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Os ciclos de vida e as fases da carreira dos professores.

Capítulo I: Socialização, Identidade e Mudança

1.3 Identidades profissionais dos professores e mudança.

1.3.5 Os ciclos de vida e as fases da carreira dos professores.

As mudanças que ocorrem ao longo da carreira do professor têm vindo a ser objeto de estudo há vários anos por diversos autores que, numa perspetiva evolutiva, vêm traçando e definindo os diferentes ciclos e fases do percurso profissional docente. Essas fases poderão conferir inteligibilidade aos percursos dos professores que iremos estudar.

Ora, abordar o tema dos ciclos de vida e da carreira dos professores exige necessariamente uma referência aos estudos pioneiros desenvolvidos neste âmbito por Fuller (1969), ( Sikes (1985) e por Huberman (1989) sobre os professores do ensino secundário e, no nosso país, entre outros, aos estudos de Gonçalves (1992,2000) sobre os professores do ensino primário e aos estudos de Loureiro (1997) sobre a aplicabilidade do modelo de Huberman.

Na investigação que realizou sobre a carreira dos professores do ensino secundário, Sikes (1985, pp.27-60) considerou que o ciclo de vida do professor decorre desde o “ano probatório” até à reforma e, tendo as idades como referente, equacionou a existência de cinco fases, a saber:

Fase 1 – 21- 28 anos de idade

Nesta fase, as tarefas maiores prendem-se com a exploração das possibilidades da vida adulta e com a criação de uma estrutura de vida estável. Se, por um lado, é importante para o professor, conservar as opções em aberto, maximizar as alternativas e fugir a compromissos, por outro, ser mais responsável e desejar “fazer algo da vida” torna-se importante. Estas tarefas são ambas possíveis, uma vez que ensinar constitui

ainda algo que se está a ensaiar e não um projeto definitivo, não existindo um compromisso relativamente à profissão. Ser reconhecido pelos outros como profissional constitui o interesse fundamental e, nessa medida, é necessário aprender o conjunto de “skills”, habilidades e tecnologias inerentes ao ato de ensinar. Manter a disciplina na aula e aprender a melhor maneira de comunicar a matéria constituem fontes de preocupação para o professor. A matéria/ disciplina que leciona é percebida como a dimensão mais importante da profissão, já que constitui fonte de segurança, de identidade e de motivação.

A socialização na profissão é importante e acontece com base na observação e na experiência, através das quais o professor aprende os códigos de conduta e as regras informais da relação com colegas e com alunos.

Em termos gerais, os professores revelam prazer em estar com os alunos, com quem desenvolvem relações de amizade e companheirismo, o que decorre por um lado, da proximidade de idades existente, da consequente semelhança de interesses e, por último, da possibilidade da interação facilitar a relação pedagógica, evitando assim os problemas de indisciplina.

Fase 2 – 28 – 33 anos de idade

Nesta fase caracterizada pelo aumento de compromissos e responsabilidades, é fundamental estabelecer uma base de trabalho estável e planear uma estrutura de vida para o futuro. A alteração ou confirmação das escolhas profissionais acontece durante esta fase: alguns professores abandonam a profissão, outros exploram alternativas, outros ainda confirmam a sua opção e passam a ter como objetivo progredir na carreira. Esta progressão na carreira surge como um dos interesses principais e, apesar de poder ser indicador de insatisfação profissional, pode decorrer apenas da perceção que o professor tem de ser capaz de assumir maiores responsabilidades devido à experiência acumulada e das necessidades económicas maiores que agora experimenta, devidas a compromissos familiares.

Alguns podem tornar-se mais interessados pela inovação, pelo curriculum, começando a valorizar mais a pedagogia em detrimento da disciplina. A relação pedagógica é mais distante e formal, o que decorre da diferença de idades e de interesses entre professores e alunos se acentuar e ser mais evidente com o passar dos anos.

Fase 3 – 30 – 40 anos de idade

O empenhamento e o desenvolvimento de competências no trabalho que se escolheu revelam-se determinantes nesta fase. Muitos professores encontram-se no cume em termos de energia, de confiança em si próprios, de envolvimento e de ambição, dado nesta fase se conjugar experiência e um relativo grau de capacidade física e intelectual. As atitudes face à profissão podem ser positivas ou negativas. Os professores que têm uma atitude positiva face à profissão consideram que esta, porque interessante, justifica o esforço e perspetivam-na como uma carreira na qual podem investir para conseguir uma melhor posição.

