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PARTE I: A DINÂMICA DOS DIREITOS HUMANOS E A ESTÁTICA DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS

1.3 CARACTERIZAÇÃO DOS DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS NA ORDEM INTERNACIONAL

1.3.5 Para cada direito, dever positivo ou dever negativo

Outra classificação comumente comentada para distinguir os direitos civis e políticos dos direitos econômicos, sociais e culturais, e que se agrega aos fundamentos presentes em outras classificações, algumas delas já analisadas, diz respeito aos deveres e obrigações dos Estados em relação ao seu cumprimento. Para o primeiro grupo de direitos seriam demandadas ao Estado obrigações negativas, que, como bem se asseverou, não redundam em ações positivas ou em qualquer interferência pública para sua integral satisfação, constituindo tais direitos em negativos; ao passo que, para os direitos sociais, a sua implementação

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“Whereas rights such as the right not to be held in slavery, the right to freedom of though, conscience and religion, and the right to equality before law had endured a 200-year process of maturation at the domestic level prior to their appearance in international law, socio-economic rights had a checkered legal and political history as a result of which there was little consensus as to their form or scope”. DOWELL-JONES, Mary. Contextualizing the international covenant on economic,

social and cultural rights: assessing the economic deficit. Leiden: Martinus Nijhoff, 2004. p. 13. 120 STEINER; ALSTON, op. cit., p. 244.

dependeria de atuação positiva do Estado, sendo assim tais direitos designados de positivos. Tal concepção foi amplamente difundida na década de 70121, sendo

hodiernamente admitida entre os estudiosos da área para definir o grau de implementação dos Direitos Humanos122.

Inúmeros artigos de ambos os Pactos são analisados pela doutrina com o fito de identificar ambas as obrigações (positivas e negativas) no direito reconhecido internacionalmente, como forma de testar a presente classificação tão enraizada na literatura existente, mesmo a especializada. Assim, tem-se como exemplo de atuação positiva por parte do Estado no Pacto Internacional de Direitos Civis e

Políticos: o direito de ser informado quanto aos motivos que levaram a prisão (artigo

9º (2)123, o direito de ser indenizado quando a prisão for ilegal (artigo 9º (5)124; o direito à assistência judicial quando o suposto acusado ou vítima não conseguir prover às suas expensas tal serviço (artigo 14 (3) ‘D’)125;o direito à assistência

gratuita de um intérprete, quando necessário (artigo 14 (3) ‘F’)126.

Com relação ao PIDESC, pode-se utilizar, como exemplo para identificação de obrigações negativas do Estado, o respeito ao direito dos pais de escolherem

121 Cf. SEPÚLVEDA, op. cit., p. 124.

122 Víctor Abramovich analisa a classificação antiga que fragmentou os Direitos Humanos entre civis e

políticos e econômicos, sociais e culturais entendendo que “[...] poderia então ser dito que a adscrição de um direito ao catálogo de direitos civis e políticos, ou ao de direitos econômicos, sociais e culturais, tem um valor heurístico, ordenador, classificatório; no entanto, uma conceitualização mais rigorosa levaria a admitir um continuum de direitos, no qual o espaço de cada direito estaria determinado pelo peso simbólico do componente de obrigações positivas ou negativas nele delineadas. Por esse raciocínio, alguns direitos, claramente passíveis de serem caracterizados segundo obrigações negativas do Estado, ficam enquadrados no horizonte dos direitos civis e políticos – caso, por exemplo, da liberdade de pensamento ou da liberdade de expressão sem censura prévia. No outro extremo, alguns direitos que em sua essência se caracterizam por obrigações positivas do Estado estarão contidos no catálogo de direitos econômicos, sociais e culturais – por exemplo, o direito à moradia. No espaço intermediário entre esses dois extremos há um espectro de direitos que conjugam uma combinação de obrigações positivas e negativas, em graus diversos: identificar se um deles está na categoria dos civis e políticos, ou no grupo dos econômicos, sociais e culturais resulta de uma decisão convencional, mais ou menos arbitrária” ABRAMOVICH, Víctor. Linhas de trabalho em direitos econômicos, sociais e culturais: instrumentos e aliados. SUR Revista Internacional de Direitos Humanos, São Paulo, n. 2, p.189-223 e p. 194, 2005.

123 Artigo 9º: (2) qualquer pessoa, ao ser presa, deverá ser informada das razões da prisão e

notificada, sem demora, das acusações formuladas contra ela.

124 Artigo 9º: (5) qualquer pessoa vítima de prisão ou encarceramento ilegal terá direito à reparação. 125 Artigo 14: (3) toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualdade, às seguintes

garantias mínimas: [...]

