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O contributo da formação especializada para a socialização profissional.

Capítulo II Ser Professor de Educação Especial na Escola Atual

1. Planificação/programação:

2.4 A socialização dos professores de educação especial.

2.4.2 O contributo da formação especializada para a socialização profissional.

Como vimos anteriormente, a socialização dos professores constitui um processo que ocorre ao longo de toda uma carreira, que envolve diversas fases ou períodos e que

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O estudo envolveu a aplicação de um questionário a156 professores de educação especial no final do primeiro ano de trabalho, para identificar as necessidades associadas à entrada na profissão.

decorre da interação ativa e constante entre o indivíduo e os agentes de socialização dos diversos contextos onde aprende a ser professor e onde exerce a profissão docente.

No que diz respeito aos professores de educação especial, o processo de socialização é determinado, por um lado, por fatores de natureza individual e organizacional e, por outro, por fatores que decorrem da formação especializada. Trata- se, no entanto, de um processo com característica específicas e únicas, quer pela natureza dos papéis e responsabilidades atribuídas a estes docentes (Quaglia e Davis, 1991) quer pelas características particulares da formação e dos formandos (Pugach, 1992; Young,2007).

As razões subjacentes à opção pela educação especial e as expectativas que os professores desenvolvem quando decidem realizar cursos de especialização constituem dimensões sobremaneira importantes quando procuramos compreender os processos de socialização destes profissionais e as mudanças que daí decorrem.

Nessa medida, o estudo de Hausstätter (2007)66 sobre as motivações subjacentes à escolha do curso de formação em educação especial revela-se significativo uma vez que refere a existência de dois tipos de razões para ser professor nesta área: querer ajudar os alunos que têm dificuldades na aprendizagem e pretender aumentar as qualificações profissionais face ao mercado de trabalho.

O facto de os professores terem tido, enquanto alunos, situações de insucesso e de dificuldades na aprendizagem e/ou o facto de terem já experiência enquanto docentes na área da educação especial, constituem aspetos comuns, que caracterizam e que subjazem às motivações centradas nos alunos. Estas experiências fundamentam a sua opção e as expectativas que desenvolvem face à formação: aquisição de capacidades e competências que lhes permitam ajudar as pessoas que, de uma forma ou de outra, precisam de apoio para participar na sociedade; aprender de forma teórica e prática processos que possibilitem ajudar os seus alunos, ou outros, em situações semelhantes de dificuldade (Hausstätter ,2007).

Por outro lado, realizar um curso de especialização em educação especial constitui, segundo o autor que vimos seguindo, uma boa maneira de conseguir trabalho, e também de dar ao professor mais autoridade e conhecimento para mudar a sua

66 O estudo envolveu entrevistas a 50 sujeitos e aplicação posterior de um questionário; realizou-se na Noruega onde

a formação para trabalhar na educação especial acontece apenas após o professor ter adquirido formação pedagógica. Trata-se de um curso de formação que envolve dois anos, num primeiro abordam-se conteúdos de natureza mais genérica mas que constituem os fundamentos da Educação Especial e, num segundo ano, realiza-se a especialização numa das áreas que integram as necessidades educativas especiais ( Hausstätter, 2007).

situação profissional actual. A formação em educação especial constitui também uma forma de acreditação profissional, o que é particularmente importante para os docentes com experiência prévia naquele domínio, facilitando assim a aprendizagem de competências relativas às metodologias de intervenção com a criança, com a família e com a comunidade escolar no seu conjunto, bem como, o conhecimento de aspectos de natureza organizacional.

Neste estudo o autor conclui que as motivações para escolher o curso de educação especial não são, como seria desejável, de natureza filantropica e humanitária, decorrendo antes de vantagens em termos de carreira para o professor . Por sua vez, o estudo sugere que uma elevada percentagem de professores estão interessados nos aspectos teóricos deste tipo de educação e que a área de maior interesse se situa ainda numa perspectiva tradicional, médico-psicológica; de facto, muito embora considerem importantes, em termos ideológicos, a perspectiva organizacional e a perspectiva sociológica, o que os professores querem aprender no curso de especialização incide sobretudo nos diferentes métodos de ensino, nas formas de diagnóstico de diferentes problemáticas e nos processos de implementação deste tipo de conhecimento em diversos contextos educativos. Nessa medida, na educação especial, a tradição em termos de intervenção, impede/dificulta o desenvolvimento de práticas com vista a uma educação inclusiva. (Hausstätter , 2007).

