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ANOTAÇÕES PARA UMA HISTÓRIA CONCEITUAL DOS DIREITOS HUMANOS

2.4 O Jusnaturalismo dos Modernos

O direito natural45 dos modernos mantém algumas características comuns com o antigo

e medieval. In primis, o apelo à universalidade da razão, mas acentua também as rupturas, aprofundando radicalmente a passagem do direito natural objetivo para os direitos subjetivos.

45 Ao deslocar a análise do substantivo (natureza) para o adjetivo (natural), Artigas (ARTIGAS, 2005, p. 47-48) mostra como se multiplicam os sentidos e “nuances” do termo, quais sejam: (1) natural como espontâneo, que corresponde a um valor subjetivo, interior; (2) natural como distinto de artificial, do “cultural”; (3) natural como distinto do espiritual, seja em sentido “religioso” seja em sentido mental, referente ao espírito; e, por fim, (4) natural como distinto de sobrenatural como, por exemplo, o milagre. Para Artigas: “No primeiro sentido (metafísico), fala-se da “natureza de algo para indicar o característico deste algo, ou seja, a sua índole própria, o

Com a reflexão dos pensadores modernos, formou-se uma compreensão do homem ligada a determinações naturais intrínsecas que o caracterizavam essencialmente como racional e, consequentemente, mais próximos da verdade porque mais próximos da “luz natural divina”. A natureza racional do homem é o elemento comum que permite perceber outros imperativos de vida e concatená-los numa rede de proteção mútua. Essa rede foi estabelecida na forma de um contrato e na criação da sociedade civil e do Estado. O centro do poder deslocava-se para o indivíduo para que este pudesse, em parte, deslocá-lo convencionalmente para o Estado. Inalienavelmente, parte deste poder permanece com os indivíduos que, originalmente, são sua fonte natural (Rousseau); irremediavelmente, grande parte deste poder passa às mãos do “Leviatã” e lá repousa simbolicamente (Hobbes).

Em primeiro lugar, a proteção comum entre os indivíduos implica em um reconhecimento geral da condição racional e, em segundo, da necessidade de proteger a fragilidade propriamente humana e melhorar as condições gerais de vida. A compreensão dessa vulnerabilidade frente aos “caprichos” da natureza – e de outros homens – foi gradualmente sendo diluída diante da invenção da “natureza humana” metafísica como expressão do “ser”, ou seja, necessária, não-contingente, confiável, autodeterminante, autônomo, enfim, superior a tudo mais no reino material (res extensa), “motor" dos progressos da era moderna. O conceito de razão é cultivado na época moderna com as cores da dignidade, da vontade livre e da boa vida, com um manto burguês-monárquico, praticamente divino: a razão começa a potencializar-se mantendo, discreta ou declaradamente, o aspecto “divino” como fundamento “último”; este aspecto não deixa de representar a visão de mundo de uma cultura, ou melhor, de determinada classe social de uma cultura sobre si mesma.

No movimento de construção desta compreensão, encontramos o jusnaturalismo de

Thomas Hobbes (1588-1679). Ele afirma que:

Contudo, o que denominamos leis de natureza, como nada mais são que

certas conclusões entendidas pela razão, acerca das coisas que devem ser

que lhe pertence de tal modo que sirva para distingui-lo de todos os demais. O “algo” de que se fala pode ser qualquer coisa: com efeito, fala-se da natureza do homem, de um problema, de uma disciplina científica e, inclusive, da natureza de Deus. Trata-se, portanto, de um sentido que se aplica a realidades muito distintas: pode aplicar-se a tudo. Por essa razão, falamos, neste caso, do sentido metafísico do conceito de natureza, porque não se limita ao físico, material, corpóreo (...). No segundo sentido (físico), fala-se da “natureza para designar o conjunto dos seres e processos naturais que, em geral, se identificam com o corpóreo ou material”. Ainda que este sentido seja suficientemente claro para as necessidades da linguagem ordinária, apresenta problemas se for utilizado de modo rigoroso, porque depende do que se entende por “ser natural”, ou seja, do sentido que se dê ao adjetivo “natural” (ARTIGAS, 2005, p. 46,47).

feitas ou omitidas – ao passo que uma lei, para falar de maneira própria e acurada, é o discurso de quem tem o direito de mandar que façam ou deixem

de fazer determinadas coisas –, a bem dizer elas não são leis, dado que procedem da natureza. Porém, na medida em que são outorgadas por Deus nas Sagradas Escrituras (...) é muito apropriado chama-las pelo nome de leis: pois a Sagrada Escritura é o verbo de Deus mandando, pelo maior de todos os direitos, sobre todas as coisas (HOBBES, 2002, p. 74)46.

