5 A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA FRATERNIDADE
5.5 O preâmbulo da Constituição do Brasil de 1988: compromisso com o
Consonte desenvolvido no decorrer do presente capítulo, o compromisso do
Estado com a construção de uma sociedade fraterna – e de todos os que se encontram
submetidos à ordem jurídica brasileira – tem a sua sede, desde que compreendida
inicialmente numa perspectiva meramente topográfica, no preâmbulo da Constituição
de 1988. E como explicitado, foi exatamente a partir do preâmbulo que se descortinou o
palco e a linha argumentativa preliminar, objetivando o resgate do princípio da
fraternidade. Aí, a gênese de sua garantia constitucional.
Há, no entanto, uma dificuldade – mais uma, diga-se de passagem – a ser
transposta, considerando a vinculação, no sentido de obrigatoriedade, de cumprimento
do que for definido no preâmbulo da Constituição. Isto em razão da conhecida
discussão acadêmica, e mesmo na aplicação do direito (jurisprudência), sobre a
natureza jurídica do Preâmbulo, usualmente presente, mas não sempre, nas Cartas
Constitucionais.
Do latim pre ambulare, etimologicamente, preâmbulo significa o mesmo que
andar antes, andar à frente
407.
Em que pese não obrigatório, muitas Leis Fundamentais adotam a técnica de
apresentação da Constituição, funcionando como parte introdutória ou preliminar do
texto normativo superior. Outras, no entanto, assim não procedem. A experiência
constitucional tem demonstrado, particularmente no caso brasileiro, ser tradição
406
O estudo sobre a natureza jurídica do preâmbulo constitucional foi inicialmente desenvolvido pelo autor desta tese em artigo específico: MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. O Preâmbulo da Constituição do Brasil de 1988: fonte do compromisso estatal para a edificação de uma sociedade fraterna. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte: Editora Fórum, ano 10, n. 36, jan./mar. 2012, p. 127-152. O ensaio também integrou capítulo da obra coletiva: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de.
Direito Natural: uma visão humanista. São Paulo: Cidade Nova, 2012, p. 21-48. A pesquisa sobre o tema
foi incorporada, revista e ampliada no presente item.
introduzir-se o texto do articulado normativo propriamente dito com um compromisso
prévio, materializado em solene invocação preambular
408, às vezes mais desenvolvida,
às vezes relativamente lacônica.
No Direito Comparado, um número considerável de países vem adotando, ao
longo de décadas, nas Cartas Constitucionais respectivas, exposições preambulares.
Assim na Constituição da República Popular da China, de 05.03.1979; na Lei sobre a
Organização Política do Estado de Cabo Verde, de 05.07.1975; na Constituição da
Argélia, de 22.11.1976; na Constituição da República Federal da Alemanha (Lei
Fundamental), de 23.06.1969; na Constituição da Espanha, de 29.12.1978; na
Constituição da União das Repúblicas Socialista Soviéticas, de 07.10.1977; na
Constituição da Suiça, de 29.05.1874; na Constituição da República Democrática de
São Tomé e Príncipe, de 05.11.1975; na Constituição da República Portuguesa, de
02.04.1976; na Constituição da República Popular de Moçambique, de 20.06.1975; na
Constituição da República Socialista da Iugoslávia, de 21.02.1974; na Constituição da
República Democrática Alemã, de 06.04.1968; na Constituição da França de
05.10.1958; na Constituição dos Estados Unidos da América, de 15.09.1787; na
Constituição da República Popular da Bulgária, de 16.05.1971; na Constituição da
República Popular da Polônia, de 22.07.1952; na Constituição da República Popular da
Hungria, de 1949; na Constituição da República Socialista da Romênia, de 20.08.1965;
na Constituição da República Socialista da Tchecoslováquia, de 11.07.1960; na
Constituição de Costa Rica, de 07.11.1949; na Constituição da Nicarágua, de
19.11.1986; na Constituição de Cabo Verde, de 05.09.1980; na Constituição de Angola,
de 10.11.1975; na Constituição da Coréia, de outubro de 1987; na Constituição de
Suriname, de 31.03.1987; na Constituição das Filipinas, de 15.10.1986; além da própria
Magna Charta Libertatum, de 15.06.1215
409.
