• Nenhum resultado encontrado

Fundamentos Subjetivos dos Direitos Humanos 1 A Teoria da Vontade de Alan Gewirth

FUNDAMENTOS POSSÍVEIS DOS DIREITOS HUMANOS 4.1 Kant e o Fundamento Antropológico-transcendental dos Direitos Humanos

4.2 Fundamentos Subjetivos dos Direitos Humanos 1 A Teoria da Vontade de Alan Gewirth

Outra tentativa de fundamentação dos Direitos Humanos é encontrada no “racionalismo ético” (lógico-analítico) do filósofo americano contemporâneo Alan Gewirth (1912-2004). No plano “doméstico”, a teoria de Gewirth desenvolveu-se no escopo da contracultura americana, do desenvolvimento dos conflitos raciais, da Guerra Fria e da guerra do Vietnam. Num panorama mundial, entre guerras, ditaduras, invasões, conflitos “religiosos”, Gewirth “testemunhou” alguns dos momentos mais conflitantes do século XX e, porque não dizer, de toda a história mundial até o momento. Assim, globalmente, a proposta de Gewirth é elaborada a partir de tensões e eventos tão cruciais quanto paradoxais.

O racionalismo ético de Gewirth propõe que os direitos humanos sejam fundamentados na autonomia pessoal do sujeito que, da vontade, realiza a liberdade e “persegue” seu bem-estar, quer dizer, na “possibilidade” latente de desenvolver, racionalmente, sua liberdade e, assim, sua capacidade de reconhecer, decidir e buscar o seu bem-estar, autônoma e conscientemente89. Consequentemente, ele demanda uma

individualidade capaz de realizar sua sociabilidade, uma individualidade “esclarecida”, crítica e, sobretudo, autocrítica. Para Gewirth, cada indivíduo está apto a buscar seu “bem-estar”, seu fim, eticamente, desde que aja em conformidade com a razão; não apenas as “razões” que emanam de sua razão; ele deve considerar as vontades dos “outros” e suas razões, liberdade e bem-estar. Deste modo, Gewirth procura estabelecer, no extremo de sua teoria, a “busca inerente e comum pelo bem-estar” e, noutro, fundar a liberdade de escolha e de ação da vontade no critério racional que nos leva a escolher a melhor dentre todas as possibilidades.

Nesta direção, Gewirth pensa o direito em seu quadro axiológico – e sua necessidade – , no conjunto das interações sociais em conexão com a práxis, ou seja, pensa no exercício

89 Isoladamente, em teoria, isto pressupõe, ao menos, algumas coisas: completo ‘automatismo’ – ou uma ‘lógica da vontade abstrata’ –, linearidade e homogeneidade do processo (pedagogia) que leva à autonomia, além do que o termo “bem-estar” significará e será referido do mesmo modo – ou analogamente e às mesmas situações, necessidades ou objetos.

recíproco da autonomia pessoal dos múltiplos agentes/sujeitos de ação e suas implicações/responsabilidades geradas. As inadequações e os entraves tornam claras que a ação deve respeitar um princípio “mediador” claro, acessível a todos e que tenha como ponto de partida um “valor”, uma verdade inegável, que conduza a uma concordância inelutável. Neste sentido, surge outro elemento comum aos indivíduos: seu caráter prático constitutivo. Todo indivíduo efetiva sua “natureza” prático-racional – e, portanto, ética – ao agir; o livre empreendimento de ações que visem, racionalmente, ao bem-estar caracteriza o “agente racional propositivo” do racionalismo ético de Gewirth.

Assim, o sentido da ação é o bem-estar e – a exemplo de Ockham – ele só pode ser atingindo na vontade que, no entanto, não abre mão da razão: se todos os seres humanos desejam e buscam o bem-estar, são racionais;assim, capazes de atingir a liberdade, logo todos estão ligados entre si na perspectiva de uma mútua responsabilidade, quer dizer, encontram-se numa disposição “recíproca” e a ação deles produz os mais diversos níveis de comprometimento entre os agentes. A “firmeza” das relações estabelecidas entre eles provem da consciência racional de que a liberdade e o bem-estar não podem ser restringidos sem causar dano e ruína mútua; um dano que se mostraria tanto na constituição geral da comunidade quanto da vida individual. O compromisso decorrente do compartilhamento de “características” marcadamente semelhantes – busca pelo bem-estar, racionalidade e ação propositiva – lança o sujeito na via de autodeterminação própria e relacionada com o outro; essa condição não possui uma finalidade aleatória. Ao contrário, ela visa o bem-estar individual dos agentes e, consequentemente, o bem-estar da comunidade de um modo geral. Assim, a partir da reflexividade da razão e da autonomia individual possibilitada pela liberdade, o bem-estar pode ser “perseguido” de modo mais abrangente do que o dos interesses privados ou mesmo do egoísmo.

