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A cultura profissional e as diferentes identidades dos professores.

Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança

1.3 Identidades profissionais dos professores e mudança.

1.3.2 A cultura profissional e as diferentes identidades dos professores.

Definindo identidade profissional como um conjunto “ de elementos particulares

de representações profissionais, especificamente ativado em função da situação de interação e para responder a uma identificação/diferenciação com grupos sociais e profissionais”, Blin (1997, p.187) entende que os professores têm uma identidade

específica, que lhes permite reconhecerem-se e serem reconhecidos como tal, numa base de identificação (ao grupo profissional dos professores) e de diferenciação (com aqueles que não são professores). Na sua perspetiva, existe um referencial comum a todos os docentes, a partir do qual cada um constrói um conjunto de representações profissionais que lhe servem de grelha de leitura e que lhe permitem dar sentido às atividades e ao contexto onde intervém (Blin 1997, p.54).Trata-se de um referencial que remete para um determinado contexto social e histórico, sendo por conseguinte, mutável. Esta ideia de uma cultura profissional comum partilhada e mutável é também defendida por Tardif e Lessard, (1999, p.41). Estes autores, não deixando de sublinhar a natureza única da experiência profissional individual referem, e citamos, que: “o vivido

mais íntimo inscreve-se numa cultura profissional partilhada pelo grupo, graças à qual os seus membros concordam com as significações análogas a situações comuns”.

Neste cenário, os professores enquanto grupo profissional formam uma cultura, caracterizada por modos de perceber, de pensar e de agir particulares, por normas, valores e regras próprias, que estão ligadas ao seu objeto de trabalho e à sua prática profissional. Esta parte comum da identidade profissional supõe uma socialização específica no grupo dos professores, a qual pode ser considerada como um processo de identificação que permite a apropriação dos “sistemas de regras e de normas e valores” e “a aquisição dos saberes específicos e dos papéis” (Cattonar, 2001).

O que está em causa são, em suma, “habitus” particulares, na perspetiva de Bourdieu (2001), ou seja, esquemas de perceção, de pensamento e de ação, dispositivos subjetivos próprios aos membros de um mesmo grupo social que partilha as mesmas condições sociais (objetivas), e que permitem aos indivíduos orientar-se no espaço social e adotar práticas que estão de acordo com a sua pertença social.

Às diferentes posições no espaço social, correspondem então habitus particulares, estilos de vida próprios. É neste cenário que podemos compreender os estudos sobre as

identidades dos docentes de diferentes níveis de ensino, onde é evidente a existência de diversas formas de viver a profissão por parte dos professores do ensino primário (Nias, 1989) e por parte dos professores do ensino secundário (Beijaard,1995).

De facto, segundo Nias (1989), para a construção da identidade dos professores do ensino primário a relação que desenvolvem com o grupo/turma constitui o elemento fundamental, contribuindo para o sentimento de pertença e para o investimento que fazem na vida dos alunos.36 Quanto à identidade dos professores do ensino secundário, o estudo de Beijaard (1995)37 constitui, como antes referimos, um contributo fundamental, uma vez que se centra na compreensão de três dimensões importantes: a disciplina que os professores lecionam, a relação pedagógica que estabelecem com os alunos e, por último, a conceção que têm sobre o seu papel. No estudo conclui-se que a identidade dos professores do ensino secundário decorre fundamentalmente das disciplinas que lecionam, as quais influenciam, de forma evidente e de modo contínuo, as perceções que têm de si próprios, enquanto docentes. No que diz respeito à relação com os alunos, os professores concebem-na como fundamental para o seu desenvolvimento profissional, e perspetivam uma relação pedagógica que envolve proximidade e distância, de modo a ser possível respeitar e ter em conta os interesses dos alunos e, simultaneamente, preservar a distância necessária. Nos resultados do seu estudo, Beijaard constata que o comportamento positivo ou negativo dos alunos tem efeitos nos professores e que, esses efeitos são mais evidentes, quando o Eu pessoal e o Eu profissional estão integrados na identidade profissional.

Indo ao encontro das perspetivas de Sikes, o autor sustenta a ideia de que os professores partilham experiências, perceções, atitudes, satisfações, frustrações e preocupações semelhantes, quando têm idades semelhantes e são do mesmo sexo, e que à medida que se vão tornando mais velhos a motivação e o compromisso face à profissão se alteram de modo previsível.

Por sua vez, e na linha de Nias (1989), sublinha também a influência e a importância da cultura de escola na construção das identidades dos professores, uma vez que pode facilitar ou dificultar a satisfação, o compromisso e a motivação face à profissão. Relativamente à carreira dos professores do ensino secundário, Beijaard sugeriu que a sua estabilidade está associada a uma boa relação pedagógica com os

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O estudo desta autora, realizado em Inglaterra, foi pioneiro na procura das dimensões pessoal, profissional, emocional e organizacional da identidade dos professores do ensino primário.

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alunos e a um bom funcionamento a nível da instituição escolar; em seu entender, quando se verificam mudanças numa destas dimensões, o professor pode experimentar períodos de instabilidade na sua carreira e, consequentemente na sua identidade profissional. Como assinalam Day et al. (2006), as identidades dos professores, porque influenciadas pelas experiências externas (políticas educativas), internas (organizacionais) e pessoais (presente e passado) dos docentes, são naturalmente instáveis, podendo transformar-se ao longo dos seus percursos profissionais.