408
A história constitucional brasileira registra Preâmbulos nos textos normativos magnos, a partir de enunciados preliminares, conforme relacionado no Anexo A desta tese.
409 Os textos das Constituições destacadas, ainda vigentes ou não, encontram-se publicados em:
MIRANDA, Jorge (Org.). Constituições de diversos países, v.I e II. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1979 e SENADO FEDERAL. Constituições Estrangeiras, v. 1, 2, 3 e 5, Brasília: Senado Federal – Subsecretaria de Edições Técnicas, 1987 e v. 5 e 6, 1988. Recorda Alexandre de Moraes, Direito
Constitucional, 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 20, invocando o magistério de Jorge Miranda, que há
Preâmbulos também são encontrados em Constituições dos estados-
membros de uma Federação, expressão primeira da autonomia político-jurídica de cada
uma das unidades que a compõem. No Brasil, os Estados-membros, em número de 26
(vinte e seis) e o Distrito Federal, nos documentos normativos mais relevantes de cada
um desses entes, Constituições Estaduais e Lei Orgânica, respectivamente, destacam-
se enunciados preliminares em forma de preâmbulo
410.
O questionamento recorrente, no entanto, é se o Preâmbulo tem força
normativa e, assim, se o seu descumprimento ou inobservância gera consequências
jurídicas importantes.
A propósito do tema, ensina Jorge Miranda
411e, na doutrina nacional, Uadi
Lammêgo Bulos
412, mas também Ricardo Cunha Chimente et al
413, Paulo Roberto
Figueiredo Dantas
414e Marcelo Novelino
415, somente para citar alguns, que há três
posições doutrinárias ou teses que buscam identificar a natureza dos Preâmbulos
Constitucionais, quer em cotejo com o articulado constitucional, mais conhecido como
parte dogmática propriamente dita, quer com as disposições normativas
infraconstitucionais.
As correntes podem ser classificadas, ainda em consonância com a doutrina
do pensador lusitano, da seguinte forma: a) Tese da irrelevância jurídica; b) Posição da
idêntica eficácia à de quaisquer disposições constitucionais e c) Tese da relevância
jurídica específica ou indireta.
(1946), Irlanda (1937), Grécia (1975), Japão (1946) e acrescenta, ainda, as Constituições do Peru (1979) e de Cuba (1976).
410
Cf. Anexo B.
411 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 436-438. 412
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 405. Ver também o seu Constituição Federal Anotada, 5. ed .São Paulo: Saraiva, 2003, p. 66.
413 CHIMENTI, Ricardo Cunha et al. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo Saraiva, 2006, p.
32.
414
DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 41.
Pela primeitra tese (irrelevância jurídica), o Preâmbulo não se situa no
domínio do Direito. Possui, tão somente, valor filosófico, político ou mesmo histórico e,
logo, não dispõe de força normativa. Expressa, tão somente, as idéias políticas, morais,
sociais e religiosas da comunidade política pela Carta Constitucional apresentadas,
sendo o resultado da manifestação sociopolítica do legislador constituinte. É a corrente
que traduz o pensamento dominante.
O segundo posicionamento, identificado como o que confere posição da
idêntica eficácia à de quaisquer disposições constitucionais, destaca que o Preâmbulo
constitucional se apresenta como um conjunto de preceitos ou princípios, com valor
normativo. Sendo norma, tem eficácia normativa.
A terceira tese, emprestando relevância jurídica específica ou indireta ao
enunciado preambular, registra que o Preâmbulo não se situa no domínio do jurídico,
não tendo força normativa, exatamente por não criar direitos nem estabelecer deveres.
Os defensores de tal entendimento averbam, no entanto, que o preâmbulo
constitucional possui importante valor hermenêutico, porquanto fornecerá critérios para
a assimilação das linhas gerais que inspiraram o ato de feitura da Constituição, como
justifica Uadi Lammêgo Bulos
416. Entretanto, o autor, ainda nessa linha argumentativa,
admoesta:
―se for tomado de per si, isoladamente do restante da carta suprema,
desservirá de paradigma interpretativo‖
417. Na esteira do posicionamento, a doutrina de
Alexandre de Moraes
418quando, mesmo negando valor normativo ao preâmbulo,
reconhece que, ao ―traçar as diretrizes políticas, filosóficas e ideológicas da
Constituição, será uma de suas linhas mestras interpretativas‖.
