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O preâmbulo da Constituição do Brasil de 1988: compromisso com o

5 A GARANTIA CONSTITUCIONAL DA FRATERNIDADE

5.5 O preâmbulo da Constituição do Brasil de 1988: compromisso com o

Consonte desenvolvido no decorrer do presente capítulo, o compromisso do

Estado com a construção de uma sociedade fraterna – e de todos os que se encontram

submetidos à ordem jurídica brasileira – tem a sua sede, desde que compreendida

inicialmente numa perspectiva meramente topográfica, no preâmbulo da Constituição

de 1988. E como explicitado, foi exatamente a partir do preâmbulo que se descortinou o

palco e a linha argumentativa preliminar, objetivando o resgate do princípio da

fraternidade. Aí, a gênese de sua garantia constitucional.

Há, no entanto, uma dificuldade – mais uma, diga-se de passagem – a ser

transposta, considerando a vinculação, no sentido de obrigatoriedade, de cumprimento

do que for definido no preâmbulo da Constituição. Isto em razão da conhecida

discussão acadêmica, e mesmo na aplicação do direito (jurisprudência), sobre a

natureza jurídica do Preâmbulo, usualmente presente, mas não sempre, nas Cartas

Constitucionais.

Do latim pre ambulare, etimologicamente, preâmbulo significa o mesmo que

andar antes, andar à frente

407

.

Em que pese não obrigatório, muitas Leis Fundamentais adotam a técnica de

apresentação da Constituição, funcionando como parte introdutória ou preliminar do

texto normativo superior. Outras, no entanto, assim não procedem. A experiência

constitucional tem demonstrado, particularmente no caso brasileiro, ser tradição

406

O estudo sobre a natureza jurídica do preâmbulo constitucional foi inicialmente desenvolvido pelo autor desta tese em artigo específico: MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. O Preâmbulo da Constituição do Brasil de 1988: fonte do compromisso estatal para a edificação de uma sociedade fraterna. Revista Brasileira de Direito Público, Belo Horizonte: Editora Fórum, ano 10, n. 36, jan./mar. 2012, p. 127-152. O ensaio também integrou capítulo da obra coletiva: SOUZA, Carlos Aurélio Mota de.

Direito Natural: uma visão humanista. São Paulo: Cidade Nova, 2012, p. 21-48. A pesquisa sobre o tema

foi incorporada, revista e ampliada no presente item.

introduzir-se o texto do articulado normativo propriamente dito com um compromisso

prévio, materializado em solene invocação preambular

408

, às vezes mais desenvolvida,

às vezes relativamente lacônica.

No Direito Comparado, um número considerável de países vem adotando, ao

longo de décadas, nas Cartas Constitucionais respectivas, exposições preambulares.

Assim na Constituição da República Popular da China, de 05.03.1979; na Lei sobre a

Organização Política do Estado de Cabo Verde, de 05.07.1975; na Constituição da

Argélia, de 22.11.1976; na Constituição da República Federal da Alemanha (Lei

Fundamental), de 23.06.1969; na Constituição da Espanha, de 29.12.1978; na

Constituição da União das Repúblicas Socialista Soviéticas, de 07.10.1977; na

Constituição da Suiça, de 29.05.1874; na Constituição da República Democrática de

São Tomé e Príncipe, de 05.11.1975; na Constituição da República Portuguesa, de

02.04.1976; na Constituição da República Popular de Moçambique, de 20.06.1975; na

Constituição da República Socialista da Iugoslávia, de 21.02.1974; na Constituição da

República Democrática Alemã, de 06.04.1968; na Constituição da França de

05.10.1958; na Constituição dos Estados Unidos da América, de 15.09.1787; na

Constituição da República Popular da Bulgária, de 16.05.1971; na Constituição da

República Popular da Polônia, de 22.07.1952; na Constituição da República Popular da

Hungria, de 1949; na Constituição da República Socialista da Romênia, de 20.08.1965;

na Constituição da República Socialista da Tchecoslováquia, de 11.07.1960; na

Constituição de Costa Rica, de 07.11.1949; na Constituição da Nicarágua, de

19.11.1986; na Constituição de Cabo Verde, de 05.09.1980; na Constituição de Angola,

de 10.11.1975; na Constituição da Coréia, de outubro de 1987; na Constituição de

Suriname, de 31.03.1987; na Constituição das Filipinas, de 15.10.1986; além da própria

Magna Charta Libertatum, de 15.06.1215

409

.

