• Nenhum resultado encontrado

A Crítica de Hegel e o Fim do Jusnatualismo

ANOTAÇÕES PARA UMA HISTÓRIA CONCEITUAL DOS DIREITOS HUMANOS

2.5 A Crítica de Hegel e o Fim do Jusnatualismo

Destarte, se o jusnturalismo encontra seu apogeu na modernidade filosófica – Hobbes, Espinosa, Locke, Kant, Rousseau e Fichte –, com a entrada da “história” como paradigma conceitual, a própria modernidade preparou sua crise e seu constante ponto de tensão. O protagonista desta operação foi Hegel (1770-1831). A contestação hegeliana e sua forma de pensar acabam não somente expressando uma oposição ferrenha ao jusnaturalismo; ao colocar a história – e consequentemente, a cultura – como arco inescapável da realidade constitutiva do homem, Hegel inaugura um modo de pensar sem o qual a contemporaneidade não pode ser reconhecida. Com a formulação do historicismo, Hegel não só influencia pensadores do porte de Feuerbach e Marx, ele põe o jusnaturalismo jurídico e político na “corda bamba”. As críticas de Hegel ao pensamento liberal burguês (jusnaturalismo, direitos burgueses, etc.) serão parcialmente assumidas por Marx que lhes imprime novos vigor e abordagem.

Procuraremos apresentar resumidamente os pontos fundamentais da crítica de Hegel ao pensamento jusnaturalista burguês. Um dos alvos da crítica hegeliana é o caráter abstrato

do método da ciência política moderna. Segundo Tosi:

Hegel critica a pretensão hobbesiana, e de grande parte da filosofia moderna, de produzir uma ética e uma política more geometrico demonstrata, inspirada no modelo das ciências exatas e naturais e “deduzidas” de princípios “abstratos” sem uma inserção concreta na história. Hegel considera este método limitado ao âmbito do entendimento (Verstand) que não alcança a síntese dialética da razão (Vernfunft). Para ele, ao contrário, o movimento do pensamento deve revelar (apresentar - Darstellung) o movimento de todos os momentos imanentes ao processo de constituição do ser (TOSI, 2013, mimeo).

Ao seu modo, Hegel procura colocar a filosofia numa perspectiva “realista”: não se trata de pensar o mundo a partir de construções ideais, através das lentes do dever-ser tal qual faz o jusnaturalismo contratualista. Ao voltar seu olhar para o desdobramento da cultura ao longo do tempo – desdobramento que só é possível pela presença do homem no mundo –, Hegel concentra seu olhar filosófico na direção do ser, ou seja, da vida e do mundo enquanto processo histórico constitutivo do real. Nesse sentido, trata-se de perscrutar o mundo que está diante de si como parte de um movimento que, ao mesmo tempo, é tão anterior quanto presente (atual) na expressão de seus modos; um mundo eivado pela imanência e pela transcendência do possível, marcado e determinado pelas transformações dialéticas das forças do passado e do presente, bem como através dos apelos do tempo futuro. Todo esse movimento do “espírito do tempo” não se efetiva através do homem abstrato, indivíduo “sem tempo e sem espaço”, mas através do homem que vive em comunidade, quer dizer, do homem forjado na esfera da sociedade civil e do Estado. Num movimento distinto em relação ao jusnaturalismo, Hegel evita a ficção metodológica do estado de natureza – e o contratualismo subsequente – e, na concretude da folhagem histórica, encontra no Estado – e, portanto, na cultura – o elemento emblemático para conferir sentido às dimensões da vida humana e suas ações. Nesta perspectiva, Hegel afirma que:

É, portanto, mediante a cultura que o indivíduo tem aqui vigência e efetividade. A verdadeira natureza originária do indivíduo, e [sua] substância, é o espírito da alienação do ser natural. Essa extrusão é, por isso, tanto o fim, como o ser-aí do indivíduo; é, ao mesmo tempo, o meio ou a

passagem, seja da substância pensada para a efetividade, como inversamente

da individualidade determinada para a essencialidade. Essa individualidade se forma para [ser] o que é em si, e só desse modo é em si e tem um ser-aí efetivo; tanto tem de cultura quanto tem de efetividade e poder. Embora o Si se saiba aqui efetivo como este [Si], contudo sua efetividade consiste somente no suprassumir do Si natural: a natureza determinada originária se reduz, portanto, à diferença inessencial de grandeza, a uma maior ou menor

