• Nenhum resultado encontrado

As Críticas de Direita e de Esquerda aos Direitos Hu manos “Burgueses”

ANOTAÇÕES PARA UMA HISTÓRIA CONCEITUAL DOS DIREITOS HUMANOS

2.6 As Críticas de Direita e de Esquerda aos Direitos Hu manos “Burgueses”

Entre a emergência da tradição de pensamento liberal/jusnaturalista e a tradição historicista com Hegel, de modo emblemático, há três momentos representativos importantes para a positivação dos direitos humanos tal como os conhecemos hoje, quais sejam: O Bill of Rights da Glorious Revolution Inglesa de 1678, a Declaração de Independência norte- americana em 1776 e a Déclaration de Droits de l´Homme e du Citoyen da Revolução Francesa de 178953. Com efeito, a Declaração abre com essas célebres palavras que mostram

a autoconfiança iluminista nos princípios do direito natural:

Quando no decurso da história humana, torna-se necessário a um povo romper os laços políticos que o vincularam a outro, bem como assumir, entre as potências mundiais, a posição separada e igual a que o habilitam as leis da natureza e do deus da natureza, o respeito devido às opiniões da humanidade obriga-o a declarar as causas que o impelem à separação. Consideramos estas verdades como autoevidente, que todos os homens são criaturas iguais, dotadas pelo Criador de certos direitos inalienáveis, entre os quais a vida, a liberdade e a busca da felicidade (COMPARATO, 2003, p. 104-5).

Comparato (2003, p. 49) cita também outro documento imprescindível para uma afirmação dos direitos humanos em construção. Trata-se da Declaração dos Direitos da Virgínia – tornada pública duas semanas antes da Declaração da Independência dos EUA – como o registro histórico de nascimento dos Direitos Humanos. Em seu artigo I da Declaração dos Direitos da Virgínia pode-se ler:

53 Na Inglaterra, a Bill of Rights (1688/1689) representa não só mais um elemento na “disposição revolucionária” europeia; como os dois outros documentos citados, ele mostra a força e a influência do pensamento liberal/jusnaturalista (de Hobbes à Kant) e suas características, tais como: o individualismo, o Estado de Natureza, o Pacto Social, as leis de natureza, eternas, imutáveis; os direitos naturais, a tolerância, o Estado, entre outras.

Todos os seres humanos são, pela sua natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, ao entrarem no estado de sociedade, não podem, por nenhum tipo de pacto, privar ou despojar sua posteridade; nomeadamente, a fruição da vida e da liberdade, com os meios de adquirir e possuir a propriedade de bens, bem como de procurar e obter a felicidade e a segurança (Declaração de Independência dos Estados Unidos da América do Norte in COMPARATO, 2003, p. 49).

Em seguida, após 13 anos da Declaração da Independência dos Estados Unidos da América, com todas as contradições que lhe foram inerentes, a Revolução Francesa é capaz de gerar um documento que sela os valores já apontados nas duas declarações americanas – a da Virgínia e a da Independência norte-americana: liberdade e igualdade. Contudo, apesar do lema oficial da Revolução Francesa, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão deixa de fora a fraternidade, o valor que indica o sentimento de pertença entre humanos e sua consciência da partilha de certas disposições, dificuldades, em relação ao mundo da vida; um valor que poderia mediar as relações frente possíveis distorções da liberdade (o querer agir sem restrições de ordem nenhuma, por exemplo) e da igualdade (a planificação formal, massiva, de nossas variáveis, de nossas diferenças...). De forma cabal, Comparato afirma que:

Treze anos depois, no ato de abertura da Revolução Francesa, a mesma ideia de liberdade e igualdade dos seres humanos é reafirmada e reforçada: “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em direitos” (Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, art. 1º). Faltou apenas o reconhecimento da fraternidade, isto é, a exigência de uma organização solidária da vida em comum, o que só se logrou alcançar com a Declaração Universal de Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 (COMPARATO, 2003, p. 49).

