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Educação inclusiva e igualdade de oportunidades – entre intenções políticas e práticas educativas.

Capítulo II Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual

2.2 Educação inclusiva e igualdade de oportunidades – entre intenções políticas e práticas educativas.

Numa escola que se pretende para todos, a questão da igualdade de oportunidades educativas constitui um direito inalienável, significando, em termos políticos e legais, que, perante a lei, todos os indivíduos têm o direito a ingressar e a participar no sistema educativo (Cardoso,1996).

Neste quadro, em termos de política educativa, Portugal tem procurado acompanhar os princípios e as mudanças preconizadas na comunidade internacional relativamente à educação de crianças e jovens com necessidades educativas especiais.

De facto, a Lei de Bases do Sistema Educativo (L.B.S.E.46/86) é clara quando considera fundamental democratizar o ensino e quando preconiza uma “justa e efetiva

igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares”. A análise dos objetivos que

se definem para o ensino básico mostra a intenção clara de:

-“assegurar às crianças com necessidades educativas específicas (...) condições

adequadas ao seu desenvolvimento e ao pleno aproveitamento das suas capacidades” e,

- “criar condições para o sucesso escolar e educativo de todos os alunos”.

Normativos legais posteriores53 vieram consubstanciar formas de implementação destes princípios educativos, anunciando em termos gerais que a escolaridade é obrigatória também para alunos com necessidades educativas especiais, que a escola dita “regular” é responsável pela educação dos alunos com deficiências ou com dificuldades de aprendizagem, que a educação destes se deve processar num meio o menos restritivo possível, definindo-se, consequentemente, um conjunto de medidas a implementar, visando a integração.

Estas disposições oficiais assumiram particular significado no âmbito da educação especial, uma vez que legitimaram práticas de integração escolar, já desenvolvidas no nosso país desde a década de 70, e permitiram um progressivo acesso dos alunos com necessidades educativas especiais à escola.

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Este acesso tornou-se ainda mais evidente após a adesão do nosso país aos princípios educativos enunciados na Declaração de Salamanca (1994), a qual adquiriu visibilidade com a publicação do Despacho – conjunto nº 105/97 que preconiza a escola inclusiva e regulamenta os apoios educativos.

Neste despacho, a responsabilidade pelo percurso educativo dos alunos com necessidades educativas especiais deixa de ser imputada apenas ao professor da turma e ao professor de educação especial, exigindo antes uma articulação entre os diversos agentes educativos (órgãos de gestão e coordenação da escola, docentes da turma, alunos, docentes de apoio educativo, equipas de coordenação dos apoios educativos, auxiliares de ação educativa, famílias e outras estruturas e serviços do meio), o que significa uma efetiva responsabilização de toda a comunidade escolar.

No despacho antes referido, os professores de educação especial, passam desde então a designar-se “docentes de apoio educativo” e, a criação desta “nova” figura significa não apenas uma alteração terminológica, mas, sobretudo uma mudança em termos das funções e papéis que lhes são agora atribuídos. Com efeito, as funções destes docentes não se limitam às do tradicional professor de educação especial, cuja intervenção se centra no apoio direto ao aluno com necessidades educativas especiais, devendo antes e, sobretudo, abranger a otimização do processo de aprendizagem de todos os alunos da escola, o que envolve processos de colaboração com os professores das turmas e de participação efetiva na gestão e organização da escola, de forma a sensibilizar toda a comunidade educativa para a importância da educação inclusiva.

A implementação prática do Despacho – conjunto nº 105/97 teve consequências evidentes num significativo aumento do número de alunos com necessidades educativas especiais integrados no sistema regular de ensino. De facto, se considerarmos a informação divulgada pela Agência Europeia para o Desenvolvimento da Educação Especial em 2003, verificamos que, de entre os países que aderiram aos princípios da escola inclusiva, Portugal se encontra no grupo que tem menos de 1% do total da população escolar em escolas especiais.

A intenção de garantir uma escola inclusiva implicou um aumento substancial do número de docentes de apoio educativo; no entanto, tal não significou um atendimento adequado e eficaz às necessidades educativas especiais, uma vez que muitos dos docentes recrutados para apoio não tinham tido qualquer formação nesse sentido.

Por sua vez, as práticas posteriormente desenvolvidas mostraram-se por vezes ineficazes, em grande parte devido a dificuldades nos processos de identificação das

necessidades educativas especiais dos alunos. Esta situação teve consequências, quer no que diz respeito ao atendimento destes alunos, quer no que toca à organização geral da escola.

Com efeito, a observação realizada em algumas escolas permite perceber que a inclusão se limitou, por vezes, à colocação na sala de aula de alunos com necessidades educativas especiais sem qualquer apoio especializado ou com o apoio de docentes recém licenciados sem qualquer experiência no ensino. Por outro lado, verificaram-se, com alguma frequência, situações em que os alunos são retirados da sala de aula para apoio especializado, quando as dificuldades que manifestam na aprendizagem deveriam ser equacionadas no âmbito de uma gestão mais flexível do currículo, por parte do professor.

Assim sendo, no final dos anos noventa, o aumento verificado do número de alunos sinalizado para apoio educativo evidenciou, por um lado, a dificuldade das escolas e dos professores em delimitarem o conceito de necessidades educativas especiais e, por outro, a importância de definir com maior clareza o âmbito e a natureza das funções a desempenhar pelo professor especializado na escola atual.