No caráter reflexivo do indivíduo, a razão imprime um sentido necessariamente deôntico à ação ao relacionar a liberdade à busca do bem-estar. Será a estrutura deôntica da ação entre sujeitos comunitários que tornará possível falar de uma moralidade universal dos agentes e da ação. E é nessa direção que Gewirth estabelecerá um vínculo indissociável entre a fundamentação/validade dos direitos humanos e a liberdade racional formulada na autonomia pessoal do agente.

Em Reason and Morality (1978), Gewirth inicia sua reflexão problematizando e ressaltando o caráter necessário da fundamentação racional de um princípio ético-moral: a determinação de um princípio diretivo da ação, fundamentado racionalmente (rationally grounded). Segundo Gewirth, tal princípio não só seria capaz de servir de base para o

estabelecimento de normas de conduta; ele seria capaz de gerar um critério seguro para o “ajuste” de conduta e, sobretudo, apontar o sentido da ação humana. Assim, ele justificaria e determinaria o lugar da condição animal humana entre os demais animais como um lugar predominantemente moral; o que, a princípio, parece um ponto de partida para responder à objeção feita por James Rachels de que não há um critério que justifique a atribuição de direitos para animais humanos e a negação destes direitos para animais não humanos.

Portanto, agir no campo de um critério moral significaria agir no próprio processo constitutivo da condição humana e, agir em desacordo com a moralidade, significaria agir em desacordo com a própria humanidade e, assim, alienar-se da própria condição distintiva, privilegiada. Para Gewirth, optar por este caminho implicaria numa série de consequências perigosas e potencialmente danosas: abrir mão da razão implica em abrir mão da própria humanidade, ou seja, dos valores, da moralidade, das leis, da legalidade, da moral, da justiça, enfim, dos direitos humanos. Ora, além disso, negar essa condição seria incorrer em grave contradição consigo mesmo, pois se trataria da negação de um princípio-guia e de um critério mediador para a ação. Assim, a possibilidade de justificação/fundamentação estaria minada desde a base.

Na direção de consolidar sua posição teórica, metodologicamente, Gewirth considera outras possibilidades de fundamentação – embora exclua todas elas como insuficientes. Para o filósofo americano, o princípio mediador não pode ser intuitivo, pois os princípios morais não são autoevidentes. Segundo Gewirth, o intuicionismo90 ético não contém um princípio

ou um imperativo – em sua estrutura que forneça um critério moral claro e universalmente válido: as escolhas e ações são deixadas ao sabor das preferências subjetivas. Com isso, diante da incapacidade de formular e apresentar conceitos racionais e livres de ambiguidades, o critério seria baseado na ideia/impressão geral, na intuição, que cada um tivesse a respeito do bem-estar, por exemplo; os critérios e/ou suas interpretações seriam, pois, tantos quantos fossem os indivíduos e um acordo seria praticamente impossível. Não se exclui, tampouco, a

90 Segundo do Dicionário de Filosofia Ferrater-Mora: “Pode-se falar em intuicionismo em, pelo menos, três sentidos, quais sejam: (1) intuicionismo matemático (e lógico), (2) intuicionismo geral (metodológico) e um intuicionismo ético. No intuicionismo “lógico-matemático”, nem todo enunciado necessita necessariamente ser verdadeiro ou falso nem possui valor de verdade diferente. Ela usa um critério diferente de verdade que se refere a proposições matemáticas e não proposições de qualquer tipo. Já o intuicionismo geral diz respeito ao campo epistemológico geral e sustenta que a base mais fundamental do conhecimento é intuitiva, ou seja, todo conhecimento procede de princípios que são evidentes por eles mesmos; estes mesmos princípios prescindem de processos racionais: são ideias que surgem espontaneamente, de forma clara e não precisam de explicações ulteriores. Já na ética, o intuicionismo surge como uma doutrina moral que lida com princípios morais irredutíveis a outros como, por exemplo, o bom, o justo, “obrigação moral”, entre outros. Trata-se de princípios primários não “traduzíveis” em outros termos cuja compreensão só se faz via intuição” (MORA, 1994, p. 1555- 1556).

possibilidade de uma mudança intuitiva, ou seja, de que a intuição de um indivíduo – ou vários – sofra mudanças “inesperadamente” e sem motivo razoável.