E um pouco mais à frente, o pensador inglês afirma que:

A mesma lei que é natural e moral também é merecidamente chamada divina: tanto porque a razão, que é a lei de natureza, foi outorgada por Deus a cada homem como regra de suas ações, quanto porque os preceitos de vida que dela derivamos coincidem com aqueles que foram promulgados pela Majestade Divina como leis de seu reino terreno (...) (HOBBES, 2002, p. 75).

No jusnaturalismo moderno, mormente a partir de Locke, a explicitação de uma nova configuração das relações de poder surge sob a emergência do pensamento burguês/liberal em contraposição ao absolutismo dos regimes monárquicos. O ideal de uma razão autônoma, do sujeito livre da “sujeição”, a compreensão de uma relação pessoal com Deus – cujo cume é dado pela Reforma Protestante –, já se erige como uma desconstrução da autoridade; nesse caso, da concentração de poder pela autoridade vigente. Trata-se, portanto, de uma construção teórica que defende interesses de uma classe específica, mas que, retoricamente, apela para o “bem-estar” geral em seu projeto de poder. Como todo fenômeno teórico ou social, ela que possui efeitos incontroláveis que podem ultrapassar – e ultrapassaram – o mero uso “político- ideológico”.

De modo geral, o pensamento jusnaturalista moderno como está estruturado em torno do trinômio Estado de Natureza, Contrato Social e Estado de Direito. O Estado de natureza, no entanto, é uma “ficção teórico-metodológica” que pretende ressaltar-explicar: (1) os perigos de viver numa sociedade sem leis, (2) que o melhor modelo de leis é o contrato social, estabelecido de livre acordo, sob a guarda de um poder instituído por todos – ou pelo menos, pela maioria –, (3) que o modo de vida fundado no Estado de Direito implica na manutenção do Contrato Social – e das “condições materiais e institucionais” que lhe deram forma –, quer dizer, no estrito respeito e proteção às leis para evitar os perigos de uma reinstalação do Estado de Natureza, quer dizer, de um “estado de coisas” no qual o poder coordenado dos

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indivíduos – assegurados pelo contrato social e pelo Estado – não mais existiria e, portanto, todos estariam sujeitos à “simples” desordem ou a algum tipo de dominação absolutista.

O capítulo XIV da obra O Leviatã de Tomas Hobbes é iniciado com a definição do que seja tanto direito natural (jus naturale) – e consequentemente liberdade – quanto lei natural (lex naturalis). Contudo, para chegarmos a estas definições, far-se-á mister compreender em linhas gerais as determinações de seu pensamento político, ou melhor, sua teoria contratualista, para melhor precisar o conceito do jusnaturalismo no próprio Hobbes.

No pensamento hobbesiano, a gênese do Estado/sociedade é interpretada a partir de um contrato estabelecido entre os homens. Este contrato parte da “hipótese metodológica” de que, antes do Estado de Direito, o homem viveria naturalmente dispondo apenas de seu “poder individual” e, desproporcionalmente, sob “ameaça geral”. Sem garantias de um poder organizado, o homem-indivíduo, embora possua direitos naturais, inalienáveis, diante de outro homem, esses direitos enfrentam seu limite: a anulação frente à “prevalência” da força e dos métodos de outro indivíduo: ainda não há dois “mediadores” fundamentais: a lei e o poder que, a partir dos indivíduos, se formam, se interpõem e começam a pairar sobre suas cabeças. O contrato teria a função de lançar e firmar regras de convívio social e de subordinação político/jurídica equilibrada entre todos as partes da sociedade. Se o faz mediante a abertura hermenêutica ocasionada pelo medo/ameaça, retomará o próprio medo como regulador das ações; o medo de um indivíduo em relação ao outro atinge a proporção de um indivíduo diante de toda a comunidade, representada na figura do Estado soberano. De todo modo, vale ressaltar que, antes do estado de direito, os homens não se encontravam em um estado de completo isolamento e selvajaria e que, repentinamente, eles ter-se-iam agregado nalguma clareira para elaborar e votar certa espécie de constituição e, assim, “magicamente” teríamos fundado a sociedade civil organizada. A condição dos homens é uma condição de ameaça, de conflito, de perigo potencial de cada um contra cada um, de todos contra todos.