energia da vontade. Mas o fim e conteúdo da vontade pertencem unicamente à substância universal mesma e só podem ser um universal. A particularidade de uma natureza, que se torna fim e conteúdo, é algo

impotente e inefetivo: é uma espécie que se esfalfa, vã e ridiculamente, para

pôr-se à obra: é a contradição de atribuir ao particular a efetividade que é imediatamente o universal. Portanto, se a individualidade for posta erroneamente na particularidade da natureza e do caráter, não se encontram no mundo real nem individualidade nem caracteres, mas indivíduos que têm um ser-aí igual, uns em relação aos outros. Aquela suposta individualidade só é justamente o ser-aí ‘visado’, que não logra estabilidade nesse mundo, onde só alcança efetividade o que-se-extrusa-a-si-mesmo, e, portanto, só o universal51 (HEGEL, 2011, p. 340).

A ênfase hegeliana na cultura, no Estado, revela não apenas um ponto de partida diametralmente oposto ao jusnaturalismo liberal moderno; ela apresenta a alienação do homem de sua condição natural como elemento constitutivo de sua condição humana; essa alienação só é possível pela presença da razão que, a partir da natureza – por conseguinte, sempre conservando algo dela – transcende a própria natureza através da ação transformadora no sentido de realizá-la para si, apossando-se dela. Ele supera a condição meramente natural (para si) ao realizar o duplo movimento de encontrar o outro como si mesmo e o si mesmo como outro. Com isso, ele estende a consciência-de-si a toda realidade e torna uma esfera necessariamente constitutiva da outra. Mas, o salto dado não é o salto do indivíduo abstrato, mas o salto do homem forjado na comunidade dos homens e do mundo reais. Ele goza, portanto, de uma igualdade que não é a igualdade abstrata do direito – eis uma nova crítica a Kant –; trata-se de uma igualdade estabelecida na ação que, fazendo-o saltar, conduz ao reconhecimento de si próprio e do mundo como esferas que só se afirmam – e só podem ser ditas – num entrelaçamento ínsito. Daí o caráter de universalidade sem o qual não se pode afirmar individualidades (particularidades) como se fossem – com a pretensão de – universalidades. A universalidade do homem constitui-se na medida em que, no vir-a-ser, efetiva uma relação de totalidade com o real.

51 Nos parágrafos imediatamente anteriores, Hegel diz que “o espírito desse mundo é a essência espiritual, impregnada de uma consciência-de-si, que se sabe imediatamente presente como esta consciência-de-si para si

essente, e que sabe a essência como uma efetividade contraposta a si. Mas o ser-aí desse mundo, como também a

efetividade da consciência-de-si se extrusa de sua personalidade e assim produz o seu mundo; frente a ele se comporta como se fosse um mundo estranho, do qual devesse agora apoderar-se. Mas a renúncia de seu ser-para- si é ela mesma a produção da efetividade, da qual assim se apodera imediatamente pela renúncia. Em outras palavras, a consciência-de-si só é algo, só tem realidade, na medida em que se aliena a si mesma: com isso se põe como universal, e essa sua universalidade é sua vigência e efetividade. Essa igualdade com todos não é, portanto, aquela igualdade do direito; não é aquele imediato ser-reconhecido e estar-em-vigor da consciência-de- si, pelo [simples] fato de que ela é; mas [se] ela vigora, é por se ter tornado conforme ao universal através da mediação alienadora. A universalidade carente-de-espirito, do direito, acolhe dentro de si e legitima qualquer modalidade do caráter como também do ser-aí; mas a universalidade que aqui vigora é a universalidade que-

Assim, o Estado se constitui como efetivação da razão na história, isto é, através da cultura (instituições, tradições, línguas, técnicas, hábitos, etc.) ele realiza a totalidade ética superior como expressão do continuum epocal de um povo; a razão enquanto espírito objetivo efetiva-se, materializa-se no fluxo das transformações do devir. Destarte, para Hegel:

O Estado é a substância ética consciente-de-si, a união dos princípios da família e da sociedade civil; a mesma unidade que na família está como sentimento do amor é sua essência; mas que, ao mesmo tempo, mediante o segundo princípio, do querer que-sabe e por si mesmo atua, recebe a forma de universalidade [que é] sabida; esta, como suas determinações que se desenvolvem no saber, tem, para o conteúdo e fim absoluto, a subjetividade que-sabe, isto é, quer para si mesma esse racional (HEGEL, 1995, p. 306).