‘D’ a estar presente no julgamento e a defender-se pessoalmente ou por intermédio de defensor de sua escolha; a ser informada, caso não tenha defensor, do direito que lhe assiste de tê-lo, e sempre que o interesse da justiça assim exija, a ter um defensor designado ex officio gratuitamente, se não tiver meios para remunerá-lo;

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Artigo 14: (3) ‘F’ a ser assistida gratuitamente por um intérprete, caso não compreenda ou não fale a língua empregada durante o julgamento.

livremente a escola onde seus filhos estudarão (artigo 13 (3)127; ao direito a não

interverência à liberdade do indivíduo em criar ou dirigir uma instituição de ensino (artigo 13 (4)128; ao direito ao respeito à liberdade científica e atividade inventiva (artigo 15 (3)129; de garantir a proibição de discriminação por gênero em relação ao pagamento de salários (artigo 7º, ‘A’, (i)130; o direito de constituir e de se filiar em

sindicatos e de assegurar direito de grevar (artigo 8º (1), ‘A’ e ‘D’, respectivamente)131. Ressalta-se que a doutrina aponta que a caracterização dos direitos previstos no PIDESC, enquanto obrigações negativas, dá-se mediante expressões como “respeito”, “garantia” e “assegurar”, as quais devem aparecer ao longo do texto, resultando, assim, claramente em uma conduta pública omissiva.

Aliada à recente doutrina que estuda tal aspecto da teoria geral dos Direitos Humanos, as Recomendações advindas dos órgãos do sistema de monitoramento das Nações Unidas vêm reforçando a artificialidade de tal distinção e consolidando, com o processamento de casos individuais, o entendimento que ambos os grupos de direitos demandam tanto atuação negativa quanto positiva para sua integral satisfação.

127 Artigo 13: (3) os Estados-parte no presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade dos

pais ou, quando tal for o caso, dos tutores legais de escolher para seus filhos (ou pupilos) estabelecimentos de ensino diferentes dos poderes públicos, mas conformes às normas mínimas que podem ser prescritas ou aprovadas pelo Estado em matéria de educação, e de assegurar a educação religiosa e moral de seus filhos (ou pupilos) em conformidade com as suas próprias convicções.

128Artigo 13: (4) nenhuma disposição do presente artigo deve ser interpretada como limitando a

liberdade dos indivíduos e das pessoas morais de criar e dirigir estabelecimentos de ensino, sempre sob reserva de que os princípios enunciados no parágrafo 1º do presente artigo sejam observados e de que a educação proporcionada nesses estabelecimentos seja conforme as normas mínimas prescritas pelo Estado.

129 Artigo 15: (3) os Estados-parte no presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade

indispensável à investigação científica e às atividades criadoras.

130 Artigo 7º: os Estados-parte no presente Pacto reconhecem o direito de todas as pessoas de gozar

de condições de trabalho justas e favoráveis, que assegurem em especial: ‘A’ Uma remuneração que proporcione, no mínimo, a todos os trabalhadores; [...]

‘I’ Um salário equitativo e uma remuneração igual para um trabalho de valor igual, sem nenhuma distinção, devendo, em particular, às mulheres ser garantidas condições de trabalho não inferiores àquelas de que beneficiam os homens, com remuneração igual para trabalho igual.

131 Artigo 8º:

(1) os Estados-parte no presente Pacto comprometem-se a assegurar:

‘A’ O direito de todas as pessoas de formarem sindicatos e de se filiarem no sindicato da sua escolha, sujeito somente ao regulamento da organização interessada, com vista a favorecer e proteger os seus interesses econômicos e sociais. O exercício deste direito não pode ser objeto de restrições, a não ser daquelas previstas na lei e que sejam necessárias em uma sociedade democrática, no interesse da segurança nacional ou da ordem pública, ou para proteger os direitos e as liberdades de outrem.

[...]

Além do exame de petições individuais resultar no afastamento da teoria em tela, os próprios órgãos atuais de monitoramento de ambos os Pactos – Comitê de Direitos Humanos e Comitê DESCs – abordam as obrigações positivas e negativas nos Comentários Gerais e nas Observações Conclusivas, quando da análise dos

Relatórios Periódicos dos Estados-parte, identificando direitos em ambos os textos

normativos internacionais que demandam interferência ou não por parte do Estado. No que se refere ao Comitê de Direitos Humanos, este enfrenta tal matéria ao analisar o artigo 2º do PIDCP132, identificando as medidas que o Estado deve implementar para assegurar os direitos substantivos previstos no Pacto em questão, como, por exemplo, direito à vida133 e à proteção da criança134. Com relação ao Comitê DESCs, este vem explicitando as obrigações do Estado-parte, elucidando quando exigem condutas omissivas, com o firme propósito de ‘afugentar’ tal teoria como fundamento para a divisão dos dois grupos de Direitos Humanos135.