Um fundamento capaz de gerar um critério claro e seguro não pode, para Gewirth, ser também de ordem convencional (baseado irreflexivamente em hábitos, e costumes culturais, históricos, sociais tácitos ou declarados); um fundamento convencional – portanto, abertamente “relativo” – não escaparia de nenhum dos riscos apresentados por um fundamento baseado no ideário ético intuiticionista. Ele sofreria o risco de que o “referente” que serve de base para o estabelecimento da convenção fosse trocado “inadvertidamente”. Seria necessário, nesse caso, um critério rígido perante o qual, mediante consulta, a mudança do referente criterial seria, ou não, autorizada. De qualquer modo, um “critério menos relativo” não impediria que o fundamento fosse mudado conforme conveniências de múltiplos tipos. Ora, um “fundamento relativo” que demanda um critério “não-relativo” parece denunciar/reconhecer sua própria fragilidade, além de cair em contradição. A convenção previamente firmada estaria submetida à “dobra da vontade” e seus caprichos, das necessidades materiais, emocionais e de outras forças nas quais é impossível confiar. A aceitação do convencionalismo implica, ainda, tanto na aceitação do relativismo como na aceitação do intuicionismo; e ambos, para Gewirth, não apresentam nenhum escopo sob o qual os direitos possam ser protegidos.

Assim como Kant, Gewirth sustenta que um fundamento tampouco poderia ser de

inspiração empírica, quer dizer, baseado em pressupostos da experiência científica (física,

biologia, química, etc.) ou da experiência sensível em geral; não poderia, por conseguinte, ser tributário dos sentidos. Tanto o mundo “exterior”, concreto, quanto a percepção podem apresentar – e comumente apresentam – falhas e/ou enganosos. Além do mais, o mundo e a experiência sensível são contingentes e relativas; eles não oferecem qualquer “porto absolutamente seguro e tranquilo” no qual atracar o navio.

No sentido de deixar o caminho “limpo”, Gewirth elimina a possibilidade de uma

justificação não-cognotivista dos direitos humanos, ou seja, dita irracionalista, como, por

exemplo, o emotivismo moral de Hume, John Stuart Mill ou a “sentimentalidade” de Richard Rorty. As emoções não podem ser ponto de partida. Segundo Gewirth, as emoções – tal qual as conhecem os humanos – só são possíveis devido ao concurso da razão, do desenvolvimento que ela proporciona através de seus inúmeros instrumentos pedagógico-culturais. Ainda assim, nenhuma delas conseguiria resistir a “inconstância” do real, resistir aos apelos das mais diversas ordens: das “seduções”, das paixões aos arroubos do ódio e do ressentimento.

Deste modo, para o “racionalismo ético”, apenas um princípio estritamente racional

poderia determinar um fundamento capaz de oferecer um critério comum, dotado de certeza absoluta e válido acima das intempéries, das inconstâncias do devir, humano ou natural, do mundo; apenas um princípio racional seria capaz de determinar a realidade de acordo com a verdade: a verdade inescapável de que todo ser humano sem exceção age na liberdade91 – é

livre – e o faz buscando seu bem-estar. À moda de Kant – embora sem a sua arquitetônica conceitual –, Gewirth trata de determinar a vontade e a ação conforme os imperativos de ação fundados racionalmente. Analogamente às intuições – do intuicionismo, não as kantianas –, as emoções não são seriam capazes de oferecer um critério “irrestritamente válido, verdadeiro e seguro” para a “fundamentação” dos direitos humanos.

Apesar de sua posição racionalmente tradicionalista, Gewirth não desconsidera as condições concretas e sua relevância. Entretanto, ele julga os pressupostos conceituais empiristas como frágeis e não confiáveis; assim, prefere apelar para princípios que considera fortes, inegáveis, isto é, estritamente racionais.