A Corte Suprema brasileira, no julgamento da ADI N. 2.076-5 ACRE
419, em
meados de 2002, delimitou a compreensão da matéria, explicitando o entendimento
416
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 405.
417 Ibidem, p. 406.
418 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, 25. ed., São Paulo: Atlas, 2010, p. 21.
419 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI N. 2.076-5 ACRE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de
08.08.2003, EMENTÁRIO 2118-1, d. em 15.08.2002. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=375324>. Acesso em: 19 nov. 2013. Na mesma linha, tratando da natureza jurídica do preâmbulo da Constituição, ver a decisão
jurisprudencial sobre a natureza jurídica do Preâmbulo, particularmente por incorporar
doutrina que lhe negava força cogente. O acórdão, que se tornou verdadeiro leading
case sobre o tema, restou assim ementado (sem o negrito):
CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO. NORMAS CENTRAIS. Constituição do Acre. I. - Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP (RTJ 147/404). II. - Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.
Assentando o posicionamento sobre a irrelevância jurídica do preâmbulo,
trecho do voto do Relator, Min. Carlos Velloso:
O preâmbulo [...] não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo posição ideológica do constituinte. É claro que uma constituição que consagra princípios democráticos, liberais, não poderia conter preâmbulo que proclamasse princípios diversos. Não contém o preâmbulo, portanto, relevância jurídica. O preâmbulo não constitui norma central da Constituição.
A matéria é sabidamente polêmica. No entanto, adotar-se-á compreensão
jurídica diversa da praticada nos tribunais e na doutrina dominante, afastando-se do
posicionamento que nega eficácia normativa ao Preâmbulo das Constituições. Todavia,
a opção não será de toda desconfortável academicamente, pelo fato de que o
monocrática do Min. Celso de Mello, STF – MS 24.645-MC/DF, em 08.09.2003, DJ de 15.09.2003. Tais decisões encontram-se também registradas em: MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Direito
Constitucional. Manuais para concursos e graduação – Coordenação Geral Luiz Flávio Gomes, vol. V, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pp. 389/401. Sobre o tema, ver ainda o desenvolvimento da matéria realizado em: KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, São Paulo: Martins Fontes Editora, 1990, pp. 254/255. Num determinado trecho da sua obra, afirma que ―o preâmbulo carece de conteúdo juridicamente relevante‖. Ver, ainda: JACQUES, Paulino. Curso de Direito Constitucional, 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, pp. 136/138, corrobora o entendimetno do STF: ―... não é lei, em geral, porque não é norma jurídica positiva, mas contém o espírito da lei, os seus princípios informadores, como o corpo contém a alma‖ (p. 138). Diz o mesmo autor: ―É constituído de princípios, enunciados teóricos, de caráter político, filosófico ou religioso, que integram a Constituição‖ (p. 137).
entendimento perseguido, em que pese minoritário, encontra respaldo em autorizada
doutrina construída por expoentes do Direito Constitucional brasileiro, como Ronaldo
Poletti
420, Walber de Moura Agra
421e Dirley da Cunha Júnior
422, bem como no clássico
magistério de Karl Friedrich, Manuel Garcia-Pelayo, Georges Vedel
423e, ainda,
Georges Burdeau
424, Paolo Biscaretti Di Ruffia, Lafferrière, Hans Nawiaski e Bidard
Campos
425, além de outros juristas adiante e separadamente destacados.
Por todos, nesse primeiro momento, destacam-se as lições de Walber de
Moura Agra, concebida sob o escólio de Pontes de Miranda. Averba o autor
426:
o preâmbulo constitucional tem uma natureza jurídica definida, ou seja, faz parte da Constituição, com força normativa, tendo ainda a função de servir à interpretação das normas constitucionais restantes. A conclusão mencionada se deve à tese defendida por Pontes de Miranda de que na Constituição não existem palavras inúteis. O preâmbulo concebe as diretrizes filosóficas e ideológicas que serão confirmadas ao longo da Lei Maior.
