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O Direito Natural na Idade Média

ANOTAÇÕES PARA UMA HISTÓRIA CONCEITUAL DOS DIREITOS HUMANOS

2.2. O Direito Natural na Idade Média

Concluída a reflexão em torno da contribuição conceitual estóica para formação do ideário dos direitos humanos, remeteremos ao ambiente filosófico medieval devido à inegável riqueza filosófica e às imprescindíveis contribuições conceituais. Sem detrimento dos demais clássicos medievais, consideraremos um quarteto imensamente significativo para o pensamento de modo geral, bem como para nossos propósitos particulares, quais sejam: Santo Agostinho, Santo Tomás de Aquino, Duns Escoto Erígena e Guilherme de Ockham. De qualquer modo, avançaremos pelo trabalho com a “consciência” de que toda escolha é questionável – inclusive as realizadas aqui – porque refletem circunstâncias, limitações ou preferências relativas ao “autor”.

Entretanto, antes de remeter a Tomás de Aquino – e, obviamente, longe de pretensões “definitivas” –, dedicaremos algumas considerações a Santo Agostinho (Tagaste, 354-430). No livro X das Confissões, fica clara uma das contribuições mais relevantes da tradição cristã de pensamento para a constituição conceitual da subjetividade: tanto do ponto de partida, das citações dos Salmos e das Cartas de Paulo aos Coríntios, quanto do desenvolvimento de uma vida interior a partir do conceito de memória, Agostinho – muito antes de Descartes, que lhe deve muito mais do que comumente se admite – formula as bases para uma compreensão do “si mesmo” a partir de um mergulho na vida interior.

Assim, através das lembranças, Agostinho lança as bases filosóficas para a formação do conceito de subjetividade. Como as lembranças não são apenas reminiscências da luz original da razão, como, por outro lado, elas são geradas pelas experiências da vida presente, Agostinho traz à tona o papel do “mundo exterior” na constituição da subjetividade. De certo modo, o Bispo de Hipona acaba evocando o caráter constitutivo que outras realidades (experiências, teorias, pessoas) possuem na emergência do sujeito filosófico. Em tom confessional, Agostinho relata:

Dirigi-me, então, a mim mesmo, e perguntei-me: "E tu, quem és?" "Um homem", respondi. Servem-me um corpo e uma alma; o primeiro é exterior, a outra interior. Destas duas substâncias, a qual deveria eu perguntar quem é o meu Deus, que já tinha procurado com o corpo, desde a terra ao céu, até onde pude enviar, como mensageiros, os raios dos meus olhos? À parte interior, que é a melhor. Na verdade, a ela é que os mensageiros do corpo remetiam, como a um presidente ou juiz, as respostas do céu, da terra e de todas as coisas que neles existem, e que diziam: "Não somos Deus; mas foi Ele quem nos criou". O homem interior conheceu esta verdade pelo ministério do homem exterior. Ora, eu, homem interior — alma —, eu conheci-a também pelos sentidos do corpo. Perguntei pelo meu Deus à massa do Universo, e respondeu-me: "Não sou eu; mas foi Ele quem me criou" (AGOSTINHO, 1980, p. 214).

Ao desenvolver filosoficamente o campo da vida interior, Agostinho fornece não só à filosofia um novo plano de pesquisa e compreensão do homem. De forma mais bem acabada, ele proporciona as condições basilares à formação de uma esfera cara ao pensamento moderno – incluindo o pensamento jurídico moderno – e à construção da ideia de “direitos humanos”: da alma, o Bispo de Hipona começa a dar forma ao sujeito. E ele o faz instanciando fortemente a realidade da alma em um elemento que é tão fugidio quanto fundamental: a memória. Com isso, o caráter racional reconhece um elemento do qual ele não pode abrir mão para dizer-se: os vastos palácios da memória – que também hospedam consigo os sentimentos das experiências vividas – tornam-se imprescindíveis para pensar a identidade do sujeito no sentido de sua singularidade, de sua irredutibilidade à mera “coisa existente”, seja no sentido racional, seja no sentido emocional. Com Agostinho, a vida interior é desdobrada mais explicitamente do que dantes fora e interpretada com ênfase original.