408

A história constitucional brasileira registra Preâmbulos nos textos normativos magnos, a partir de enunciados preliminares, conforme relacionado no Anexo A desta tese.

409 Os textos das Constituições destacadas, ainda vigentes ou não, encontram-se publicados em:

MIRANDA, Jorge (Org.). Constituições de diversos países, v.I e II. Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1979 e SENADO FEDERAL. Constituições Estrangeiras, v. 1, 2, 3 e 5, Brasília: Senado Federal – Subsecretaria de Edições Técnicas, 1987 e v. 5 e 6, 1988. Recorda Alexandre de Moraes, Direito

Constitucional, 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 20, invocando o magistério de Jorge Miranda, que há

Preâmbulos também são encontrados em Constituições dos estados-

membros de uma Federação, expressão primeira da autonomia político-jurídica de cada

uma das unidades que a compõem. No Brasil, os Estados-membros, em número de 26

(vinte e seis) e o Distrito Federal, nos documentos normativos mais relevantes de cada

um desses entes, Constituições Estaduais e Lei Orgânica, respectivamente, destacam-

se enunciados preliminares em forma de preâmbulo

410

.

O questionamento recorrente, no entanto, é se o Preâmbulo tem força

normativa e, assim, se o seu descumprimento ou inobservância gera consequências

jurídicas importantes.

A propósito do tema, ensina Jorge Miranda

411

e, na doutrina nacional, Uadi

Lammêgo Bulos

412

, mas também Ricardo Cunha Chimente et al

413

, Paulo Roberto

Figueiredo Dantas

414

e Marcelo Novelino

415

, somente para citar alguns, que há três

posições doutrinárias ou teses que buscam identificar a natureza dos Preâmbulos

Constitucionais, quer em cotejo com o articulado constitucional, mais conhecido como

parte dogmática propriamente dita, quer com as disposições normativas

infraconstitucionais.

As correntes podem ser classificadas, ainda em consonância com a doutrina

do pensador lusitano, da seguinte forma: a) Tese da irrelevância jurídica; b) Posição da

idêntica eficácia à de quaisquer disposições constitucionais e c) Tese da relevância

jurídica específica ou indireta.

(1946), Irlanda (1937), Grécia (1975), Japão (1946) e acrescenta, ainda, as Constituições do Peru (1979) e de Cuba (1976).

410

Cf. Anexo B.

411 MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 436-438. 412

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 405. Ver também o seu Constituição Federal Anotada, 5. ed .São Paulo: Saraiva, 2003, p. 66.

413 CHIMENTI, Ricardo Cunha et al. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo Saraiva, 2006, p.

32.

414

DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 41.

Pela primeitra tese (irrelevância jurídica), o Preâmbulo não se situa no

domínio do Direito. Possui, tão somente, valor filosófico, político ou mesmo histórico e,

logo, não dispõe de força normativa. Expressa, tão somente, as idéias políticas, morais,

sociais e religiosas da comunidade política pela Carta Constitucional apresentadas,

sendo o resultado da manifestação sociopolítica do legislador constituinte. É a corrente

que traduz o pensamento dominante.

O segundo posicionamento, identificado como o que confere posição da

idêntica eficácia à de quaisquer disposições constitucionais, destaca que o Preâmbulo

constitucional se apresenta como um conjunto de preceitos ou princípios, com valor

normativo. Sendo norma, tem eficácia normativa.

A terceira tese, emprestando relevância jurídica específica ou indireta ao

enunciado preambular, registra que o Preâmbulo não se situa no domínio do jurídico,

não tendo força normativa, exatamente por não criar direitos nem estabelecer deveres.

