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A fase atual de socialização – interesse pela pesquisa e identificação com a profissão.

Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados

4.3 Trajetórias de Professores de Educação Especial 1 Lourenço, 35 anos de idade.

4.3.1.6 A fase atual de socialização – interesse pela pesquisa e identificação com a profissão.

A experiência prévia na educação especial e a formação especializada, entretanto concluída, justificam a ideia de “consolidação” que Lourenço associa a esta última fase do seu percurso, ou seja, à fase atual.

É quando descreve a prática profissional atual que podemos identificar os pressupostos educativos que a fundamentam, as formas como organiza a intervenção junto das escolas, e os critérios de eficácia que considera essenciais na profissão. Estas três dimensões são reveladoras do processo de interiorização de saberes, de valores e de atitudes da profissão, permitindo portanto compreender a fase atual de socialização e o processo identitário que lhe está associado.

O princípio de que a escola é para todos é sobremaneira defendido por Lourenço, bem como o respeito pela individualidade da criança; neste aspeto, sublinha ainda a necessidade de não fazer juízos de valor sobre a criança e de a perspetivar como única em termos de desenvolvimento e de aprendizagem. É com base nestes princípios que

equaciona o seu papel e as suas funções na escola. Enquanto professor de educação especial, perspetiva-se como um recurso da escola e, nesse sentido, considera fundamental desenvolver uma intervenção holística, onde o apoio à escola e à família, a procura de soluções para eventuais problemas, a mudança de perceções de professores e alunos e a melhoria da auto - estima dos alunos com NEE consubstanciam objetivos essenciais da sua ação, ação que pretende seja sempre facilitadora da inclusão.

Perante estes princípios, e consoante as características dos alunos com NEE e dos respetivos contextos educativos, Lourenço desenvolve dois tipos de apoio: individual e em grupo. Este apoio pode ser efetuado no espaço próprio existente nas escolas, no espaço /sala do ensino regular e ainda no ginásio. São as necessidades e características dos alunos e das escolas que determinam a opção pelo local e pelo tipo de apoio: no ensino pré-escolar o apoio acontece com mais frequência na sala e perante determinadas dificuldades dos alunos Lourenço recorre a espaços diferentes, como podemos perceber no seguinte excerto:

(…) No primeiro ciclo tenho uma sala, trabalho numa sala, quer numa escola quer na

outra; no pré-escolar trabalho dentro da sala mas por vezes tenho necessidade de trabalhar mais afastado do grupo, existem determinados conteúdos, determinados assuntos que eu tenho necessidade de trabalhá-los individualmente com aquele aluno específico ou com um grupo muito pequenino de dois alunos. Muitas vezes tenho necessidade de recorrer ao ginásio quando existem problemas, dificuldades de motricidade global, foi assim que eu estruturei a minha intervenção junto dos meus alunos (…).

É também possível verificar através da narrativa que a intervenção acontece em dois estabelecimentos escolares, abrange dois níveis de escolaridade (Educação Pré- Escolar e 1º Ciclo do Ensino Básico), envolve uma média de oito alunos por dia e distribui-se entre o período da manhã e da tarde.

Na perspetiva de Lourenço, pensar em termos de eficácia na educação especial implica considerar a relação entre competências do professor e desempenho dos alunos. Atribuindo uma maior ênfase às competências de intervenção e de avaliação do professor, a narrativa sugere que, em última análise, a eficácia está associada a processos de ensino aprendizagem facilitadores da aquisição de níveis de maior autonomia por parte dos alunos, o que nos parece particularmente pertinente perante alunos com NEE.

Quando a narrativa se centra nas competências do professor é possível perceber como Lourenço tem vindo a interiorizar alguns dos saberes da profissão. Perspetivando a avaliação como um processo facilitador da compreensão dos problemas e das limitações dos alunos com NEE, sublinha a necessidade de uma “intervenção

cirúrgica”.

