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O encontro com a educação especial transformação da motivação extrínseca em intrínseca.

Capítulo IV: Apresentação e Análise dos Resultados

4.3 Trajetórias de Professores de Educação Especial 1 Lourenço, 35 anos de idade.

4.3.1.3 O encontro com a educação especial transformação da motivação extrínseca em intrínseca.

(…) Uma segunda fase foi quando comecei a trabalhar na Educação Especial, nos

Apoios Educativos (…).

Ora, se ser professor constituiu uma escolha difícil e ambivalente, tal não aconteceu relativamente à opção pela educação especial. Com efeito, para além dos aspetos de natureza circunstancial que estão associados a esta escolha, são sobretudo razões de natureza pragmática que inicialmente a fundamentam.

Importa referir que, à partida, teve particular importância nesta escolha, a perceção prévia que Lourenço tem sobre a profissão e sobre os professores de educação especial. A possibilidade de exercer funções de apoio sem ser necessária uma formação especializada, existindo portanto as mais diversas situações em termos profissionais, surge associada e legitima a ideia de que o trabalho a realizar é fácil, que não exige uma particular relação com o ensino regular e que permite ao professor ter bastante tempo livre. Por outro lado, na sua narrativa Lourenço mostra uma imagem “quase mágica” das funções dos professores especializados em educação especial, já que considera que têm respostas ou “receitas” para cada uma das diversas problemáticas dos alunos. Os excertos da narrativa que seguidamente se apresentam mostram esta perceção prévia sobre a profissão e a sua relação com as razões de natureza pragmática que justificaram o concurso para os Apoios Educativos:

(…) Eu achava que os professores de educação especial … na altura havia dois grupos… havia o grupo das pessoas especializadas e das pessoas não especializadas. Na altura eu pensava que os professores especializados conseguiam e tinham conhecimentos sobre as estratégias a utilizar em cada situação … portanto é um

menino autista e nós fazemos isto, e isto e isto. Tinham uma receita, e que podiam … a articulação deles com o professor do ensino regular não era assim nada de especial, portanto relacionavam-se pouco, cada um estava um pouco no seu cantinho, mas o PEE tinha um formulário em que tinha fórmulas para cada situação (…).

(…) E tinha um exemplo, se calhar um mau exemplo, de colegas que estavam nesses lugares de professores de apoio não especializado e que realmente tinham muito tempo livre e que … que lhes permitia ter algum tempo. Foi sobretudo uma questão de tempo que me fez concorrer (…).

Como antes se referiu, Lourenço entra na profissão docente e, simultaneamente, inicia outro curso enquanto trabalhador estudante. Esta circunstância está na base da mudança do ensino regular para a educação especial, mudança que acontece quando decide concorrer para exercer funções de apoio educativo, por precisar de tempo para dedicar ao curso (Cf. figura 7).

Figura 7. Motivação para ser professor

As razões de natureza pragmática tiveram assim uma significativa influência na escolha da educação especial. Com efeito, quer quando refere as razões que justificaram a sua escolha, quer quando enuncia os motivos de outros docentes que realizaram o mesmo percurso, encontramos na narrativa de Lourenço vários exemplos desse pragmatismo. O facto de a profissão ser percebida como um espaço de menor trabalho e

de menor responsabilidade perante a escassez de resultados dos alunos, associado à dificuldade atual em assegurar colocação no ensino justificam, na perspetiva de Lourenço, o aumento evidente de docentes que concorrem para a educação especial e que realizam a especialização.

Neste cenário, a Educação Especial constitui-se como uma saída profissional possível e, nessa medida, pode facilitar o acesso e a continuidade na carreira docente.

Embora inicialmente apenas a perceção prévia sobre a profissão e as razões de natureza pragmática permitam compreender a escolha de Lourenço face à Educação Especial, outras razões, de natureza ética vão surgir, perante a colocação como docente de apoio educativo e quando confrontado com o real. E é precisamente quando confrontado com alunos com problemáticas graves que, entre sentimentos de surpresa, de receio e de dúvida, Lourenço tem consciência das implicações profissionais da sua escolha, como podemos constatar nos excertos seguintes:

(…) Só que depois… as coisas realmente mudaram, tanto que nesse lugar se calhar

estava assim previsto, que nesse lugar encontrasse duas crianças que eram crianças de Educação Especial. Eram crianças com uma problemática, com um défice cognitivo, muito grave e grave, e elas … elas … eu era o professor de apoio delas! Elas precisavam de mim! E eu pensei… o que é que eu vou fazer com estas crianças? Não foi isto… não era esta a minha perspetiva, não era esta a minha expetativa… o que é que vou fazer?”

Deste modo, é quando percebe a dimensão da sua responsabilidade enquanto educador que o sentido ético, de cuidado e de solicitude, surge na sua narrativa. Ajudar os alunos, melhorar o seu quotidiano, motivar e transmitir alegria constituem exemplos de razões de natureza ética que, em última análise, transformaram a motivação pela Educação Especial. Nessa medida, o encontro com a educação especial permitiu transformar a motivação extrínseca em intrínseca, o que em última análise pôde constituir uma forma de ultrapassar a indefinição profissional da fase inicial, e proporcionar a Lourenço uma fixação e identificação profissional. Os três excertos da narrativa que se apresentam seguidamente ilustram, de certo modo, esta transformação:

(…) Foi a grande mudança, sobretudo que podia … não sei, ou pela minha maneira de ser, de comunicar com eles, interagir com essas crianças, tentar transmitir sempre mais uma ideia, transmitir sempre alegria, boa disposição, e às vezes eu sentia que essas

crianças estavam rodeadas de um clima não muito acolhedor…e eu acho que isso foi importante (…).

(…) Transmitir sempre alguma alegria naquilo que faço. Às vezes, há sempre situações

horríveis, mas eu tento sempre ser o motor …. E tentar sempre transmitir o lado positivo, tentar ter sempre um sorriso e tentar colocá-los sempre… tentar criar um clima em que eles se sintam bem (…).

(…) Eu tento sempre envolvê-los ao máximo, e procurei sempre que eles gostassem de

trabalhar comigo e que … e isso acho que tem sido muito importante para conseguir chegar a eles. E, por isso, esse ano foi… esse primeiro ano foi muito importante e muito positivo (…).