A conexão necessária entre a alma-razão e a luz divina – e o sutil papel da memória na constituição do sujeito – conhecerá outras implicações importantes: o direito natural de raízes gregas e com forte e próxima referência à physis – ainda que não seja a “natureza biológica” contemporânea –, sofrerá mudanças na direção de redefinir a compreensão de natural no sentido dado pelo pensamento cristão: o natural é definido como “elemento essencial”,

característica da qual não se pode abrir mão sem perder a identidade: em relação ao homem, ela apelará para o logos grego – muitas vezes planificado unilateralmente como a razão- cálculo – e para a ratio latina. Esse elemento ineludível da condição humana predominantemente remete, no medievo, à anima e ela não pode ser pensada sem apelo à luz natural da razão e, sobretudo, à fonte original dessa luz, isto é, Deus. Deste modo, as várias maneiras através das quais a relação entre matéria e substância, physis e nomos, é pensada pela cultura grega como uma intimidade profunda, como imanência, são substituídas pela cisão radical entre alma e matéria, espírito e corpo, natureza física e cultura (enquanto objetos produzidos pelo “espírito”, cultivados pela razão). O caráter vital da natureza é alienado e instanciado numa esfera que a cria e põe-na em movimento para depois “retirar-se”.

Por conseguinte, na medida em que, com o pensamento cristão, há um ganho considerável com a abertura para a formulação do conceito de subjetividade, a decantação do espírito-razão pelo “cadinho” da luz natural divina implica no esvaziamento do natural contido no conceito de natureza para preenchê-lo como racional, necessário e verdadeiro, com a essentia. Ocorre a gênese de um homem sem corpo na medida em que sua “animalidade”, sua vitalidade natural, foi elidida conceitualmente. É aberto, pois, o campo no qual os direitos econômicos conhecem seu lugar “eternamente” secundário. E os direitos naturais – resignificados como subjetivos – ganham sua proeminência: a liberdade em filosofia vincula- se tradicional e dominantemente mais com a autodeterminação – que só é possível graças à razão – do que com as condições materiais para seu exercício, enfim, do que com a materialidade na qual e diante da qual essa subjetividade está posta e não dela não pode abrir mão. Modernamente – e somos mais herdeiros da moderna cristandade –, essa liberdade “abstrata” está estritamente vinculada à vontade, não se separa da realidade subjetiva, ideal, formal, imaterial, do verbo, à revelia dos parâmetros concretos da vida. A ênfase na constituição “metafísica” do homem passou da razão – disfarçadamente deificada, erroneamente pensada como absoluto abstrato – para a autonomia da linguagem, do discurso, do texto. Nesta posição, a “espiritualidade” humana continua posta de modo definidor. Uma teoria pura do direito é filha dessa mutação.

Se em Santo Agostinho encontramos a emergência das condições para a constituição da subjetividade, em Santo Tomás de Aquino (Roccasecca, 1225-1274), sob um “logos divino”, a transformação da natura em ratio, em essentia, se completará e legará à modernidade as bases segundo as quais ainda se insiste na divisão entre direitos naturais e positivos e, do ponto de vista prático jurídico, entre direitos humanos subjetivos e direitos humanos econômicos. Neste sentido, Billier e Maryioli afirmam que:

A concepção tomista do direito é inteiramente essencialista (o direito tem um fundamento racional, ele existe em si, independente das vontades, ele é anterior ao indivíduo que o estabelece e ao Estado) e prudencial (o conteúdo do direito é determinado pela razão humana especulativa e pela razão prática em seu contato com o real). A ordem jurídica não é, nesse sentido, submetida a uma norma moral ou natural preestabelecida em Tomás: existe somente pelas determinações prudenciais operadas pelo homem. Mas, uma vez que o direito enquanto tal supõe a meta de um Bem, há nesta determinação prudencial a construção simultânea de uma ordem jurídica e moral, com a justiça legal assegurando a realização e a execução dessa ordem. O que é notável em Tomás é esta conciliação permanente da transcendência de Deus (e aqui, nesse sentido, da lei divina) e de uma confiança imensa depositada na razão humana. O poder legislativo do homem é portanto real para Tomás. O homem pode determinar de maneira autônoma, racional e livre o justo positivo. Mas a confiança não é cega: esse poder, seja ele bem compreendido, é ao mesmo tempo limitado e relativo: o homem não pode decidir realmente entre o justo e o injusto fora do quadro de sua competência legislativa. Dito de outra forma, ele não pode legislar contra a natureza, isto é, no sentido de Tomás, contra a razão, já que sua natureza é precisamente a de ser um animal racional; e ainda menos contra a lei divina, já que esse aristotelismo se situa em um quadro não aristotélico: o da Revelação (BILLIER; MARYIOLI, 2005, p. 126-127).