A organicidade do pensamento de Hegel é estabelecida pela unidade cuidadosa através da qual ele pensa a relação do particular com o universal. Neste sentido, a subjetividade se diz sempre na relação segundo a qual ela é constituída na razão da totalidade dos elementos. Se em Hume a questão das relações – via dedução – é colocada sob forte suspeita, com Hegel, as relações jogam um papel central. O aspecto constitutivo do sistema desenvolve-se sempre na tensão das partes que compõem o todo e do todo que dá unicidade harmônica às partes distintas e que é sempre superior às partes. O “saber que-sabe”, a expressão da autoconsciência é uma prerrogativa que se desdobra também objetivamente no Estado e, subjetivamente, entre os indivíduos. O Estado é o realizador da síntese entre a objetividade e a subjetividade.

A ideia de um pacto ou contrato social como resultado da sociabilidade natural dos homens não faz sentido para Hegel. Não pode haver um caráter social, político ou ético (a totalidade ética) antes da constituição do Estado. Só faz sentido falar numa condição natural do homem para afirmar que ele deve “superá-la”, alienar-se dela, para mover a roda do tempo e fundar a história: a história humana. Segundo Hegel:

A expressão “direito natural”, que foi corrente para a filosofia do direito, encerra a ambiguidade [seguinte]: se é o direito enquanto presente no modo

natural imediato, ou se ele é visado tal como se determina pela natureza da

Coisa, isto é, pelo conceito. O primeiro sentido era o visado ordinariamente outrora, de modo que se imaginou, ao mesmo tempo, um estado de natureza em que devia vigorar o direito natural, é oposto a ele, o estado da sociedade e do Estado que antes exigiria – e traria consigo – uma limitação da liberdade e um sacrifício de direitos naturais. Mas, de fato, o direito e todas as suas determinações se fundam unicamente na personalidade livre, em uma autodeterminação que é antes o contrário da determinação-de-natureza. Por isso, o direito da natureza é o ser-aí da força, e o fazer-valer da

violência, e um estado-de-natureza é um ser-aí da força-bruta e do não- direito, do qual nada melhor se pôde dizer senão que é preciso sair dele. Ao contrário, a sociedade é antes o estado em que somente o direito tem sua efetividade: o que se tem de sacrificar é justamente o arbítrio e a força-bruta do estado de natureza (HEGEL, 1995, p. 289)

Hegel não nutre simpatias pelas “ficções metodológicas” de ordem experimental, seja no campo da filosofia seja nas ciências físicas e naturais. A ficção engendrada pelo jusnaturalismo moderno – ou pelo neo-contratualismo – não passa de uma artificialidade visto que o Estado só passa a existir com a história (e vice-versa). Além do mais, a teoria contratualista coloca o direito privado no lugar do direito público ao elaborar a “ficção do pacto” no estado de natureza. Como fundar direitos – e, sobretudo, direitos naturais – se a instância fundante do direito (o Estado) ainda não se constituiu? Nesta direção, que tipo de direito poderia surgir da natureza? Como? Para Hegel:

No ser-aí de um povo, o fim substancial é ser um Estado e, como tal, conservar-se; um povo sem formação-de-Estado (uma nação como tal) não tem propriamente história, assim como os povos existiram antes de sua formação-de-Estado, e outros que existem ainda agora como nações selvagens. O que acontece a um povo, e se passa no seu interior, tem, na sua relação ao Estado, sua significação essencial; as simples particularidades dos indivíduos são o mais distante que há desse objeto que pertence à história (HEGEL, 1995, p. 323).