Os defensores de tal entendimento averbam, no entanto, que o preâmbulo

constitucional possui importante valor hermenêutico, porquanto fornecerá critérios para

a assimilação das linhas gerais que inspiraram o ato de feitura da Constituição, como

justifica Uadi Lammêgo Bulos

416

. Entretanto, o autor, ainda nessa linha argumentativa,

admoesta:

―se for tomado de per si, isoladamente do restante da carta suprema,

desservirá de paradigma interpretativo‖

417

. Na esteira do posicionamento, a doutrina de

Alexandre de Moraes

418

quando, mesmo negando valor normativo ao preâmbulo,

reconhece que, ao ―traçar as diretrizes políticas, filosóficas e ideológicas da

Constituição, será uma de suas linhas mestras interpretativas‖.

A Corte Suprema brasileira, no julgamento da ADI N. 2.076-5 ACRE

419

, em

meados de 2002, delimitou a compreensão da matéria, explicitando o entendimento

416

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 405.

417 Ibidem, p. 406.

418 MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, 25. ed., São Paulo: Atlas, 2010, p. 21.

419 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI N. 2.076-5 ACRE, Rel. Min. Carlos Velloso, DJU de

08.08.2003, EMENTÁRIO 2118-1, d. em 15.08.2002. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=375324>. Acesso em: 19 nov. 2013. Na mesma linha, tratando da natureza jurídica do preâmbulo da Constituição, ver a decisão

jurisprudencial sobre a natureza jurídica do Preâmbulo, particularmente por incorporar

doutrina que lhe negava força cogente. O acórdão, que se tornou verdadeiro leading

case sobre o tema, restou assim ementado (sem o negrito):

CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO. NORMAS CENTRAIS. Constituição do Acre. I. - Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP (RTJ 147/404). II. - Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente.

Assentando o posicionamento sobre a irrelevância jurídica do preâmbulo,

trecho do voto do Relator, Min. Carlos Velloso:

O preâmbulo [...] não se situa no âmbito do Direito, mas no domínio da política, refletindo posição ideológica do constituinte. É claro que uma constituição que consagra princípios democráticos, liberais, não poderia conter preâmbulo que proclamasse princípios diversos. Não contém o preâmbulo, portanto, relevância jurídica. O preâmbulo não constitui norma central da Constituição.

A matéria é sabidamente polêmica. No entanto, adotar-se-á compreensão

jurídica diversa da praticada nos tribunais e na doutrina dominante, afastando-se do

posicionamento que nega eficácia normativa ao Preâmbulo das Constituições. Todavia,

a opção não será de toda desconfortável academicamente, pelo fato de que o

monocrática do Min. Celso de Mello, STF – MS 24.645-MC/DF, em 08.09.2003, DJ de 15.09.2003. Tais decisões encontram-se também registradas em: MACHADO, Carlos Augusto Alcântara. Direito

Constitucional. Manuais para concursos e graduação – Coordenação Geral Luiz Flávio Gomes, vol. V, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, pp. 389/401. Sobre o tema, ver ainda o desenvolvimento da matéria realizado em: KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, São Paulo: Martins Fontes Editora, 1990, pp. 254/255. Num determinado trecho da sua obra, afirma que ―o preâmbulo carece de conteúdo juridicamente relevante‖. Ver, ainda: JACQUES, Paulino. Curso de Direito Constitucional, 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1983, pp. 136/138, corrobora o entendimetno do STF: ―... não é lei, em geral, porque não é norma jurídica positiva, mas contém o espírito da lei, os seus princípios informadores, como o corpo contém a alma‖ (p. 138). Diz o mesmo autor: ―É constituído de princípios, enunciados teóricos, de caráter político, filosófico ou religioso, que integram a Constituição‖ (p. 137).

entendimento perseguido, em que pese minoritário, encontra respaldo em autorizada

doutrina construída por expoentes do Direito Constitucional brasileiro, como Ronaldo

Poletti

420

, Walber de Moura Agra

421

e Dirley da Cunha Júnior

422

, bem como no clássico

magistério de Karl Friedrich, Manuel Garcia-Pelayo, Georges Vedel

423

e, ainda,

Georges Burdeau

424

, Paolo Biscaretti Di Ruffia, Lafferrière, Hans Nawiaski e Bidard

Campos

425

, além de outros juristas adiante e separadamente destacados.

