruguai e Venezuela.

415 As reuniões dos Ministros das Relações Exteriores dos países americanos foram suspensas por

A I Conferência Internacional Americana, ocorrida em Washington (outubro de 1889 e abril de 1890), marcada pelos interesses estadunidenses, constituiu a União Internacional das Repúblicas Americanas, tendo como objetivo a difusão de informações comerciais416.

Já a segunda fase do movimento pan-americano, nas décadas de 20 e 30, se caracterizou por encontros que tinham como pauta a dominação norteamericana nos países vizinhos. Em resposta, nos anos que se seguiram, os Estados Unidos passaram a adotar a política da boa vizinhança, como preparação ao que se iniciaria quando Franklin D. Roosevelt assumiria a presidência, retirando tropas de países ocupados, como o Haiti e renegociando o tratado do Panamá. No entanto, tal período fora curto, pois logo se começou uma nova fase de política externa novamente agressiva, perante as Américas Central e do Sul.

O fim da segunda Guerra Mundial com a vitória dos aliados, com a decisiva participação norteamericana e a construção de uma nova organização mundial com atribuições de definir paz e guerra e promover os Direitos Humanos foram elementos primordiais para a mudança da política externa dos Estados Unidos.

Em que pese à crise gerada pela Liga das Nações, restava claro que era possível a criação de uma organização internacional, voltada para regular relações entre Estados e seus respectivos interesses, o que resultou em encontros de representantes dos aliados mesmo antes de terminar o segundo conflito mundial, com o firme propósito de construí-la com substanciais atribuições e com uma instância constituída pelos vitoriosos, os quais teriam poderes absolutos – Conselho de Segurança e seu criticado poder de veto.

A participação dos Estados Unidos foi fundamental para a criação deste novo sujeito de Direito Internacional, na medida em que a organização que reúne os países do continente americano estava dominada pelos interesses latinoamericanos e pela certeza de que o novo ente internacional lhe possibilitaria controle diante dos seus vizinhos de continente, notadamente, aqueles que reagiam à sua política externa, os da América do Sul.

A inversão de estratégia dos Estados Unidos, ao criar uma organização global internacional, resultou no fortalecimento da organização regional com o Tratado do

Rio e com o surgimento da OEA, pela articulação dos países da América do Sul,

416 Cf. HANASHIRO, Olaya Sílvia Machado Portella. O sistema interamericano de proteção aos direitos humanos. São Paulo: Edusp, 2001. p. 26.

preocupados com a hegemonia norteamericana, o que caracteriza a terceira fase das relações interamericanas417.

Ainda em 1945, os Estados americanos se reuniram na cidade do México para tratar particularmente das consequências que trazia para o continente, o fim do segundo conflito mundial. Esta reunião, que ficou conhecida como Conferência Interamericana de Chapultepec, resultou em uma Declaração que ratificou os princípios democráticos, a qual corresponderia a primeira demonstração clara de que as organizações políticas e jurídicas de um Estado não podem ser fundadas em outro ideal que não na democracia e nas liberdades fundamentais418. Foi fundada nos ideais liberais norteamericanos, a partir dos princípios da igualdade e da liberdade, e, além disso, na preocupação em reunir os Estados americanos para garantir regimes políticos semelhantes, que facilitem trocas de informações, como forma de evitar a propagação de princípios socialistas.

Esta Conferência seria o marco para a construção da Organização dos Estados Americanos, na medida em que foram estabelecidas as diretrizes gerais de projetos, os quais previam o Tratado do Rio, a Carta da OEA e a Declaração

Americana dos Direitos e Deveres do Homem e serviriam de base para a realização

da IX Conferência Internacional dos Estados Americanos.

O Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, aprovado em 1947 na cidade do Rio de Janeiro, conhecido também como Tratado do Rio, corresponde ao fortalecimento das relações dos países interamericanos e da segurança nas Américas em decorrência das guerras mundiais, comprometendo os países signatários à assistência recíproca. Para os dias atuais, é considerado o único tratado de assistência militar vigente envolvendo os países do continente e, para aquela época, tornou possível a criação da OEA, que ocorreria um ano depois.

Ainda como uma Resolução da Conferência Interamericana de Chapultepec de 1945, a de número IX, as relações entre os países interamericanos a partir de 1948, seriam consolidadas com um tratado internacional, o qual criaria uma organização permanente, não mais baseada em reuniões periódicas, e disciplinaria sua missão para garantir ordem, paz e justiça, incentivar a solidariedade entre os seus membros e proteger soberania, integridade territorial e independência dos

417 Cf. STOETZER, O. Carlos. The organization of american states. 2. ed. Westport: Praeger, 1993.

p. 13-30.

Estados-parte419. A designação deste novo organismo internacional teve clara

influência daquele que o antecedeu – Organização das Nações Unidas –, visto que no momento seu nome parecia ser mais solene, imponente e juridicamente mais adequado420.

A IX Conferência Internacional dos Estados Americanos, realizada em 30 de abril de 1948, na cidade de Bogotá, representa o apogeu das relações interamericanas estimuladas desde a União Internacional das Repúblicas Americanas. A Carta da OEA de 1948, materializada em órgãos voltados para a satisfação de interesses já consensuais, reflete os princípios e os principais temas tratados pelos Estados durante décadas de relações, assim como o novo contexto internacional que gradativamente passa a ser marcado pela influência de decisões oriundas de organismos internacionais, como bem já se asseverou.