Posteriormente e já na primeira década de 2000, novas mudanças surgiram m termos de política educativa: por um lado a criação de um quadro de professores de educação especial, a sua maior vinculação a escolas e a agrupamentos através de concurso próprio (decreto-lei nº20/2006) e, por outro, a definição dos “apoios

especializados”, visando “responder às necessidades educativas especiais dos alunos com limitações significativas ao nível da atividade e da participação” (decreto-lei nº

3/2008).

Tendo como referente as medidas previstas no despacho-conjunto nº 105/97, Sanches &Teodoro (2006), consideram que com esta mudança de designação se recua várias décadas em termos não só do discurso, mas também em termos das práticas que visavam a construção de uma escola para todos.

Por sua vez, no início de 2008, com a publicação do decreto-lei nº 3, definem-se de novo um conjunto de medidas que irão alterar de forma substantiva a intervenção da educação especial.

Desde logo convém assinalar as mudanças nas designações, algo que, como temos vindo a constatar ao longo deste capítulo, constitui tema/problema recorrente no domínio da educação especial: docente de apoio educativo/ docente de educação especial; apoios educativos/apoios especializados; necessidades educativas especiais/

necessidades educativas especiais de carácter permanente; identificação de NEE/referenciação de NEE… Por sua vez é evidente o retomar de conceitos que na anterior legislação eram subliminares, como por exemplo o de educação especial, de docente de educação especial e de apoios especializados.

Mas para além destas novas designações, o decreto-lei determina, entre outros aspetos que:

- a intervenção do docente de educação especial deve incidir em alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente, sendo para tanto fundamental o desenvolvimento de um processo e de um relatório de avaliação técnico-pedagógico onde constem os resultados obtidos por referência à Classificação Internacional de Funcionalidade;

- com base na avaliação antes referida, importa tomar decisões sobre as seis medidas educativas possíveis a implementar: apoio pedagógico personalizado; adequações curriculares individuais; adequações no processo de matrícula; adequações no processo de avaliação; currículo específico individual; tecnologias de apoio;

- a educação de crianças e jovens surdos, de alunos cegos e com baixa visão, de alunos com perturbações do espectro de autismo e de alunos com multideficiência e surdo-cegueira, se realize nas escolas do ensino regular, em modalidades específicas: ou em escolas de referência ou em unidades de apoio especializada criadas para o efeito.

Importa notar que todas estas mudanças têm como base

“um sistema de educação flexível, pautado por uma política global integrada, que

permita responder à diversidade de características de todos os alunos que implicam a inclusão das crianças e jovens com necessidades educativas especiais no quadro de uma política de qualidade orientada para o sucesso de todos os alunos” (decreto-lei

3/2008).

Parecem-nos portanto pertinentes as críticas que Correia (2008) assinala quando analisa aquele decreto-lei, quer em termos dos pressupostos em que se fundamenta, quer em termos das respostas educativas que se propõe assegurar. Nesse sentido, quando analisa o preâmbulo, refere, e citamos, que:

“(…) “estamos perante um decreto-lei sintática e semanticamente confuso,

bastando para o confirmar, ler-se o primeiro parágrafo do seu preâmbulo. Retórico, com os chavões que, nesta matéria já nos acostumámos a ouvir, tal como “todos os

alunos têm necessidades educativas …”, ficando-se pela oratória em detrimento da conceptualização de termos como, por exemplo, o de inclusão, de educação especial e de necessidades educativas especiais.” (Correia,2008, p. 71,72)

E, a propósito das respostas educativas que o decreto em análise se propõe facultar, o autor que temos vindo a seguir sublinha “a condição restritiva e

discriminatória da lei” (op cit. p. 73), uma vez que parece limitar o atendimento a

crianças e jovens com determinadas necessidades educativas especiais, discriminando alunos que apresentam dificuldades de aprendizagem específicas, desordens por défice de atenção, perturbações emocionais e de comportamento, e que em seu entender representam a maioria os alunos com necessidades educativas especiais.

Em síntese, as sucessivas mudanças em termos de política educativa que nos últimos anos vêm acontecendo no domínio da educação especial mostram que a tentativa de ir ao encontro de princípios e políticas preconizadas internacionalmente, se tem desenvolvido num processo caracterizado ora por avanços súbitos, ora por retrocessos, que terão com certeza repercussões na prática profissional, na qualidade das respostas educativas proporcionadas às populações com necessidades educativas especiais e na formação que, entretanto, se vem realizando neste domínio.

De facto, a análise comparativa entre os pressupostos e princípios preconizados no despacho-conjunto nº 105/95 e as disposições do decreto-lei nº 3/2008 revela a existência de pontos de vista divergentes, apontando-se ora para a necessidade de mudança e de intervenção na escola enquanto organização numa perspetiva não categorial, ora para a urgência de responder de forma eficaz às necessidades educativas especiais de carácter permanente, explicitando de forma inequívoca as categorias que se enquadram neste conceito, contrariando assim os pressupostos e princípios de uma escola inclusiva que respeita e valoriza a diversidade, e que considera nefastas as classificações e as categorizações.

É pois neste cenário caracterizado pela descontinuidade das políticas educativas que os professores de educação especial vêm exercendo as suas funções nas escolas, sendo difícil compreender quais são efetivamente as funções e os papéis que lhe são atribuídos. E, é também perante esta pluralidade de funções que lhes vêm sendo atribuídas ao longo dos últimos anos (através dos dois decretos antes analisados), que a formação especializada tem vindo a organizar-se, de modo a ir ao encontro das necessidades determinadas pelo sistema.