Em relação a Agostinho, há em Tomás uma recuperação de certa validade do “profano” em relação ao divino; o âmbito do mundo não está mais completamente corrompido pelo pecado; ele é imperfeito e dependente, é também uma criação de Deus e ainda abriga uma expressão da centelha da suma razão: o homem. Ele é o legislador que pode e deve legislar conforme a luz natural da razão. Entretanto, aqui o “racional” do homem deverá ser definido sempre e em última instância em relação ao natural divino, pois a porção natural do homem só pode ser dita através daquilo que lhe concedeu a essência: Deus. A natureza-essência do homem é divina; o natural e o não-natural – o racional e não-racional –, quer dizer, o que é “próprio” do homem, serão determinados em relação à “moral cristã” e seus referenciais teóricos: a Igreja, a Bíblia, etc.

Com Aristóteles, Tomás pensa o mundo conforme uma hierarquia de relações que tendem a um fim. Essa hierarquia é regida pelas leis naturais no sentido natural-racional, ou melhor, as leis de Deus operando na natureza criada. Por força do cristianismo, a transcendência – não de ordem platônica – permanece presente na filosofia de Tomás de Aquino tanto quanto a imanência de Aristóteles. O caráter imanente está na anima da natureza; o caráter transcendente está em que, sem Deus – que é exterior a ela –, não há anima. A “razão divina” perpassa toda a criação, hierarquicamente e de modos distintos. Ela

define a graça e a decadência segundo a essentia (natura) goza da plena perfeição: é autônoma, necessária e constitutiva sem nunca ser constituída. De acordo com Villey:

A ideia de que o mundo implica uma ordem e não efeito do acaso era o legado comum de Aristóteles, de Platão, dos estóicos; são Tomás encontrou confirmação dessa tese em certos textos do Gênese e no conjunto do dogma cristão. Em sentido amplo, o direito natural está ligado à hipótese teísta de que o mundo é a obra inteligente e benfazeja de um criador, de um Deus ordenador (tal como o oleiro de Aristóteles) pelo menos, e, ao contrario, a negação do direito natural é o corolário do ateísmo. Ora, a ideia de natureza, no âmbito de uma visão religiosa do mundo, tornara-se ainda mais precisa com os neoplatônicos, nos comentários do Timeu (tão praticados na Idade Media), e sobretudo, em definitivo, na doutrina escolástica das causas

segundas: Deus, causa de tudo, abstém-se de agir de modo direto sobre cada

fato particular. Assim como, para poupar trabalho, um impressor confia parte de sua tarefa ao funcionamento automático e regular das rotativas, também o criador age por meio das causas segundas: a cada espécie de coisa ele atribui suas leis naturais, sua natureza. O fogo, por natureza, se eleva, e o corpo pesado tende para baixo, exceto em caso de milagre. Por isso, a doutrina de Aristóteles da ordem natural é transplantada por são Tomás para a fé cristã. Toda regra, mesmo que “natural”, nem por isso deixará de proceder, nessa perspectiva, de Deus, indiretamente (VILLEY, 2009, p.141).

É nesta direção que, logo em seguida, Villey afirma que:

São Tomás colocou no cume de todo o sistema legislativo a lex aeterna tomada de santo Agostinho: razão de Deus ordenando o cosmo. O mundo é cheio de ordem: como a própria inteligência pagã bem soube perceber, ele é logicamente composto de gêneros, de espécies e de indivíduos (...). Além disso, nesse conjunto, cada ser ou gênero de ser tem sua ordem, que rege seus movimentos próprios (pois o universo de São Tomás, assim como o universo de Aristóteles, é um universo dinâmico, onde o essencial é movimento, passagem da potência ao ato). Cada movimento dos seres obedece às leis de sua natureza, que os impele a um determinado fim, à plenitude do ser. Os animais seguem essa ordem instintivamente: assim, o instinto impele o animal para o ato sexual, e esse ato serve a um fim que é a conservação da espécie. Os movimentos do homem também seguem as leis de sua natureza por instinto, pois ele pertence ao gênero animal. Mas sua diferença específica está em também obedecê-las, em parte, racionalmente, isto é, com liberdade: o homem tem o privilegio de poder se afastar da ordem natural (VILLEY, 2009, p.141-142).