Em que pese às diversas estratégias, assumidas pelos Estados Unidos, na terceira fase das relações internacionais interamericanas, o período que se segue demonstra que os norteamericanos nunca deixaram de exercer influência nas relações entre os países do continente, como se observa com o desenvolvimento da OEA ao longo da sua história, a partir da criação de seus instrumentos, mecanismos ou mesmo órgãos de monitoramento e de controle e ainda a definição das suas diretrizes de atuação.

Muito se discute na doutrina que as razões, as quais levaram ao surgimento da OEA e a própria alteração da Carta, em 1967, com a incorporação do rol indivisível dos Direitos Humanos, seriam interesses para garantir regimes políticos que pudessem impedir o avanço do bloco socialista no mundo e primordialmente nas Américas, mediante outra forma que não pela política territorial expansionista dos Estados Unidos. Pois, parecia inconcebível a construção de um Sistema Regional de Proteção dos Direitos Humanos por países que, em boa parte, estavam organizados por regimes ilegítimos e autoritários naquela época421.

As ditaduras militares, que surgem na América Central e se espalham pelos países latinoamericanos, possibilitaram o impedimento dos ideais socialistas e o

419 Artigo 1º: Os Estados americanos consagram nesta Carta a organização internacional que vêm

desenvolvendo para conseguir uma ordem de paz e de justiça, para promover sua solidariedade, intensificar sua colaboração e defender sua soberania, sua integridade territorial e sua independência [...].

420 Cf. STOETZER, op. cit., p. 31.

421 DAVIDSON, Scott. The inter-american court of human rights. Aldershot [England]: Dartmouth,

maior controle nos países no que tange ao seu desenvolvimento socioeconômico. No entanto, para aqueles Estados, onde não estariam sob esta espécie de controle, era preciso criar outro sistema de monitoramento, daí a construção de um, fundado nos princípios de proteção dos Direitos Humanos, o que gerou a alteração na Carta

da OEA, por meio de Protocolo de Buenos Aires e aprovação da Convenção Americana de Direitos Humanos pelos Estados-membros da OEA, mesmo que

estivessem organizados em regimes ditatoriais, caracterizados pela não observância, mormente dos direitos de ordem individuais422.

Observa-se diante da análise de determinadas áreas albergadas pela OEA, a influência da política dos Estados Unidos, como no desempenho da Organização em prol da democracia, por exemplo, quando atua através de órgãos próprios para o fortalecimento das instituições e práticas democráticas nos países americanos, realizando missões de observação eleitoral, a fim de garantir a transparência necessária no processo de votação. Ademais, o fortalecimento da segurança representa outra questão que tem exigido que a Organização opere em várias frentes, prevenindo o terrorismo, intensificando o controle nas fronteiras, a partir da cooperação entre os Estados-membros e apoiando programas de educação e conscientização.

Outrossim, a OEA tem também desempenhado ações de apoio às negociações para a criação de uma zona de livre comércio no continente, mediante a formação da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e também de combate ao narcotráfico.

422 Quando da aprovação da Carta da OEA em 1948, a situação política dos países das Américas era

a seguinte: (1) 17 países independentes, sem regimes militares: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai, Costa Rica, Cuba, Haiti, Honduras, México e Panamá, Estados Unidos e Canadá; (2) 29 colônias: Guiana, Suriname, Guiana Francesa, Anguila, Antígua e Barbuda, Aruba, Bahamas, Barbados, Belize, Bermuda, Ilhas Virgens, Ilhas Cayman, Dominica, Granada, Guadalupe, Jamaica, Martinica, Montserrat, Antilhas holandesas, Porto Rico, São Cristóvão e Neves, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Trinidade & Tobago, Ilhas Turcas e Caicos, Ilhas Virgens Americanas, Ilhas Navassa, São Bartolomeu e São Martinho; e (3) 5 países sob regimes militares: Venezuela, República Dominicana, El Salvador, Guatemala e Nicarágua.

Nos anos 1969 e 1970 quando foram aprovados o Protocolo de Buenos Aires e CADH, a situação política era diversa: (1) 09 países independentes, sem regimes militares: Barbados, Costa Rica, Cuba, Jamaica, México, Estados Unidos, Canadá, Venezuela e Colômbia (instabilidade política pelo surgimento das FARC em 1964); (2) 25 Colônias: Guiana, Suriname, Guiana Francesa, Anguila, Antígua e Barbuda, Aruba, Bahamas, Belize, Bermuda, Ilhas Virgens, Ilhas Cayman, Dominica, Granada, Guadalupe, Martinica, Montserrat, Antilhas holandesas, Porto Rico, São Cristóvão e Neves, Santa Lucia, São Vicente e Granadinas, Ilhas Turcas e Caicos, Ilhas Virgens Americanas, Ilhas Navassa, São Bartolomeu e São Martinho; e (3) 14 países sob regimes militares: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Equador, Paraguai, Peru, Uruguai, República Dominicana, El Salvador, Haiti, Honduras, Nicarágua e Panamá. Na Guatemala ocorreu intervenção americana até de 1953 a 1996 e Trinidade & Tobago tornou-se “independente” em 1962, mas membro da comunidade britânica.