A condição natural do homem não muda depois da instituição do Estado de Direito; em termos morais, não há uma mudança evolutiva do homem no decorrer da história: ele permanece regido pelas disposições de sobrevivência: as paixões (medo e desejo) e o cálculo para alcançar o que deseja e evitar o que teme. Na particularidade dos homens, Hobbes percebe a universalidade de suas relativas condições de igualdade física e intelectual e, por conseguinte, sua “vulnerabilidade”:

A natureza fez os homens tão iguais, quanto as faculdades do corpo e do espírito que, embora por vezes se encontre um homem manifestamente mais

forte de corpo, ou de espírito mais vivo do que outro, mesmo assim, quando se considera tudo isso em conjunto, a diferença entre um e outro não é considerável para que qualquer um possa reclamar qualquer benefício que a outro não possa aspirar, tal como ele. Porque quanto à força corporal o mais fraco tem força suficiente para matar o mais forte, quer por secreta maquinação, quer aliando-se com outros que se encontrem ameaçados. Desta igualdade quanto à capacidade deriva a igualdade quanto à esperança de atingirmos nossos fins. Portanto se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que é impossível ela ser gozada por ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para seu fim (que é sua própria conservação, e às vezes apenas seu deleite) esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro. E disto se segue que, quando um invasor nada mais tem a recear do que o poder de um único outro homem, se alguém planta, semeia, constrói ou possui um lugar conveniente, é provavelmente de esperar que outros venham preparados com forças conjugadas, para desapossá-lo e privá-lo, não apenas do fruto de seu trabalho, mas também de sua vida e de sua liberdade. Por sua vez, o invasor ficará no mesmo perigo em relação aos outros (HOBBES, 1974, p. 78-9).

Diante de tão densa camada de incerteza, o homem vê-se de tal modo lançado nos mares de insegurança que o mais razoável parece-lhe ser – se não o ataque ao outro (sua “ameaça possível”) – a preparação para um ataque iminente. Uns diante dos outros, os homens compartilham da mesma opacidade: nunca se sabe quem, quando, nem de onde, o ataque pode estar sendo arquitetado.

Dentre os vários elementos da interpretação hobbesiana, dois, em particular, saltam à vista: (1) o medo – que desdobra a disposição possivelmente conflituosa entre os interesses dos homens, justifica e sustenta o Estado de Direito através da formação do Poder – e (2) a alienação a qual o indivíduo submete a si próprio face ao poder soberano instituído por ele mesmo e seus pares. Diante do risco da “inexistência”, ele abre mão de parte do poder de sua “liberdade natural” para que, perdendo algo, funde uma “liberdade convencional”, abrindo espaço para tornar-se um “animal social” mediante a criação de uma esfera transcendente de poder: ele relativiza seu poder para associá-lo e afirmar a vida em conjunto. Os homens são movidos, em última instância, pelas paixões. Hobbes afirma que:

As paixões que fazem os homens tender para a paz são o medo da morte, o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável, e a esperança de consegui-las através do trabalho. E a razão sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens podem chegar a acordo. Essas normas são aquelas a que por outro lado se chama leis da natureza (...) (HOBBES, 1974, p. 81).