O homem afasta-se da ordem natural mais rude em direção de uma “natureza mais pura” porque mais racional e, por conseguinte, mais divina. Não se trata, assim – como fica claro –, da natureza indiferente, autônoma, mecânica, que começa a ser pensada na modernidade com o surgimento da física e, mais tarde, com a Teoria da Evolução de Darwin.

É uma natureza cuja essência – e sua explicitação –, antes de ser racional, é divina e, desta feita, guiada por uma teleologia moral cristã. São Tomás afirma:

O direito (jus) ou o justo natural (jus naturale) é o que, por natureza, é ajustado ou proporcional a outrem. Ora, isso se pode dar de duas maneiras: primeiro, segundo a consideração absoluta da coisa em si mesma. Assim, o macho, por natureza, está adaptado à fêmea para dela gerar filhos; e o pai, ao filho, para que o nutra. – segundo, algo é naturalmente adaptado a outrem, não segundo a razão absoluta da coisa em si, mas tendo em conta as suas consequências: por exemplo, a propriedade privada. Com efeito, a considerar tal campo de maneira absoluta, nada tem que o faça pertencer a um indivíduo mais do que a outro. Porém, considerando sob o ângulo da oportunidade de cultivá-lo ou de seu uso pacífico, tem certa conveniência que seja de um e não de outro, como o Filósofo o põe em evidência.

Ora, apreender as coisas de maneira absoluta não convém apenas ao homem, mas também aos animais. Eis por quê, o direito chamado natural, no primeiro sentido, nos é comum, a nós e aos animais. “Do direito natural assim entendido, afasta-se o direito das gentes (jus gentium),” no dizer do jurisconsulto; “pois, aquele é comum a todos os animais, este, porém somente aos homens entre si”. Ora, considerar alguma coisa, confrontando-a com suas consequências, é próprio da razão. Portanto, isso é natural ao homem, segundo a razão natural, que dita esse proceder. Assim, o declara o jurisconsulto Gaio: “aquilo que a razão natural estabelece entre todos os homens, todas as nações o observam, e se chama o direito das gentes” (SÃO TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 50-51)23.

É a visão de divisões naturais mais rígidas deste universo conceitual que abrirá precedentes para a formulação da curiosa – e contemporânea – teoria dos direitos humanos de John Finnis declaradamente inspirada no direito natural tomista; uma teoria que é racionalmente elaborada em defesa da vida, da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas para, por fim, condenar uma prática cultural – uma das expressões do amor- sexualidade humano – tão válida quanto aquelas que são praticadas mediante consentimento livre, consciente e “em tempo biológico adequequado”: a homoafeição.

23 “Ius sive iustum naturale est quod ex sui natura est adaequatum vel commensuratum alteri. Hoc autem potest contingere dupliciter. Uno modo, secundum absolutam sui considerationem: sicut masculus ex sui ratione habet commensurationem ad feminam ut ex ea generet, et parens ad filium ut eum nutriat. – Alio modo aliquid est naturalutam sui ratinem, sed secundum aliquid quod ex ipso consequitur: puta propreitas possessionum. Si enim cnsideretur iste ager abslute, non habet unde magis sit huius quam illius: sed si consideretur quantum ad opportunitatem colendi et ad pacificum usum agri, secundum hoc habet quandam commensurationem ad hoc quod sit unius et non alterius, ut patet per Philosphum. Absolute autem apprehendere aliquid non solum convenit homini, sed etiam aliis animalibus, Et ideo ius quod dicitur naturale secundum primum modum, commune est nobis et aliis animalibus. A iure autem naturali sic dicto recedit ius gentium, ut Iurisconsultus dicit: quia illud

omnibus animalibus, hoc solum hominubus inter se commune est. Considerare autem aliquid comparando ad id

quod ex ipso sequitur, est proprium rationis. Et ideo hoc quidem est naturale homini secundum rationem naturalem, quae hoc dictat. Et ideo dicit Gaius iurisconsultus: Quod naturalis ratio inter omnes homines

O apelo ao “absoluto” racional reformulado a partir do cristianismo amplificou a interpretação que, apesar de já possuir forte expressão desde a filosofia platônica, caracterizará as pretensões dos grandes sistemas metafísicos na busca de um fundamento definitivo, último, inquestionável; de certo, pretensão análoga se poderá constatar na epistemologia contemporânea, particularmente na posição do fundacionalismo forte.