Por ser tributário de uma exigência consolidada ao longo da história da filosofia, Gewirth rejeita perspectivas que não sejam claras, distintas, necessárias, seguras e universais; os princípios e proposições “não estritamente racionais” não são confiáveis. Destarte, para Gewirth, nenhuma das propostas de fundamentação filosófica dos direitos humanos citadas logo acima (intuicionismo, emotivismo, convencionalismo ou empirismo) é capaz de oferecer um princípio rigorosamente lógico e, do ponto de vista epistemológico e cultural, universalmente aceitável; nenhum deles é capaz de apresentar um princípio fundador- justificador fortemente racional que esteja acima das contingências dos interesses (individuais ou de grupo sociais), das contingências culturais, de ordem natural ou, ainda, de qualquer outra ordem. Gewirth miranum princípio que, estando acima das contingências conhecidas – e implicitamente das contingências potenciais ou ainda desconhecidas – funcione como um critério claro e seguro para orientar a ação e mediar os conflitos de modo justo e eficiente.

91 À propósito da liberdade, lembremos de Kant na Doutrina do Direito: “A liberdade (a independência de ser constrangido pela escolha alheia), na medida em que pode coexistir com a liberdade de todos os outros de acordo com uma lei universal, é o único direito original pertencente a todos os homens em virtude da humanidade destes. Este princípio de liberdade inata implica as seguintes competências, que não são realmente distintas dela (como se fossem integrantes da divisão de algum concito superior de direito): igualdade inata, isto é, independência de ser obrigado por outros a mais do que se pode, por sua vez, obriga-los; daí uma qualidade humana de ser o seu próprio senhor (sui iuris), bem como ser um ser humano irrepreensível (iusti), visto que, antes de realizar qualquer ato que afete direitos, não causou dano algum a ninguém; e, finalmente, está autorizado a fazer aos outros qualquer coisa que em si mesma não reduza o que é deles, enquanto não quiserem aceitá-la – coisas como meramente comunicar suas ideias a eles, dizendo-lhes ou prometendo-lhes algo, quer o que diga seja verdadeiro e sincero o falso e insincero (veriloquium aut falsiloquium), pois lhes cabe inteiramente se disporem a nele acreditar ou não (KANT, 2003a, p. 83-84).

A exigência racional de Gewirth implica uma perspectiva lógico-analítica marcada por um viés formalista; sua definição de moral/moralidade apresenta traços de um formalismo racionalista pontuado por termos jurídicos como obrigação/obrigatório (obligatory), mandatório (mandatory), normativo (normative). Nesta perspectiva, Gewirth procura isolar o sentido comum presente nos vários significados de moralidade para apontar um “centro conceitual” partilhado por todos eles. Com isso, Gewirth tenta eliminar os aspectos contingentes e acidentais que cada significado possui, deixando apenas elementos que subsistem para além das variáveis culturais, históricas, socioculturais ou mesmo de distintas escolas de pensamento. Destarte, para Gewirth, trata-se de perceber que:

Dentre os diversos significados de “moralidade” e “moral”, certo núcleo deve ser trazido à tona. De acordo com isto, a moralidade é um conjunto de exigências categoricamente obrigatórias para a ação que visa, ao menos em parte cada agente real ou potencial, e que diz respeito à promoção de interesses, especialmente os interesses mais importantes de pessoas ou destinatários distintos ou mesmo além do agente ou do falante. As exigências são categoricamente obrigatórias em sua observância sendo obrigatórias para a conduta de qualquer pessoa à qual forem dirigidas independente de ou se ela queira aceitá-las ou aos seus resultados, e também independente das exigências ou de quaisquer outras instituições tais como a lei ou [as regras de] etiqueta, cuja obrigatoriedade deva ser ela própria dubitável ou variável. Assim, apesar de uma exigência moral possa ser sobrepujada por outra, ela não pode ser sobrepujada por nenhuma exigência não-moral, nem sua vinculação normativa pode ser precedida por inclinações, opiniões ou ideais de um indivíduo92 (GEWIRTH, 1978, p. 1).