Apesar dos avanços teóricos, não se deve ignorar a perspectiva crítica apresentada pela tradição de esquerda – mormente, por Marx/Engels54 e pensadores filiados a seu pensamento

como Walter Benjamin –, bem como pensadores da tradição de direita como Edmund Burke. Além desses pensadores, os elementos mais críticos a serem pensados são fornecidos pela

54 “Pela exploração do mercado mundial, a burguesia imprime um caráter cosmopolita à produção e ao consumo em todos os países” (MARX, ENGELS, 1998, pág. 11). Grifo nosso. “O que demonstra a história das ideias senão que a produção intelectual se transforma com a produção material? As ideias dominantes de uma época sempre foram as ideias da classe dominante” (MARX, ENGELS, 1998, pág. 26).

“Assim, a literatura socialista-comunista francesa foi formalmente castrada. E já que ela, nas mãos dos alemães, deixou de expressar a luta de uma classe contra outra, estes se convenceram de que haviam superado a “estreiteza francesa”; defendiam não verdadeiras necessidades, mas a “necessidade do verdadeiro”; interesses do ser humano, o próprio ser humano, ao invés dos interesses dos proletários; interesses do indivíduo que não pertence a nenhuma classe, que nem mesmo pertence à vida real, mas apenas ao céu nebuloso da fantasia filosófica”. (MARX, ENGELS, 1998, p. 33-4).

própria história. Nesta direção, a estrutura do estado de direito e – ainda mais grave – a cultura e “as mentalidades” políticas acabam sendo moldadas em meio às tensões históricas entre os interesses de grupos ligados às ideologias dominantes.

No calor dos anos anteriores à Revolução Francesa, a crítica de direita começa já a surgir com Edmund Burke (1729-1797). Tomado de desconfiança ante a inexperiência dos revolucionários em questões políticas e jurídicas, Burke enfatiza a falta de compromisso com a tradição política francesa e as consequências (abusos, danos, etc.) que uma liberdade “desconhecida” poderia causar; demolir todo um sistema estabelecido há séculos, um sistema que funciona bem e que conta com apoio fora da monarquia – apoio popular –, para colocar o que no lugar dele? Nascimento pondera que:

É bom lembrar que estamos ainda em 1790, e a crítica de Burke parece já prenunciar o que adviria em seguida, o terror revolucionário. O que está em jogo aqui é o contraponto de uma concepção de revolução entendida como continuidade, com outra, concebida como ruptura radical.

No primeiro caso, ela está ancorada numa tradição que remete ao que os astrônomos entendiam pelo movimento natural dos astros em sua órbita, que deve sempre seguir o mesmo curso. Quando algum deles saísse do curso, seria uma anormalidade, algo inusitado, e o que se esperava é que esse astro desgarrado voltasse a seu curso normal. Assim também, no curso da história dos povos, as revoluções serviriam, na maioria dos casos, para que as coisas fossem recolocadas nos seus devidos lugares, pois não se considerava normal que saíssem de seu curso natural. Já os revolucionários franceses não entendiam a revolução dessa forma, mas como ruptura radical, desvio mesmo de rota e realização de tábula rasa do passado. É isso que Burke chama de maior erro dos franceses que se puseram à tarefa de derrubar o antigo regime e começar tudo de novo do marco zero (NASCIMENTO, 2010, p. 122).

Além disso, havia um aspecto do pensamento dos revolucionários franceses que incomodavam Burke profundamente: o caráter abstrato e absoluto dos direitos dos homens revolucionários parece carecer de “maturidade prática” e gozar de grande riqueza na fé que depositam em seus sistemas de pensamento. O alto grau de complexidade social, jurídico, político, econômico, enfim, não abala a excessiva confiança dos filósofos da Revolução. Para Burke não fazia o mínimo sentido tratar de assuntos práticos e concretos a partir de suas idealidades – dos universais – que estavam protegidos das contradições no mundo das ideias. Além disso, os excessos revolucionários não tinham nada de metafísico ou abstrato. Para Ishay:

Os excessos revolucionários realizados durante o Terror Vermelho e suas consequências levantaram questões cruciais: quais meios são justificáveis

para promover os direitos humanos? Todos os meios justificam os objetivos dos direitos humanos? Estas questões seriam largamente debatidas no interior dos movimentos socialistas dos séculos XIX e XX. Na segunda metade do século XVIII, contudo, a violência e a guerra já haviam sido aceitas generalizadamente como recurso de última ordem para a implantação dos ideais republicanos – com a pretensão de que uma vez estabelecida a república em todo o mundo, as guerras desapareceriam. Contudo, as guerras revolucionárias conduziriam de fato para uma federação mundial que asseguraria direitos reconhecidos nacionalmente pelos novos governos republicanos? Até mesmo Kant, o único defensor de uma confederação de estados republicanos, permaneceu inquieto diante desta questão. De um lado, ele saldou a Revolução Francesa como “uma predisposição moral inerente à raça humana”. Por outro, consistente com suas principais crenças na supremacia da vida individual, ele denunciou qualquer revolta que termine em rebelião... [como] o pior crime punível numa comunidade”. Não ficou claro nas afirmações de Kant como a França poderia lutar contra o despotismo senão através da resistência à autoridade, da rebelião, da violação dos acordos, assassinatos, ou das interferências nos assuntos internos dos países inimigos – recursos estes todos condenados por Kant55 (ISHAY, 2004, p. 106-7).

Na perspectiva realista, pensando nos funestos momentos da Revolução Francesa, Ishay explora uma questão que foi levantada por Benjamin numa perspectiva bastante pessoal. Trata-se da questão dos métodos – meios e fins, na verdade – revolucionários; questão da qual Kant se ocupou detidamente. Como não “jogar duro” com os poderes constituídos quando se está na perspectiva da tomada do poder. Burke, porém, ainda não chegou neste ponto da reflexão. Isto não invalida parte de sua crítica conservadora; as reflexões de Burke são pontuais no sentido da “representação do discurso”, quer dizer, com que autoridade os intelectuais revolucionários se apossaram das vontades e desejos populares, quer dizer, fizeram-se representantes oficiais do “povo francês”?

De perspectivas inteiramente diferentes, Burke e Hegel compartilham a recusa pelo “dever-ser”. Cada um ao seu modo – e a partir de suas razões – desenvolve um realismo que, em larga medida, foi rechaçado pelo campo das ideias. O que Burke ressalta é brutal distância

55“The revolutionary excesses carried out during the Red Terror and its aftermath begged crucial questions: Which means are justified to promote human rights? Do all means justify their human rights goals? These questions would be widely debated within the socialist movement in the nineteenth and twentieth centuries. In the late eighteenth century, however, violence and war were generally accepted as means of last resort for implementing republican ideals – with the assumption that once republics were established worldwide, wars would vanish. Would revolutionary wars, however, in fact lead to a world federation that would secure the rights upheld domestically by new republican regimes? Even Kant, the only defender of a confederation of republican states, remained conflicted on that question. On the one hand, he saluted the French Revolution “as a moral predisposition within the human race”. On the other hand, consistent with his central belief in the supremacy of individual life, he denounced “any uprising that bursts into rebellion… [as] the worst punishable crime in a community.” It is left unclear from Kant’s statements how France could have fought against despotism except through resistance to authority, rebellion, the breach of agreements, killings, or interference with the internal affairs of the enemy’s country – recourses that were all condemned by Kant.”

que existe entre rebuscados sistemas metafísicos e aquilo que costumamos chamar de “dura realidade”. Burke assevera que:

Esses direitos metafísicos, ao penetrarem na vida prática como raios de luz atravessando um meio denso, são desviados, pelas leis da natureza, de sua linha reta. Sem dúvida, na imensa e complicada massa de paixões humanas, os direitos primitivos do homem experimentam tal variedade de refrações, que se torna absurdo discuti-los como se continuassem na sua direção original. A natureza do homem é complicada; os objetivos da sociedade são da maior complexidade possível; logo, quaisquer disposição e direção simples de poder não podem adequar-se nem à natureza do homem, nem à qualidade dos negócios que trata. Quando percebo a simplicidade das invenções que criam, para o orgulho de seus idealizadores, novas constituições, não consigo decidir-me quanto a considerar seus autores grosseiramente ignorantes do negócio ou totalmente negligentes em seu dever (...). Os direitos que esses teóricos da Constituição pretendem obter são todos absolutos: em que pese à sua verdade metafísica, são moral e politicamente falsos. Os direitos do homem encontram-se numa espécie de meio-caminho, impossível de ser definido, mas que se pode, contudo, discernir. Os direitos dos homens nos diferentes governos compreendem suas vantagens, as quais são contrabalançadas pelo equilíbrio entre as diversas formas de bem, algumas vezes entre bem e o mal; e, vezes ainda, entre o mal e o mal. A razão política é calculadora: ela soma, subtrai, multiplica, divide as verdadeiras qualidades morais moralmente e não metafísica ou matematicamente (BURKE apud Nascimento //2010, p. 122- 3// 1982, p. 91).