Importa ainda referir que a formação de professores de educação especial com experiência prévia neste domínio coloca às instituições de formação problemas particulares a nível da socialização, ou seja, na aquisição seletiva de valores, atitudes e saberes veiculados no respetivo programa (Young, 2007). Neste aspeto, Young sublinha o facto dos candidatos à formação especializada terem um conhecimento prévio baseado na experiência de trabalho com crianças com necessidades educativas especiais e, perante tal, questiona os processos de socialização que poderão emergir, uma vez que é inevitável o confronto entre as crenças e conceções dos formandos decorrentes daquela experiência e as conceções sobre o papel e as funções do professor de educação especial subjacentes ao programa de formação.

Com efeito, estes profissionais são influenciados pela cultura organizacional do local de trabalho, e pelos valores, atitudes e saberes veiculados durante a formação

especializada67 (cf. figura 4), experimentando, portanto, processos de socialização simultâneos, diferentes dos verificados nos estudos sobre os professores de ensino regular68 (Young, 2007)).

Figura 4. Modelo de socialização na formação de professores de educação especial

(construído com base em Young, 2007)

Pugach (1992) compara os programas de formação de professores de ensino regular com os programas de formação de professores de educação especial e considera que estes últimos permitem o desenvolvimento de um processo de socialização mais forte; o facto da educação especial, enquanto área de intervenção, envolver o domínio de uma determinada linguagem técnica e da formação se fundamentar em pressupostos e princípios legais e não em determinada área disciplinar, constituem as razões que justificam a situação referida. Por sua vez, a ausência da aprendizagem prévia decorrente da observação, uma vez que os docentes não passaram doze anos na sala de aula a aprender modelos e práticas de inclusão, pode permitir que os programas de formação especializada se centrem em novas formas de pedagogia, não sendo necessário dissipar, ou fazer desaparecer velhas crenças.

E é neste contexto que o estudo de Young (2007)69 procura perceber em que medida a experiência prévia no âmbito da educação especial influencia o processo de formação e de socialização. Os resultados do estudo revelam que a socialização destes professores pode ser completa, seletiva e/ou rejeitada, o que significa que os formandos

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Segundo o estudo apresentado por Young (2007) algumas universidades dos Estados Unidos, nomeadamente a de Califórnia, realizam cursos de formação para professores que, embora já trabalhem na educação especial, ainda não se especializaram. Importa assinalar que no nosso país esta situação é também muito frequente nos candidatos aos cursos de especialização em Educação Especial.

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O autor refere-se especificamente aos estudos sobre a socialização dos professores de ensino regular realizados por Lortie, Lacey e Zeickner.

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O estudo envolveu a realização de entrevistas semi - diretivas a quatro professores que frequentaram o curso de especialização em Educação Especial da Universidade de Califórnia, cujos objetivos principais eram transmitir/inculcar valores, interesses conhecimentos e skills sobre a inclusão de alunos com necessidades educativas especiais nas classes do ensino regular.

adotam, adaptam ou rejeitam os valores e conhecimentos sobre inclusão veiculados pela formação, de modo a irem ao encontro das suas crenças prévias e a estarem de acordo com a cultura dos locais onde trabalham.

Trata-se, portanto, de um processo constante de negociação, no qual se torna evidente o papel ativo do sujeito, a influência determinante do conhecimento prévio e da cultura profissional atual, e a influência relativa da formação; em última análise, compreende-se a natureza idiossincrática e evolutiva do processo de socialização, sublinhada antes por diversos autores.

Em síntese, este capítulo permitiu perceber como a formação de professores em educação especial constitui uma problemática que envolve outras anteriores, como se viu e que importa considerar na investigação, de modo a ser possível delinear programas que vão ao encontro das necessidades da escola atual e que, assim fazendo, contribuam para a identificação do contributo do professor de educação especial na construção do ideal de escola inclusiva que pretendemos atingir.

Nessa medida, os estudos sobre os processos de socialização profissional destes docentes, porque ainda escassos e porque necessários para melhor equacionar os dispositivos de formação especializada e contínua, revestem-se, como vimos, de particular pertinência, dadas as condições ambíguas e indefinidas que vêm caracterizando o exercício profissional.