Em companhia de José Afonso da Silva
427, parte-se da compreensão de que
quando o Preâmbulo da Constituição de 1988 – tido como referencial nesta digressão –
vale-se do verbo ―assegurar‖ e, mais, ―assegurar o exercício‖ de direitos e valores,
apresenta-se com destacada função de garantia dogmático-constitucional, além de
420
POLETTI, Ronaldo. Controle de Constitucionalidade das Leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.181/188.
421 AGRA, Walber Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.
102/104. Afirma o autor que o preâmbulo funciona como instrumento para manter a coesão sistêmica da Carta Magna, evitando antinomias que acarretariam a fragilidade da concretude normativa (p. 103). .
422 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Edições Podivum, 2008, p. 117.
No tópico da sua obra sobre o tema, há registro de um número considerável de outros autores que defendem a eficácia normativa do preâmbulo, como Edvaldo Brito, Aristides Milton, Carlos Maximiliano, João Barbalho, José Duarte, Giuseppe de Vergottini, Story, Juan Ferrando Badia e Josaphat Marinho.
423 Doutrinadores identificados em: SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 4.
ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 203-204.
424
BURDEAU, Georges. Droit Constitutionnel et Institutions Politiques, 19. ed., Paris: L.G.D.J., 1980, p. 77 e 407.
425 Os quatro últimos relacionados em: BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 4. ed.
São Paulo: Saraiva, 2009, p. 404.
426
AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Gen e Forense, 2009, p. 93.
427
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição, 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 25.
inequívova função pragmática, com efeito imediato de prescrever ao Estado uma ação
em favor da efetiva realização dos valores, com conteúdo específico, em direção aos
destinatários das normas constitucionais que dão a esse valroes conteúdo específico. O
preâmbulo possuirá, pois, inegavelmente nítida função diretiva.
Além da função diretiva, o preâmbulo sempre se apresentará como o espaço
propício para o legislador constituinte fixar coordenadas para a interpretação do texto
constitucional.
Por outro lado, como lembra Zulmar Fachin
428, mesmo quem não reconhece
força normativa ao preâmbulo, por entender que se trata de um documento de
intenções do constituinte, não nega sua relevância jurídica e não pode deixar de
reconhecer – e Hans Kelsen se apresenta no particular –, que ―serve para dar maior
dignidade à Constituição e, desse modo, maior eficácia‖
429.
Ultrapassada a polêmica já apresentada sobre a natureza jurídica do
preâmbulo, sem desconsiderá-la, todos, em uníssono, se encontram num aspecto:
pacífica a compreensão de que a ideologia constitucional se concentra particularmente
no Preâmbulo
430. Como sabido a ideologia é um valioso elemento para a fixação da
mensagem normativa consubstanciada nos comandos constitucionais e, assim sendo,
deve ser, pelo menos no particular, considerado.
Averbe-se que no magistério doutrinário predomina o entendimento, insista-
se, de que o Preâmbulo, quando existente, é parte integrante da Constituição
431.
Acrescenta José Afonso da Silva
432que, independentemente da tese
adotada, os preâmbulos sempre valerão como orientação voltada à interpretação e à
428
FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. Rio de Janeiro: Gen e Forense, 2012, p. 197.
429 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, São Paulo: Martins Fontes Editora, 1990, p. 255. 430 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 226. 431
MIRANDA, Jorge, Teoria do Estado e da Constituição, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 437.
432
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 204.
aplicação das normas constitucionais. É dizer: disporão de eficácia interpretativa e
integrativa. José Afonso da Silva, inclusive, vai mais além, emprestando aos
preâmbulos, em casos específicos e pelo menos quando contêm declaração de direitos
políticos e sociais do homem, valor de regra de princípio programático
433.
Há países, minoritariamente, no entanto, que adotam uma linha de
compreensão mais sedimentada, sem maiores e importantes dissonâncias, sobre o
tema da natureza jurídica do Preâmbulo das Constituições.
Especificamente na doutrina e jurisprudências francesas não há divergência
quanto a força normativa do preâmbulo constitucional. Os preâmbulos das
Constituições de 1946 e de 1958 têm força obrigatória e integram, inclusive, o
parâmetro de controle de constitucionalidade, considerados que são quando das
excelsas deliberações do Conseil Constitutionnel, porquando dispõem de hierarquia
superior. Integram, pois, o bloco de constitucionalidade
434.