Para além disso, estudos desenvolvidos no sentido de compreender a relação entre a dimensão pessoal e profissional da identidade dos professores assinalam a existência de “múltiplos Eus” continuadamente reconstruídos ao longo da experiência. Cooper e Olson, (1996) entendem que “a formação da identidade é um processo constante que

envolve a interpretação e reinterpretação das nossas experiências enquanto as vivemos”. Nesse sentido, e porque ser professor envolve um processo de

desenvolvimento ao longo do tempo que acontece através da interação com outros, a formação da identidade do professor está constantemente a ser construída e re – construída.

Tendo como base narrativas sobre a experiência de professores estagiários, os autores referidos entendem que ao mesmo tempo que criam o seu mundo, os futuros professores são moldados por ele, sendo neste processo particularmente significativas as influências do passado sobre o presente e das emoções. A este respeito assinalam que as identidades dos professores podem ser suprimidas se os contextos onde lecionam promoverem a assunção de papéis prescritos, anulando assim a voz pessoal na construção identitária.

A ideia de que a identidade não é “algo” estável é também sustentada por MacLure (1993) quando sublinha que aquela é construída nas relações sociais, sendo portanto formada e informada através das práticas discursivas e das interações entre os indivíduos. Sublinhando a influência dos projetos biográficos dos professores na forma como reagem às mudanças e às reformas educacionais, MacLure defende que, mesmo dentro de fases da carreira semelhantes, as identidades dos professores são diferentes, podendo em alguns casos ser instáveis e incoerentes, pondo assim em causa a ideia anteriormente referida de que existe uma identidade, um Eu substantivo que é estável (Ball, 1972).

Assim sendo, entende não ser adequado generalizar predisposições entre sub - grupos de professores (tendo como base fatores como a idade, o nível de ensino e/ou as

disciplinas que lecionam…) uma vez que o contexto profissional tem uma forte influência e que os fatores referidos assumem diferentes significados para cada professor. Preconiza então que a compreensão dos professores se baseie nas “categorias

que as pessoas escolhem para se explicar a si próprias” MacLure (1993, p.316) e na

forma como as usam na construção das suas identidades, rejeitando assim as explicações de natureza sociológica, contextual ou ocupacional.

A identidade profissional do professor constrói-se num diálogo com o outro, por vezes em oposição, a partir da definição de si enquanto professor, atribuída pelos outros e da definição de si enquanto professor que o próprio se atribui. Os outros são pares, outros professores, e pessoas com quem interage direta (alunos, pais, colegas, diretores da escola) e indiretamente (instituições, poderes públicos, media). Para Robitaille e Maheu (1991, p. 94) as duas dimensões da prática docente que consideram mais importantes para a construção da identidade profissional do professor são, por um lado a relação com o aluno e, por outro, a intervenção mais global que desenvolvem na comunidade (relações com os colegas de trabalho e com outros grupos profissionais face aos quais devem mostrar as suas competências; relações com os diretores, com o movimento sindical, com a disciplina cientifica, etc). Estas duas dimensões sociais da prática de ensino constituem o espaço social onde o professor constrói, afirma e negoceia constantemente o seu lugar e a sua identidade (1993, p.88).

Neste processo de socialização biográfico e relacional, o professor pode recorrer a “esquemas de tipificação” ou “tipos identitários” disponíveis (Dubar, 1996, p.112) que, sendo categorias pré - existentes, consubstanciam modelos ideais, modelos face aos quais se podem identificar ou opôr, aceitar ou recusar, trabalhar, reinterpretar e combinar. Segundo (Demailly,1997,p.3) estes modelos ideais permitem perspetivar a problemática da identidade profissional docente como “objeto simbólico coletivo,

ligado às profissionalidades legitimas, podendo ser objeto de lutas” .

A pertinência e legitimidade destes modelos ideias podem variar segundo o contexto socio-histórico, segundo as temporalidades biográficas (as idades da vida) e segundo os espaços sociais (a situação internacional). Nessa medida, Lang (1999,p.59) sublinha que os modelos ideais face aos quais os professores se podem identificar são historicamente contingentes, em virtude da evolução da profissão e das conceções sobre o ensino e sobre o papel do professor.

E, uma vez que não existe mais um papel típico de professor, havendo antes uma diversidade de papéis, e a necessidade de responder a várias exigências e expectativas

por vezes contraditórias, Tardif e Lessard (1999, p.39 e 131) entendem que o professor é um “camaleão profissional” na medida em que, a construção da sua identidade depende cada vez mais de si próprio e cada vez menos da escola enquanto instituição.

Assim sendo, segundo Cattonar (2001), podemos considerar que se trata de uma identidade profissional compósita, porque o próprio trabalho docente é compósito, exigindo do professor diferentes posturas, atitudes, habilidades e conhecimentos.

A influência da interação da biografia, da experiência e do contexto profissional na construção e reconstrução da identidade dos professores constitui ainda fonte de polémica (Day et al.,2006) entre os investigadores que se têm dedicado a este tema: para uns, a estabilidade baseada num conjunto de valores, de crenças e de práticas caracteriza a identidade docente (Nias,1989; Beijaard,1995); para outros, esta é essencialmente instável, porque influenciada pelos projetos biográficos e/ou pelas mudanças no contexto de trabalho (Cooper & Olson,1996; Maclure,1993).