Por todos, nesse primeiro momento, destacam-se as lições de Walber de

Moura Agra, concebida sob o escólio de Pontes de Miranda. Averba o autor

426

:

o preâmbulo constitucional tem uma natureza jurídica definida, ou seja, faz parte da Constituição, com força normativa, tendo ainda a função de servir à interpretação das normas constitucionais restantes. A conclusão mencionada se deve à tese defendida por Pontes de Miranda de que na Constituição não existem palavras inúteis. O preâmbulo concebe as diretrizes filosóficas e ideológicas que serão confirmadas ao longo da Lei Maior.

Em companhia de José Afonso da Silva

427

, parte-se da compreensão de que

quando o Preâmbulo da Constituição de 1988 – tido como referencial nesta digressão –

vale-se do verbo ―assegurar‖ e, mais, ―assegurar o exercício‖ de direitos e valores,

apresenta-se com destacada função de garantia dogmático-constitucional, além de

420

POLETTI, Ronaldo. Controle de Constitucionalidade das Leis. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.181/188.

421 AGRA, Walber Moura. Manual de Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.

102/104. Afirma o autor que o preâmbulo funciona como instrumento para manter a coesão sistêmica da Carta Magna, evitando antinomias que acarretariam a fragilidade da concretude normativa (p. 103). .

422 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. Salvador: Edições Podivum, 2008, p. 117.

No tópico da sua obra sobre o tema, há registro de um número considerável de outros autores que defendem a eficácia normativa do preâmbulo, como Edvaldo Brito, Aristides Milton, Carlos Maximiliano, João Barbalho, José Duarte, Giuseppe de Vergottini, Story, Juan Ferrando Badia e Josaphat Marinho.

423 Doutrinadores identificados em: SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 4.

ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 203-204.

424

BURDEAU, Georges. Droit Constitutionnel et Institutions Politiques, 19. ed., Paris: L.G.D.J., 1980, p. 77 e 407.

425 Os quatro últimos relacionados em: BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. 4. ed.

São Paulo: Saraiva, 2009, p. 404.

426

AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Gen e Forense, 2009, p. 93.

427

SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição, 7. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 25.

inequívova função pragmática, com efeito imediato de prescrever ao Estado uma ação

em favor da efetiva realização dos valores, com conteúdo específico, em direção aos

destinatários das normas constitucionais que dão a esse valroes conteúdo específico. O

preâmbulo possuirá, pois, inegavelmente nítida função diretiva.

Além da função diretiva, o preâmbulo sempre se apresentará como o espaço

propício para o legislador constituinte fixar coordenadas para a interpretação do texto

constitucional.

Por outro lado, como lembra Zulmar Fachin

428

, mesmo quem não reconhece

força normativa ao preâmbulo, por entender que se trata de um documento de

intenções do constituinte, não nega sua relevância jurídica e não pode deixar de

reconhecer – e Hans Kelsen se apresenta no particular –, que ―serve para dar maior

dignidade à Constituição e, desse modo, maior eficácia‖

429

.

Ultrapassada a polêmica já apresentada sobre a natureza jurídica do

preâmbulo, sem desconsiderá-la, todos, em uníssono, se encontram num aspecto:

pacífica a compreensão de que a ideologia constitucional se concentra particularmente

no Preâmbulo

430

. Como sabido a ideologia é um valioso elemento para a fixação da

mensagem normativa consubstanciada nos comandos constitucionais e, assim sendo,

deve ser, pelo menos no particular, considerado.

Averbe-se que no magistério doutrinário predomina o entendimento, insista-

se, de que o Preâmbulo, quando existente, é parte integrante da Constituição

431

.

Acrescenta José Afonso da Silva

432

que, independentemente da tese

adotada, os preâmbulos sempre valerão como orientação voltada à interpretação e à

428

FACHIN, Zulmar. Curso de Direito Constitucional. 5. ed. Rio de Janeiro: Gen e Forense, 2012, p. 197.