Para Hegel, fazer o contrato assumir o papel do espírito objetivo, o papel do Estado, é tomar uma lógica do particular (do atomismo isolado) e, por conseguinte, da insuficiência, para fazê-la fundante da totalidade. A gênese do Estado não está radicada no contrato precário, no frágil acordo estabelecido pela carência dos homens. O individualismo abstrato do contrato não possui condições universais necessárias capazes de efetivar o bem comum a todos e a garantia do exercício de direitos políticos; apenas o Estado pode fazê-lo. A natureza do contratualismo não faz sentido; ela se mostra como um artifício metodológico para explicar algo que pode ser melhor explicado se se recorre à compreensão racional – portanto universal – da efetividade histórica, do ser objetivado no tempo, no espaço e na matéria. Tudo isso sem sacrificar-lhe o “movimento”, o impulso do Espírito através dos tempos e espaços (lugares) do mundo.

O caráter histórico dos direitos é colocado diante do caráter natural formulado pelo pensamento jusnaturalista moderno e seus pares conceituais mais relevantes: a igualdade e a liberdade. Hegel lança a desconfiança em relação à “naturalidade” desses direitos ao mostrar que sua constituição efetiva levou uma enormidade de tempo para acontecer. Se fossem

realmente naturais, teriam se efetivado sem muito esforço e não teriam demorado tanto. Hegel considera que:

Antes de tudo, no que toca à igualdade, a proposição corrente de que “todos

os homens são iguais” encerra o mal-entendido de confundir o natural com o conceito; deve-se dizer que por natureza os homens são, antes, somente

desiguais. Mas o conceito da liberdade – como inicialmente, sem outra determinação ou desenvolvimento, existe enquanto tal – é a subjetividade abstrata, como pessoa que é capaz de propriedade (§ 488); essa única determinação abstrata da personalidade constitui a igualdade efetiva dos homens. Mas que essa igualdade esteja presente, que seja o homem – e não somente alguns homens como na Grécia, Roma etc. –, que se reconheça como pessoa, e faça valer legalmente, eis algo que é tão pouco de natureza, que antes é só produto e resultado da consciência do mais profundo princípio do espírito, e da universalidade e avanço cultural dessa consciência. Que os cidadãos “são iguais perante a lei” [isto] encerra uma lata verdade; mas que, assim expressa, é uma tautologia; pois por ela só se exprime o estado legal em geral: que as leis imperam. Mas, no que diz respeito ao concreto, os cidadãos, fora da personalidade, só são iguais diante da lei no que, aliás, são iguais fora da lei [ou seja: em nada]. Somente a igualdade, presente aliás casualmente, de qualquer maneira que seja, da riqueza, da idade, da força física, do talento, da habilidade etc., ou ainda dos crimes etc., pode e deve, no concreto, fazer capaz de um igual tratamento perante a lei, com referência aos impostos, deveres militares, acesso aos empregos públicos etc., à sanção penal etc. (HEGEL, 1995, p. 308-9).

A “confusão” entre o natural e o conceito vem se desenvolvendo desde a Antiguidade e perdurou, pontualmente, ao longo da história da filosofia – de certo modo, ainda perdura em filosofias jusnaturalistas como a de John Finnis. Saber qual seria o elemento próprio ao conceito e qual seria o elemento próprio, justamente atribuído, à natureza, ao menos num sentido metodológico, implica na realização de uma distinção analítica. A analiticidade também faz parte de uma hermenêutica filosófica e alcança um relevante pico de maturidade com Kant no que respeita aos juízos analíticos e os sintéticos a priori e a posteriori; as divisões entre fato e valor só fazem sentido quando utilizadas classificatória e mitologicamente para fins de clareza especifica dos usos e sentidos expressivos da linguagem e sua relação com o real. Não há fato sem valor; o próprio fato é valor constituído conceitualmente; ele demanda não só o trabalho da mente, mas implica na existência de um mundo que se dê à mente como linguagem compreensível e “modulável” em outras formas de mental; aqui, especificamente, humana. Se se objeta que, quando se fala de valor, se fala dos valores éticos – bem, mal, dever, vício, virtude... por exemplo – emocionais ou estéticos, parece que se ignora um tanto rapidamente que a distinção é arbitrária e equivocada, embora pareça razoável. Quando se fala de fato quer dizer “um recorte objetivo da realidade”, um

“acontecimento”. Entretanto, para que se construa essa compreensão do “fato” não se pode abrir mão da atividade valorativa que permeia as relações entre linguagem, pensamento e mundo; Em suma: sem “atividade valorativa” não há fato. Está em jogo a própria gênese do conceito e sua pertinência, seus usos e sua relação linguística com os próprios sujeitos, com o mundo e com o “impulso” pela explicitação da condição do homem; está em jogo os limites entre o pensamento e linguagem e o que podemos fazer deles, filosoficamente. Mesmo as distinções “pedagógicas”, metodológicas, entre filosofia prática, metafísica e epistemologia, foram tomadas como barreiras intransponíveis entre áreas como se o pensamento fosse “por natureza” e, principalmente, atividade segregadora.