E é interessante verificar como Lourenço associa o interesse atual pela compreensão dos problemas dos alunos com NEE a outros interesses que o caracterizam, nomeadamente os que se relacionam com a área da saúde; como se pode constatar no excerto que seguidamente se apresenta, esses interesses semelhantes justificaram a continuidade na educação especial e, um última análise, o processo de identificação com a profissão:

(…) Na área da saúde eu sempre gostei de perceber como é que as coisas funcionam, o

porquê o que está na génese, o que está na origem. E na área da Educação Especial sempre tentei fazer o mesmo. Tentar perceber mas por que é que acontece assim, ou melhor por que é que aquela criança ou aquele jovem tem este perfil. (…) E foi este gosto por perceber o que se passa à volta daquela problemática, perceber porquê e então qual é caminho que eu posso traçar, que me fez continuar (…).

Para além da compreensão dos problemas, as competências a nível da intervenção narradas abrangem a observação sistemática, o desenvolvimento de expectativas adequadas face ao futuro dos alunos e a implementação de processos de ensino por etapas que permitam de aprendizagens mais simples, evoluir para outras mais complexas.

Já no que diz respeito ao exercício da profissão, Lourenço assinala as boas condições de trabalho das escolas onde exerce funções, sublinhando os recursos materiais existentes e o fácil acesso aos mesmos.

Por outro lado, perante as alterações legislativas ocorridas ultimamente na educação especial76, é visível na narrativa como, através da leitura, da análise cuidada e da procura de formação contínua, procurou adaptar-se às exigências da nova legislação, nomeadamente as decorrentes da utilização da Classificação Internacional de Funcionalidade na avaliação dos alunos; e, no que diz respeito à criação de unidades de apoio para alunos com necessidades de carácter permanente, Lourenço sublinha também

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a pertinência desta medida, perante uma escola que se pretende inclusiva, não deixando no entanto de assinalar alguma preocupação quanto a eventuais desvios que poderão ocorrer na sua implementação prática.

Mas, o que atualmente constitui fonte de grande satisfação profissional tem a ver com as situações em que sente, pela evolução que observa, que a sua intervenção faz “alguma diferença” na vida dos alunos, sendo portanto “um fator positivo na vida e na

carreira deles (…)”. Este prazer decorrente da intervenção surge de forma evidente na

narrativa quando sublinha que o importante na profissão é gostar daquilo que se faz. De facto, é significativa a maneira como se refere à profissão e o valor que lhe atribui, como podemos observar no seguinte excerto:

(…) É bastante gratificante, apesar de todos os condicionalismos e dificuldades é

gratificante trabalhar com os alunos da Educação Especial. Acho que é enriquecedor tanto do ponto de vista profissional, como do ponto de vista humano (…)”.

Em síntese, os fatores que atualmente facilitam a socialização de Lourenço enquanto professor de educação especial prendem-se com a forma positiva como encara a profissão e com as fontes de satisfação que experimenta, as quais estão associadas, por um lado, à evolução dos alunos com NEE com quem trabalha e aos recursos materiais de que dispõe e, por outro, ao processo de adaptação que desenvolveu face às mudanças legislativas.

Mas, apesar destes fatores facilitadores, Lourenço faz questão de assinalar também um conjunto significativo de aspetos que constituem constrangimentos à sua socialização atual, a saber: as mudanças preconizadas em termos de política educativa, as condições de trabalho, as características da intervenção, a cultura organizacional da escola atual e, por último, os sentimentos que experimenta enquanto professor de educação especial.

Existe um conjunto diversificado de fatores circunstanciais e contextuais que justificam o mal - estar e o cansaço de Lourenço nesta fase do seu percurso. As alterações legislativas no domínio da Educação Especial ocorridas no ano anterior associadas às exigências atuais inerentes à avaliação do desempenho dos docentes consubstanciam na perspetiva de Lourenço razões efetivas do cansaço e mal - estar referidos (Cf. figura 10).