Na situação oposta encontram-se os professores que abandonam definitivamente a profissão, em virtude do esforço não justificar a escassez dos “ganhos”.

Numa situação caracterizada por algum desinvestimento face à profissão, surgem os professores que conseguem uma carreira alternativa, em acumulação, e os que passam a investir mais na família, na casa, etc.

As preocupações fundamentais nesta fase prendem-se com a promoção na carreira e os interesses situam-se sobretudo nos processos de administração e organização escolares.

A relação entre professor e alunos, porque definitivamente de diferentes gerações, muda, podendo tornar-se mais parental e mais autoritária ou, noutros casos mais compreensiva e simpática.

Fase 4 – 40-50/55 anos de idade

Nesta fase de transição da juventude para a maturidade, o fundamental é saber viver com a ideia de que somos mortais, o que no caso dos professores é difícil, dado lidarem constantemente com gerações mais novas. Em termos psicológicos, a experiência pode ser tão traumática como a adolescência, uma vez que os professores questionam todo o seu percurso pessoal e profissional perguntando - se :”o que fizemos da nossa vida”?

Os docentes que se adaptaram bem, identificam-se e são identificados com a profissão e com a escola. Pela experiência e pela idade que possuem, alguns transformam-se em figuras de autoridade, em guardiões da tradição escolar, assumindo muitas vezes lugares de direção. A moral é elevada devido à confiança que experimenta face à sua capacidade profissional. O desejo de promoção na carreira diminui, permitindo ao professor “disfrutar” mais da interação com os alunos.

Perante uma adaptação menos fácil e com menos sucesso, pode-se constatar a inexistência de objetivos e de investimento quer em termos profissionais quer em termos pessoais, o que segundo Erickson, significa que os indivíduos se encontram numa fase de estagnação.

A relação que estabelecem quer com alunos, quer com colegas mais novos, é definitivamente parental.

Fase 5 – 50-55 anos de idade

O objetivo principal desta fase é preparar-se para a aposentação, mesmo perante os professores que gostaram da profissão, o que se justifica em virtude de começarem a sentir algum declínio de energia e de entusiasmo.

A atitude face à situação de ensino-aprendizagem é sobremaneira diferente: a autoridade que possuem, a aprendizagem decorrente da experiência profissional e a consciência da inexistência de mais promoções permite o assumir de uma postura mais permissiva em termos de disciplina na aula, bem como relativizar as fontes de aprendizagem. Sentindo-se mais livre na forma como desenvolve o ensino, assume a não inibe a sua individualidade como pessoa e como professor.

A relação pedagógica é afetada pela própria história do professor, pela sua reputação que, passando de pais para filhos, pode desencadear determinadas expetativas nos alunos. Estas podem ser vividas pelo professor como fonte de satisfação pelo sentido de continuidade que envolvem, ou como fonte de constrangimento, pela dificuldade em estabelecer relações baseadas em expetativas prévias.

As relações com os colegas mais novos são difíceis existindo uma perceção recíproca negativa e falta de comunicação. Apesar de serem críticos face às novas gerações, por vezes, ajudam e procuram dar conselhos sobre a resolução de situações.

As fontes de satisfação decorrentes de uma vida dedicada ao ensino estão associadas ao percurso de vida que os alunos desenvolveram. Essa satisfação, esse “valeu a pena ser professor” evidencia-se quando, já reformados, encontram com prazer os alunos e percebem o seu contributo para “tornar a criança um cidadão decente e

responsável”.

Huberman (1989, p.8) descreve também cinco fases da carreira dos professores do ensino secundário, tendo como referência não a idade, como Sikes, mas antes os anos de experiência docente.

A primeira “fase de entrada na carreira” (1-3 anos de experiência) caracteriza-se pela sobrevivência e pela descoberta: a primeira traduz a superação do “choque do

real”, ou seja, o confronto com a realidade da classe, a discrepância entre os ideais e a

realidade profissional, determinando assim uma atitude de tateamento contante e de preocupação consigo próprio; a segunda, a descoberta, evidencia o entusiasmo dos principiantes, a satisfação de ter finalmente a sua própria classe, a vontade de experimentar, e o sentimento de pertença a um grupo profissional definido.