Essa discussão abre, progressivamente, a discussão em torno da “marca distintiva” da atividade filosófica, ela se dirige também à problematização do papel relacional da linguagem-mundo, linguagem-homem, na construção do conhecimento filosófico. O caráter sistemático do pensamento hegeliano envolve a exigência da distinção rigorosa (daquilo que é próprio ao pensamento, ao mundo, à linguagem, etc.) e, por isso mesmo, não abre mão da compreensão desses elementos no campo da relação, da constitutividade relacional, por implicações múltiplas, pelo que as coisas e as palavras espelham umas nas outras – e pelo que também ocultam –; enfim, na totalidade que é dada pela razão-mundo. E, se há a exigência de um rigor compreensivo, não é para fins de segregar, de erigir fronteiras de umas “coisas contra outras”, mas para indicar-lhes como elas só emergem, em conjunto, na relação, na totalidade. O que aparece na dialética hegeliana (tese, antítese e síntese) como parecendo estático e oposto, em separação, é, na verdade, movimento e encontro, a harmonia dos contrários, dança e abraço, sombra e luz, som e silêncio. Assim, para Hegel:

A palavra “mundo” inclui a natureza física e a natureza psíquica. A natureza física desempenha um papel na história do mundo e, desde o começo, devemos chamar a atenção para as relações naturais fundamentais envolvidas nisso. Mas o Espírito e o rumo de seu desenvolvimento são a matéria da história. Não devemos contemplar a natureza como um sistema racional em si, em seu domínio particular, mas apenas em sua relação para com o Espírito.

Depois da criação da natureza surge o Homem. Ele constitui a antítese ao mundo natural, é o ser que se eleva até o segundo mundo. Temos dois reinos em nossa consciência universal, o reino da Natureza e o reino do Espírito. O reino do Espírito consiste naquilo que é apresentado pelo homem (HEGEL, 2001, p. 61).

Tomar a natureza pelo conceito da natureza para, em seguida, falar de natureza como atributo necessário de uma coisa – fazer da natureza, essência – significa esvaziar o conceito

de natureza e, assim, perdê-lo na abstração. Na natureza, as coisas e os homens são simplesmente – e, as mais das vezes – desiguais; ocasionalmente, acidentalmente, são semelhantes, aproximadas, na igualdade presente casualmente e de qualquer maneira que seja. As leis de natureza, eternas e imutáveis, dos jusnaturalista não podem ser senão formuladas como produtos da consciência no seu desenvolvimento e isto significa: que eles só são pensáveis pertinentemente na dinâmica da progressão histórica. As leis da natureza abstrata não são, portanto, nem eternas nem imutáveis. Conforme arrazoa Tosi:

A história é, para Hegel, um contínuo progresso dialético de autoconsciência do Espírito, ou um contínuo progresso na consciência da liberdade. Por isso, Hegel critica a concepção jusnaturalista antiga que considerava as leis de natureza como prescrições divinas inscritas desde sempre no coração dos homens, porque o próprio Espírito se manifesta, se faz na história e adquire sempre mais consciência de si no longo e conflitante processo histórico. Da mesma maneira, são criticadas as leis eternas e imutáveis de Hobbes e, depois dele, de todos os jusnaturalistas que nada mais são de que uma secularização das leis divinas da tradição medieval (TOSI, 2013, p. 5)

Num esforço de “religar” a ética à política – tal qual no mundo antigo –, de restituir- lhe a unidade, Hegel erige a eticidade (Sittlichkheit) entre a moral e o direito. A eticidade é esfera própria dos valores comuns e característicos de uma cultura, de um povo; é a manifestação do espírito do povo (Volkgeist), sua encarnação na constituição, em sua expressão sistemática e própria. Sem a esfera dos valores de um povo, não é possível nem a moral, nem o direito nem a política; todos se articulam na dependência dos valores. E