Para Gewirth, é possível perceber e estabelecer um núcleo elementar estável ao examinar as mais variadas propostas de definições de moral ou moralidade; deve-se, assim, eliminar as especificidades de cada definição e se concentrar no que cada proposta possui em comum com as propostas “concorrentes”. Ao realizar tal procedimento, Gewirth conclui que nenhuma das propostas poderia abrir mão de um conjunto de exigências inapeláveis, categoricamente obrigatórias, para a ação. Estas exigências impõem-se independentemente: não relacionam-se às contingências naturais – para Gewirth, qualquer proposta de

92 “From among the diverse meanings of “morality” and “moral” a certain core meaning may be elicited. According to this, a morality is a set of categorically obligatory requirements for action that are addressed at least in part to every actual or prospective agent, and that are concerned with furthering the interests especially the most important interests, of persons or recipients other than or in addition to the agent or the speaker. The requirements are categorically obligatory in that compliance with them is mandatory for the conduct of every person to whom they are addressed regardless of whether he wants to accept them or their results, and regardless also of the requirements of any other institutions such as law or etiquette, whose obligatoriness may itself be doubtful or variable. Thus, although one moral requirement may be overridden by another, it may not be overridden by any nonmoral requirement, nor can its normative bindingness be escaped by shifting one’s inclinations, opinions, or ideals” (todas traduces são nossas, exceto quando indicado).

fundamentação naturalista/biológica é contingente e não pode ser levada a sério – ou culturais, nem muito menos preferências pessoais, de grupos ou institucionais, jurídicas. As exigências não devem, sequer, ser minimizadas em função de eventuais resultados contrários a esses interesses ou expectativas.

Entretanto, na esfera de ação relativa aos interesses do agente individual – a esfera do conflito de interesses, das “contingências”, das “contradições” teóricas ou performativas, etc. –, Gewirth (GEWIRTH, 1987, p. 3) pergunta-se sobre parâmetros e critérios morais para a ação e, assim, se é possível apresentar alternativas práticas, “ético-epistemológicas”, às perguntas/conflitos fundamentais da filosofia moral, além de diretrizes práticas para o agente. Deste modo, as questões seguintes são levadas em consideração: (a) Por que alguém deve agir moralmente (seguir princípios, utilizar critérios morais mediadores em função do bem de outras pessoas ou para dirimir conflitos de interesse, etc.)? (b) Há um critério capaz de fazer saber quais são os bens que se devem levar em consideração e, em seguida, entre eles, quais são os mais importantes? (c) Além de seus próprios razões, quais outras o indivíduo deveria levar em conta ao agir e por quê?

Se a moralidade consiste em um “núcleo comum de requisitos categoricamente obrigatórios”, necessários, apresentados pela razão93, e se a liberdade e o bem-estar fundam a

ação autônoma do sujeito, a “natureza” do sujeito/indivíduo emergirá na “capacidade para a ação racionalmente intencional” (capacity for rationally purposive agency). A partir do reconhecimento/identificação desta capacidade, seguir-se-ão os elementos constitutivos das razões imperativas da ação moral. Com isso, pode-se identificar uma hierarquia de bens e sua importância, bem como ocritério mediador entre os interesses do indivíduo e da comunidade da qual faz parte. A capacidade de agir livremente em busca do bem-estar e, por isso, reclamar seus interesses, reivindicações e direitos, está intrinsecamente relacionada à capacidade de ação; para Gewirth ela é unicamente humana, necessariamente humana. Ela só é possível enquanto constituída na esfera de quatro elementos conceituais: a razão, a linguagem, a liberdade e a busca pelo bem-estar.

Todo ser humano é, em primeiro plano, um agente; em segundo, um agente que busca um resultado (o bem-estar) através de sua ação. Para Gewirth, o que deve ser notado e ressaltado como caráter necessário do indivíduo é sua condição como agente e o aspecto axiológico, intrinsecamente necessário, contido em cada ação; as motivações que o impelem à

ação – sejam boas ou más – são contingentes. Assim, se um agente possui um “objetivo”, ele deve pressupor, conhecer e aceitar logicamente os meios necessários para atingi-lo.

O fundamento mínimo de toda ação está na possibilidade de agir (liberdade) e no sentido da ação (bem-estar). Partindo desta consideração, Gewirth afirma que a ação possui uma estrutura deontológica94: é a partir da capacidade de julgamento deôntico que o agente

pode visar seu próprio bem-estar. E é precisamente o “valor” de cada ação que torna possível a passagem de uma estrutura deontológica para uma estrutura moral da ação. Para caracterizar-se como um agente racionalmente propositivo, o indivíduo deve aceitar que as condições necessárias da ação – liberdade e bem-estar – são inescapáveis e que elas