Figura 10. Fase atual de socialização – fatores dificultadores

A implementação prática das medidas legislativas referentes à educação especial e à avaliação do desempenho dos docentes justificam não só o cansaço decorrente do excesso de trabalho e do excesso de tarefas burocráticas, mas também as dificuldades sentidas no exercício da profissão, nomeadamente na intervenção junto dos alunos, na articulação com a área da saúde e na avaliação do desempenho do professor de educação especial.

No que diz respeito ao decreto-lei nº3, as dificuldades de implementação prática das medidas preconizadas prendem-se com a falta de preparação dos professores de educação especial, com a falta de formação contínua no âmbito da Classificação Internacional de Funcionalidade e com a falta de informação na área da saúde. À partida, a articulação e a participação destes técnicos no processo de avaliação dos alunos não foi uma tarefa fácil e, tal facto, está também associado, no entender de Lourenço, à escassa abertura da escola ao exterior.

Por sua vez, a implementação da avaliação dos professores no âmbito da Educação Especial causou à partida um excesso de tarefas burocráticas e implicou dificuldades acrescidas devido à desadequação dos instrumentos previstos (registos, planos de aula, etc). Na opinião de Lourenço, os instrumentos de avaliação propostos, porque definidos e pensados para o professor de ensino regular, são completamente desfasados da realidade da Educação Especial e tem sido difícil a sua adaptação, dadas

as diversas formas de trabalho existentes na profissão (apoio direto a alunos em diferentes contextos e apoio indireto através do trabalho diário de cooperação com o professor de ensino regular).

Por outro lado, o facto de atualmente a oferta em termos de formação contínua na educação especial ser escassa, coloca dificuldades acrescidas à avaliação dos docentes; com efeito, os professores de educação especial confrontam-se com uma situação de desvantagem, já que na sua área específica existe pouca formação creditada e com o valor exigido para a avaliação do desempenho.

E, a propósito da falta de formação contínua, Lourenço queixa-se ainda da falta de financiamento atual por parte do sistema educativo, do custo excessivo de alguma formação creditada e da desadequação da forma como está organizada, uma vez que implica, em certas situações, o pedido de dias de férias para a sua frequência. Neste contexto, apesar de sublinhar a importância da formação proporcionada pelo Ministério da Educação, na fase de implementação do Decreto-lei nº 3, considera que o número de professores envolvido (dois por agrupamento) foi claramente insuficiente.

No que diz respeito às características da prática profissional atual, Lourenço associa o comportamento agitado dos alunos à falta de tempo dos pais e entende que tal comportamento exige por parte do professor, a reformulação constante de metodologias de ensino. Por outro lado, e porque desenvolve um trabalho de grande ligação com a família, a desadequação das expectativas dos pais dos alunos com NEE, constitui fonte de preocupação. Já relativamente à articulação com os professores de ensino regular, Lourenço tem consciência de que as dificuldades ainda existentes decorrem em grande medida pelo facto de a sua intervenção ser muito centrada nos alunos e pouco na cooperação com os colegas. No entanto, não deixa de assinalar alguma evolução e alguma mudança na sua ação, uma vez que tem conseguido implementar estratégias de articulação com o professor e com o grupo/turma facilitadoras da integração dos alunos com NEE. O facto de estes alunos apresentarem ao grupo/turma alguns dos projetos e trabalhos realizados com o professor de educação especial tem facilitado a articulação com o professor do ensino regular; simultaneamente tem permitido mudar a perceção negativa existente sobre as competências daqueles alunos e melhorar a auto -estima. Como anteriormente referimos, porque a intervenção que Lourenço desenvolve tem como finalidade a inclusão dos alunos, estes dois objetivos são particularmente importantes na sua ação.

4.3.1.7 Mudanças e sentimentos face à mudança – o lugar da formação e da