Na verdade, os preâmbulos das referidas Cartas francesas funcionam como
verdadeiras declarações de direito e precisas normas
435, apresentando-se, há de se
reconhecer, com maior densidade normativa do que os preâmbulos consagrados nas
Constituições em geral. Logo, a forma de apresentação do preâmbulo na experiência
constitucional francesa não suscita grandes polêmicas, diversamente do que ocorre
com os demais casos na forma da exposição apresentada neste item.
433
José Afonso da Silva reconhece imperatividade às normas programáticas e invoca o magistério de Pontes de Miranda e Alfredo Buzaid para defender a juridicidade e eficácia das normas constitucionais classificadas em tal categoria (Ibidem, p. 154-155).
434
Sobre o tema, remete-se ao seguinte estudo: GARCIA, Emerson. Contornos Essenciais da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. In: SIEYÈS, Emmanuel Joseph. Exposição
Refletida dos Direitos do Homem e do Cidadão. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 36-40.
435
Cf. preâmbulo da Constituição francesa de 27 de outubro de 1946. Disponível em:< http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/la-constitution-du-4- octobre-1958/preambule-de-la-constitution-du-27-octobre-1946.5077.html>. No mesmo sentido as demais disposições preambulares referidas na Carta Constitucional de 1958 (Déclaration des Droits de l‘Homme et du Citoyen de 1789, disponível em: <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil- constitutionnel/francais/la-constitution/la-constitution-du-4-octobre-1958/declaration-des-droits-de-l-
homme-et-du-citoyen-de-1789.5076.html> e a Charte de l‘environnement de 2004, disponível em <
http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/la-constitution-du-4- octobre-1958/charte-de-l-environnement-de-2004.5078.html>). Todos com acesso em: 16 mar. 2014.
Como ensina Emerson Garcia
436, o valor jurídico do preâmbulo da vigente
Constituição francesa de 1958
―tem sido reconhecido pelo Conselho Constitucional
francês deste a célebre decisão de 16 de julho de 1971 (Conseil Constitutionnel,
Decisão nº 44 DC, Rec. 29, RJC I-24)‖.
Somente à titulo de registro, destacam-se decisões aleatoriamene pinçadas
do Conselho Constitucional francês que expressamente tiveram como fundamento
disposições preambulares, todas classificadas na tipologia de controle de
constitucionalidade (DC): Décision nº 71-44 DC du 16 juillet 1971; décision nº 82-225
DC du 23 janvier 1987; décision nº 92-308 DC du 09 avril 1992; décision nº 98-408 DC
du 22 janvier 1999; décision nº 2011-639 DC du 28 juillet 2011
437.
A vigente Constituição francesa de 1958 contempla, no seu Préambule,
disposição que incorpora mandamentos com inequívoca força normativa e evidencia o
compromisso com históricas declarações de direitos
438:
Le peuple français proclame solennellement son attachement aux Droits de l'homme et aux principes de la souveraineté nationale tels qu'ils ont été définis par la Déclaration de 1789, confirmée et complétée par le préambule de la Constitution de 1946, ainsi qu'aux droits et devoirs définis dans la Charte de l'environnement de 2004.
No Direito Comparado é possível encontrar, ainda, Constituições que,
expressamente, afirmam ser o Preâmbulo parte integrante da Constituição. É o caso da
Constituição da República do Tchad, quando, ao final do seu enunciado preambular,
436 GARCIA, Emerson. Contornos Essenciais da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de
1789. In: SIEYÈS, Emmanuel Joseph. Exposição Refletida dos Direitos do Homem e do Cidadão. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 37 (ver nota 86, do item 10 do estudo, tratando o autor sobre a força normativa das Declarações de Direitos).
437
Decisões extraídas da página web do Conséil Constitutionnel. Disponível em <http://www.conseil- constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/les-decisions/acces-par-type/les-decisions-
dc.115785.html>. Acesso em: 16 mar.2014.
438 Disponível em: <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/la-
constitution-du-4-octobre-1958/texte-integral-de-la-constitution-du-4-octobre-1958-en- vigueur.5074.html#preambule>. Acesso em: 16 mar. 2014.