A resposta direta à posição de Burke veio montada num “cavalo metafísico”. Com ânimo jusnaturalista aguerrido, Thomas Paine (1937-1809) retomará ainda que “discretamente” as associações tecidas racionalmente entre Deus, natureza, essência, princípios, que se tornaram características marcantes da construção jusnaturalista moderna. Ele insistirá na defesa dos direitos inatos, quer dizer, num conceito de homem que goza de prerrogativas especiais – concedidas pelo criador –; insistirá, assim, na importância fundante dos princípios metafísicos na constituição da complexidade social, no indivíduo como célula nuclear da sociedade civil e assim por diante, retomando pontos centrais de toda tradição de pensamento liberal, jusnaturalista. Neste sentido, Paine reiterará a autodeterminação do povo francês se ele assim quiser dar-se outra realidade política. Nascimento condensa a querela afirmando que:

Contra o empirismo e o historicismo de Burke, Paine insiste nos princípio que devem nos conduzir para o encontro da fonte na qual devemos haurir os direitos fundamentais. Contra Burke que pretende invocar a tradição do povo inglês e do povo francês, que, segundo o pensador irlandês, já possuíam uma boa constituição bem antes das revoluções, Paine argumenta que ele, assim como tantos outros, não ousaram ir mais longe na Antiguidade e, se fossem,

teriam encontrado o fundamento, isto é, o homem tal como “veio das mãos do Artífice. O que era então? Homem. Homem era seu grande e único título, e um mais alto não lhe pode ser dado” (NASCIMENTO, 2010, p. 125).

A natureza diferenciada do homem possui uma fonte privilegiada. A condição do homem permite fazer a passagem do direito natural para o direito civil: o direito civil é, no final das contas, o direito natural objetivado, ou melhor, encarnado. É também da classe de direitos naturais que emana o poder civil e este poder não pode voltar-se contra os direitos naturais individuais que cada indivíduo possuiria. Paine procura desabilitar a crítica de Burke estabelecendo um corte conceitual e, com isso, mostrar a proeminência do pensamento teórico, do caráter constitutivo dos princípios. Contudo, ele acaba permanecendo num monólogo que apenas reproduz os princípios jusnaturalista e procura evitar as críticas e argumentos histórico-fatuais de Burke. Para realizar seu corte conceitual, Paine desloca a discussão dos acontecimentos presentes e aponta para o princípio, a origem, ou, em outras palavras, o fundamento, do homem e, consequentemente de todo o Estado. Com isso, pretende invalidar os argumentos de Burke mostrando que ele (1) comete um erro de princípio – por não partir de uma premissa maior segundo a qual o direito natural tem na divindade cristã sua fonte e essência –– e, em seguida, (2) que os argumentos de Burke são histórico- fatuais e, portanto, contingentes, frágeis, oriundos de uma tradição secular; esse tipo de argumento de pouco ou nada valeria frente à segurança oferecido pelo fundamento divino- racional do direito natural.