Quadro 4 - Fases da carreira dos professores (Huberman ,1989, p.8)

Anos de experiência

Fases /temas da carreira

1 - 3 3 - 6 7 – 25 25 – 35 35 – 40 Entrada, Tateamento

Estabilização, Consolidação de um Repertório Pedagógico

Diversificação, Ativismo Contestação

Serenidade, Distanciamento Conservadorismo afetivo

Desinvestimento (sereno ou amargo)

Na fase seguinte, de “estabilização e de consolidação de um repertório

pedagógico”(3 - 6 anos de experiência), o professor assume um “compromisso definitivo” com a carreira; nesta segunda fase, o sentido de pertença a um grupo de

pares e a consolidação de um estilo próprio de ensino dão ao professor um sentimento generalizado de segurança, de descontração e de conforto psicológico.

A terceira fase de “diversificação, ativismo ou contestação” (7 – 25 anos de experiência) mostra como os percursos dos professores podem divergir: para alguns a preocupação central é melhorar o seu impacto junto dos alunos; para outros as

aspirações envolvem sobretudo os aspetos institucionais da escola, podendo verificar-se a este nível, uma procura ativa de cargos e responsabilidades; para outros ainda (embora não sendo comum à maioria) “a contestação” revela-se em sintomas que podem ir de um ligeiro sentimento de rotina a uma “crise existencial” face à carreira.

A quarta fase de “serenidade, distanciamento e conservadorismo afetivo”(25 – 35 anos de experiência ) significa um “estado de alma” caraterizado pela serenidade e confiança que experimentam face aos problemas da sala de aula, pelo maior distanciamento afetivo dos alunos e pelo menor investimento. O “conservadorismo” e as “queixas” surgem entre os 50 e os 60 anos, podendo os professores assumir posições críticas face aos alunos, à política educativa e aos colegas mais novos, entre outras.

Por último, a quinta fase de “desinvestimento sereno ou amargo” (35 - 40 anos de experiência) caracteriza a interiorização do final da carreira no qual o desinvestimento progressivo face à profissão possibilitam o consagrar de mais tempo a si próprio, aos seus interesses pessoais, a uma vida social mais refletida e filosófica; aquela interiorização pode ser vivida de forma serena ou amarga consoante o percurso anterior.

No nosso país, os estudos de Loureiro (1995, 1997) junto de professores do 3º ciclo e secundário vêm sublinhar a natureza variável dos percursos, uma vez que a mesma fase pode ser vivida de formas diversas pelos professores e que a passagem de uma fase para a outra não é linear, nem unidirecional.

Esta variabilidade de percursos vem sendo sublinhada por outros autores (Goodson 1985; Hargreaves,2005) quando referem que as carreiras práticas e as vidas dos professores são variáveis e quando não aceitam a ideia sugerida nos estudos que definem diferentes fases da carreira, de que os docentes, enquanto pessoas, vão passando as etapas da vida e da carreira num tempo previsível e de uma forma universal.

No estudo de natureza longitudinal efetuado por Gonçalves (1990; 2000, p. 396) sobre os percursos dos professores de 1º ciclo, o autor apresenta uma tipologia que abrange cinco etapas da carreira e “traços” característicos44.

44

Gonçalves realiza um primeiro estudo em 1990, com base em 40 entrevistas a professores do 1º CEB e numa perspetiva longitudinal realiza passados alguns anos novas entrevistas a 32 desses professores. Tendo constatado que o modelo de cinco fases na carreira inicialmente proposto, se mantinha, verificou no entanto que o tempo de permanência nas fases era diferente de professor para professor.

Quadro 5 - Etapas da carreira e “traços” característicos (In: Gonçalves, 2000, p.396) O “INÍCIO” (1 – 4 anos) Positivos -Alegria da descoberta Negativos -Falta de preparação - Choque do real ESTABILIDADE (5 -7 anos) Positivos

-Afirmação como profissional -Aquisição de confiança e segurança -Entusiasmo

Negativos

-Mera continuidade (desilusão) -Sentimento de estagnação DIVERGÊNCIA (8 -15 anos) Positivos -Empenhamento - Interesse

- Desejo de experimentar situações pedagógicas novas Negativos - Desmotivação - Desinteresse -Rotina -Contestação SERENIDADE (15-20/25 anos) Positivos - Reflexão -Ponderação

-Sentimento de ter valido a pena

Negativos

-Desencanto -Desinvestimento -Conformismo -Negativismo