Para Hobbes – contrariando largamente Aristóteles – a “insociabilidade natural” do homem (Op. cit., p. 79) é vencida pelas paixões. Elas possuem um papel estratégico para a ação em função da preservação da vida e da busca pelo bem-estar. Apesar do medo e, curiosamente, por causa dele, os homens vencem a desconfiança primária em relação ao seu “vizinho imediato” e buscam formar uma rede de proteção contra os riscos através da associação. A organização (critérios, regras, condições, etc.) desta rede é tecida pela razão; ela orienta o impulso passional para uma estratégia adequada às intenções e necessidades. As paixões impulsionam o homem para a superação.

Destarte, no artigo O Problema da Racionalidade e os Direitos Humanos, Bannell pondera que:

É importante notar que não é a razão que motiva diretamente a ação; essa é a função das paixões. O que a razão pode fazer é avaliar fatos e as consequências de planos de ação. Portanto, o homem racional é aquele cujas paixões e, portanto, vontade e ação, estão baseadas nas crenças sobre o

futuro fornecidas pela razão. Desta maneira, a razão guia a conduta de todos

os homens, determinando e legitimando uma sociedade civil regida pelas leis civis. A “voz” da razão fala par todo mundo, não somente aqueles que desejam sua preservação mais que outra coisa, mas não determina diretamente a ação. No entanto, a razão considera alguns traços e hábitos bons, porque ajudam a preservar o homem, traços e hábitos estes que Hobbes, na tradição aristotélica, chamou de virtudes morais. Se a paz é o bem principal, então os meios necessários para alcançar a paz também são bons e incluem as virtudes. Assim, podemos ver como princípios morais são

justificados porque a razão os favorece. Em suma, a razão favorece a

moralidade, que favorece uma sociedade civil estável que, por sua vez, exige obediência às leis civis (BANNELL, 2010, p. 90)47.

Entretanto, conforme Hobbes, as paixões – em especial o medo – não perdem suas funções na sociedade civil; não se deve fechar os olhos para a tensão que permanece no convívio entre os homens. O pensador inglês nos deixa a imagem do homem que viaja e deixa seu lar trancafiado e guardado, mostrando claramente que opinião possui de seus consortes e amigos: são lobos que, ao menor descuido, acorrerão a esgueirar-se, furtivos, em busca do que quiserem. Para Hobbes, a sociabilidade natural do homem não passa de um mito que mais atrapalha do que ajuda a resolver o conflito entre os homens; isto porque ele impede que o problema seja identificado e, por conseguinte, que ele seja “solucionado”. Deste modo, segundo Hobbes:

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Devemos saber, portanto, que bem e mal são nomes dados às coisas para significarem a inclinação ou aversão daqueles por quem foram dados. Ora, as inclinações dos homens são diversas e variadas, conforme a diversidade de sua constituição, de seus costumes ou opiniões – como podemos ver naquelas coisas que apreendemos pelos sentidos, como o paladar, o tato, o odor; e são muito mais diversas ainda naquelas coisas que dizem respeito às ações comuns da vida, onde o que este elogia (isto é, chama de bom) aquele menospreza, dizendo que é mau; pior, muitas vezes o mesmo homem em diferentes ocasiões elogia e amesquinha a mesma coisa. E, porque o fazem os homens, necessariamente surgem entre eles discórdia e luta. Por isso eles estão no estado de guerra todo o tempo em que, em razão da diversidade de seus apetites presentes, medem o bem e o mal por distintos padrões (HOBBES, 2002, p. 72).

A condição de guerra de todos contra todos é em primeiro lugar o conflito de um homem consigo mesmo (“muitas vezes o mesmo homem em ocasiões diferentes elogia e amesquinha a mesma coisa”); em segundo, a guerra da qual fala Hobbes não consiste num “estado de guerra em curso”, mas na inclinação latente e permanente – como já foi referido – para a discórdia. A categoria de força desta condição belicosa é a imaginação, visto ser de seu exercício que decorre toda antecipação do perigo e ofensas sob as quais o homem sente – porque imagina assim – ameaçado.