Entretanto, como já tivemos oportunidade de constatar nestes fragmentados prolegômenos para uma história conceitual dos direitos humanos, cada proposta possui limitações, perigos e virtudes. Se a filosofia tomista apela para limites naturais que são, muitas vezes, muito rígidos ou inegociáveis – sobretudo se considerarmos sua vinculação com a moral cristã –, apesar disso, há elementos que podem fornecer subsídios para pensar uma justiça condizente com a diversidade humana. Com efeito, São Tomás afirma:

Como já disse, o nome de justiça implica igualdade; por isso, em seu conceito mesmo, a justiça comporta relação com outrem. Pois, nada é igual a si mesmo, mas a um outro. Ora, uma vez que compete à justiça retificar os atos humanos, como já foi explicado, é necessário que essa alteridade, por ela exigida, exista entre agentes diferentes. As ações, com efeito, emanam da pessoa e do todo, não propriamente das partes, das formas ou faculdades. Pois, não se diz com propriedade, que a mão fere, mas que o homem fere pela mão, nem que o calor aquece, e sim, o fogo aquece pelo calor. A não ser que se fale de maneira figurada. A justiça, propriamente dita, exige a diversidade das pessoas, portanto só pode ser de um homem em relação a outro. Porém, de maneira figurada, se pode admitir, em um mesmo homem, diversos princípios de ação, como outros tantos agentes diversos; por exemplo, a razão governa o irascível e o concupiscível. Por isso, se diz metaforicamente, que há justiça em um mesmo homem, quando a razão governa o irascível e o concupiscível, e esses obedecem à razão, e, de maneira universal, quando se atribui a uma parte do homem, o que a este convém. (SÃO TOMÁS DE AQUINO, 2005, p. 58-59)24.

São Tomas de Aquino considera neste ponto o constitutivo caráter da alteridade relativo à justiça – e proporcionalmente à injustiça –; mesmo dentro dos limites de sua filosofia, ele ressalta a importância da diversidade e abre a possibilidade de pensar essa alteridade/diversidade em outros sentidos. Metaforicamente, Tomás ainda pensa outros

24“Dicendum quod, sicut supra dictum est, cum nomen iustitiae aequalitatem importet, ex sua ratione iustitia habet quod sit ad alterum: nihil enim est sibi aequale, sed alteri. Et quia ad iustitiem pertinet actus humanos rectificare, ut dictum est, necesse est quod alietas ista quam requirit iustitia, sit diversorum agere potentium. Actiones autem sunt suppositorum et tototum, non autem, proprie loquendo, partium et formarum, seu potentiarum: ono enim propirie dicitur quod manus percutiat, sed homo per manum; neque proprie dicitur quod calor calefaciat, sed ignis per colorem. Secundum tamen similitudinem quandam haec dicuntur. Iustitia ergo proprie dicta requirit diversitatem suppositorum: et ideo non est nisi unius hominis ad alium. Sed secundum similitudinem accipiuntur in uno et eo dem homine diversa principia actionum quasi diversa agentia: sicut ratio et irascibilis et concupiscilibis. Et ideo metaphoirce in uno et eodem homine dicitur esse iustitia, secundum quod ratio imperat irascibili et concupiscibili, et secundum quod ei convenit”.

agentes ou princípios de ação na dinâmica da alteridade sem, obviamente, abrir mão da razão como princípio “diretor” último.

Com isso, vê-se que não se deixa de apontar os contornos relevantes da filosofia tomista para a formação de um ideário dos direitos humanos. Paralelamente, ao longo da história, trata-se de delinear rapidamente as metamorfoses da razão em alguns fragmentos conceituais com a intenção de assegurar também a compreensão de uma forte tendência manifestada na tradição filosófica: a vontade de uma conquista definitiva da verdade. Com ela surge toda uma compreensão hierárquica da realidade social matizada pela apropriação