Caminhando numa seara teórica que se inclina em uma direção completamente distinta, passaremos a alguns momentos da crítica marxista. Destarte, na crítica de esquerda – que, apesar das ressalvas e “reformulações”, possui boa parte de suas raízes fincadas em Hegel – ocorre uma crítica da “naturalização-essencialização” da visão de mundo “burguesa” através dos elementos disseminados pela ideologia dos direitos naturais racionais e “eternos”. Numa das muitas passagens célebres do Manisfesto Comunista, Karl Marx (1818-1883) e

Friedrich Engels (1820-1895) caracterizam resumidamente o processo de desenvolvimento

político-burguês no movimento histórico:

Cada uma dessas etapas de desenvolvimento da burguesia foi acompanhada por um progresso político correspondente. Segmento social oprimido sob a dominação dos senhores feudais; organizado em associação armada autogerida na comuna; aqui república urbana independente, ali terceiro estado sujeito aos impostos na monarquia; ou, mais tarde, no período manufatureiro, contrapeso da nobreza na monarquia feudal ou absoluta; no geral, principal fundamento da grande monarquia – com o estabelecimento da grande indústria e do mercado mundial a burguesia conquistou,

finalmente, o domínio político exclusivo no Estado representativo moderno. O poder do Estado moderno não passa de um comitê que administra os negócios comuns da classe burguesa como um todo (MARX; ENGELS, 1998, p. 09-10).

Marcando a radicalidade da crítica de Marx, Nascimento detalha como, internamente, a estrutura burguesa de sociedade traz elementos que desabilitam uma visão mais “precisa” e, ao mesmo tempo, “abrangente” das contradições entre sua ideologia e o “destino” (fatum) que impõe ao curso da história. Nascimento indica que:

Para ele [Marx], acima de tudo, é preciso desmistificar o homem que aparece nas Declarações dos Direitos do Homem e do Cidadão, pois a universalidade deste homem não resiste à crítica, pois é fácil de perceber que se trata de um homem particular, o burguês proprietário, portador de todos os direitos arrolados nas declarações: a liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade, para permanecermos tão-somente nos direitos humanos fundamentais. Resta saber onde este homem irá realizar seus direitos fundamentais. A exposição do texto das Declarações indica que é como cidadãos que terão a possibilidade de realização plena de todos os seus direitos fundamentais. “Mas quem é o cidadão?”, pergunta Marx. Uma pura ficção, uma quimera. Como cidadãos, somos todos iguais, livres, temos a segurança garantida e a salvaguarda da propriedade. Neste sentido, o homem vivendo, como patrão, como operário, enfim, como membro da sociedade civil, na esfera particular, acha-se separado da cidadania, ficção na qual o pressuposto é que todo homem ali encontraria em plenitude todos os seus direitos preservados e garantidos pelo Estado (...). A classe operária estaria dentro do Estado burguês participando de uma cidadania de ficção, já que sua condição não muda, a menos que o operário mude de classe ou então que se eliminem as classes. Neste quadro, reivindicar direitos é sempre reivindicar direitos burgueses, de uma determinada classe e não direitos universais. Razão pela qual os direitos humanos, nessa perspectiva, serão sempre considerados como direitos de um homem historicamente dado, o burguês (NASCIMENTO, 2010, p. 130).

A posição de Marx representa um marco crítico na história conceitual dos direitos humanos. Para Marx, a liberdade que os direitos humanos proclamam não passam do direito à propriedade (MARX, 2005, p. 35). Na “liberdade burguesa”, o limite colocado pela lei é: “não prejudicar os outros”. Segundo Marx, trata-se de um espaço formal, vazio, no qual os movimentos de um homem são circunscritos pela lei de modo análogo ao qual um terreno tem a área do proprietário delimitada por estacas. Para Marx:

Os droits de l’homme, os direitos humanos, distinguem-se, como tais, dos droits du citoyen, dos direitos civis. Qual o homme que aqui se distingue do citoyen? Simplesmente, o membro da sociedade burguesa. Por que se chama membro da sociedade burguesa de “homem”, homem por antonomásia, e dá-se a seus direitos o nome de direitos humanos? Como explicar o fato?

Pelas relações entre o Estado político e a sociedade burguesa, pela essência da emancipação política.

Registremos, antes de mais nada, o fato de que os chamados direitos

humanos, os droits de l’homme, ao contrário dos droits du citoyen, nada

mais são do que direitos do membro da sociedade burguesa, isto é, do homem egoísta, do homem separado do homem e da comunidade (MARX, 2005, p. 2005).

Esta postura radicalmente crítica de Marx aos direitos humanos enquanto direitos