Assim, o Estado de Natureza é um estado de guerra latente: nele cada homem está na posse de “pleno e irrestrito” direito, conforme dite sua razão, posto que ele sente-se em perigo. Mas o que vem a ser esse direito? Ele impõe-se a cada homem que se encontra nesta condição ao mesmo tempo insegura e animosa? Thomas Hobbes define-o como:

A liberdade que cada homem possui de usar seu próprio poder, da maneira que quiser, para preservação de sua própria natureza, ou seja, de sua vida e, consequentemente, de fazer tudo aquilo que seu próprio julgamento e razão lhe indiquem como meios adequados a esse fim. [No sentido proposto, a liberdade seria] a ausência de impedimentos externos, que muitas vezes tiram parte do poder que cada um tem de fazer o que quer, mas não podem proibir a que use o poder que lhe resta, conforme o seu julgamento e razão lhe ditarem (HOBBES, 1974, p. 82).

Entretanto, como resolver a condição de ameaça reinante no Estado de Natureza cuja expressão máxima é, conforme a elaboração de Hobbes, o Direito de Natureza? O primeiro movimento do pensador inglês é tentar explicar a passagem de uma condição à outra de modo que, a condição hipotética da primeira revele o sentido real da segunda. Hobbes propõe, então, uma Lei de Natureza (lex naturalis); trata-se de “um preceito ou regra geral, estabelecido pela razão, mediante a qual se proíbe a um homem fazer tudo o que possa destruir sua vida ou privá-lo dos meios necessários para preservá-la, ou omitir aquilo que

pense poder contribuir melhor para preservá-la” (Ibidem, p. 82). Não se deve confundir, portanto, o direito (jus) com a lei (lex): o direito é a liberdade de omitir ou realizar algo, a lei, por seu turno, é a instância que permite ou proíbe a omissão ou a realização de algo. A primeira Lei de Natureza é “procurar a paz e segui-la” (Ibidem, p. 82), a segunda, derivada desta, consiste na concordância mútua e geral na renúncia ao direito de liberdade e no contentamento com o direito à liberdade relativa que os demais homens permitem a si mesmo em relação uns aos outros.

Contudo, a lex naturalis não se sustenta por si só. A palavra do homem não é suficiente: frente a um interesse que se lhes pareça maior, estão sempre inclinados a quebrar as condições que foram estabelecidas pela Lei de Natureza. Seria necessária uma instância coercitiva mais forte para superar as limitações e perigos não eliminados pela “liberdade natural”. Surge, o Leviatã, o Estado empunhando a espada, alertando aos homens para o peso da lei em caso de desrespeito às leis naturais. Na figura do Estado, a vingança e a justiça pessoal ganham a dimensão da justiça “de todos” e apontam para a reparação. Assim, através do medo, essa garantia fecha a compreensão aberta pelo próprio medo:

Os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar qualquer segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis de natureza (que cada um respeita quando tem vontade de respeitá-las e quando pode fazê-lo com segurança), se não for instituído um poder suficientemente grande para nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas em sua própria força e capacidade, como proteção contra todos (HOBBES, 1974, p. 107).

Essa instância superior não deve ter, no entanto, seu poder limitado salvo em caso de atentar contra os próprios súditos; neste caso, os súditos teriam o direito de depor o soberano. O poder do soberano é pleno; trata-se de uma autoridade capaz de regular as ações, mediaros conflitos e legitimar todas as decisões tomadas entre partes conflitantes ou, no extremo, de decidir por elas a partir das leis firmadas.

Prefigurando o caráter declaratório de tom pessoal do imperativo categórico kantiano, Hobbes formula os termos gerais de uma psicologia subjetiva do contrato a partir da livre decisão do indivíduo. Assim, para garantir a segurança de si próprios (do produto de seu trabalho, propriedade, contra as injúrias de seu semelhante e do estrangeiro, etc.), cada homem realiza consigo mesmo e entre si um pacto ao afirmar:

Cedo e transfiro meu direito de governar-me a mim mesmo a este homem, ou a esta assembleia de homens, com a condição de transferires a ele teu

direito, autorizando de maneira semelhante todas as suas ações. Feito isso,

a multidão numa só pessoa chama-se Estado, em latim civitas. É esta a geração daquele grande Leviatã (HOBBES, 1974, p. 109)

Assim, nasce o Deus Mortal que, após o Deus Imortal, é o estabelecedor da paz e da