429 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado, São Paulo: Martins Fontes Editora, 1990, p. 255. 430 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 226. 431

MIRANDA, Jorge, Teoria do Estado e da Constituição, Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 437.

432

SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 204.

aplicação das normas constitucionais. É dizer: disporão de eficácia interpretativa e

integrativa. José Afonso da Silva, inclusive, vai mais além, emprestando aos

preâmbulos, em casos específicos e pelo menos quando contêm declaração de direitos

políticos e sociais do homem, valor de regra de princípio programático

433

.

Há países, minoritariamente, no entanto, que adotam uma linha de

compreensão mais sedimentada, sem maiores e importantes dissonâncias, sobre o

tema da natureza jurídica do Preâmbulo das Constituições.

Especificamente na doutrina e jurisprudências francesas não há divergência

quanto a força normativa do preâmbulo constitucional. Os preâmbulos das

Constituições de 1946 e de 1958 têm força obrigatória e integram, inclusive, o

parâmetro de controle de constitucionalidade, considerados que são quando das

excelsas deliberações do Conseil Constitutionnel, porquando dispõem de hierarquia

superior. Integram, pois, o bloco de constitucionalidade

434

.

Na verdade, os preâmbulos das referidas Cartas francesas funcionam como

verdadeiras declarações de direito e precisas normas

435

, apresentando-se, há de se

reconhecer, com maior densidade normativa do que os preâmbulos consagrados nas

Constituições em geral. Logo, a forma de apresentação do preâmbulo na experiência

constitucional francesa não suscita grandes polêmicas, diversamente do que ocorre

com os demais casos na forma da exposição apresentada neste item.

433

José Afonso da Silva reconhece imperatividade às normas programáticas e invoca o magistério de Pontes de Miranda e Alfredo Buzaid para defender a juridicidade e eficácia das normas constitucionais classificadas em tal categoria (Ibidem, p. 154-155).

434

Sobre o tema, remete-se ao seguinte estudo: GARCIA, Emerson. Contornos Essenciais da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789. In: SIEYÈS, Emmanuel Joseph. Exposição

Refletida dos Direitos do Homem e do Cidadão. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 36-40.

435

Cf. preâmbulo da Constituição francesa de 27 de outubro de 1946. Disponível em:< http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/la-constitution-du-4- octobre-1958/preambule-de-la-constitution-du-27-octobre-1946.5077.html>. No mesmo sentido as demais disposições preambulares referidas na Carta Constitucional de 1958 (Déclaration des Droits de l‘Homme et du Citoyen de 1789, disponível em: <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil- constitutionnel/francais/la-constitution/la-constitution-du-4-octobre-1958/declaration-des-droits-de-l-

homme-et-du-citoyen-de-1789.5076.html> e a Charte de l‘environnement de 2004, disponível em <

http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/la-constitution-du-4- octobre-1958/charte-de-l-environnement-de-2004.5078.html>). Todos com acesso em: 16 mar. 2014.

Como ensina Emerson Garcia

436

, o valor jurídico do preâmbulo da vigente

Constituição francesa de 1958

―tem sido reconhecido pelo Conselho Constitucional

francês deste a célebre decisão de 16 de julho de 1971 (Conseil Constitutionnel,

Decisão nº 44 DC, Rec. 29, RJC I-24)‖.

Somente à titulo de registro, destacam-se decisões aleatoriamene pinçadas

do Conselho Constitucional francês que expressamente tiveram como fundamento

disposições preambulares, todas classificadas na tipologia de controle de

constitucionalidade (DC): Décision nº 71-44 DC du 16 juillet 1971; décision nº 82-225

DC du 23 janvier 1987; décision nº 92-308 DC du 09 avril 1992; décision nº 98-408 DC

du 22 janvier 1999; décision nº 2011-639 DC du 28 juillet 2011

437

.

A vigente Constituição francesa de 1958 contempla, no seu Préambule,

disposição que incorpora mandamentos com inequívoca força normativa e evidencia o

compromisso com históricas declarações de direitos

438

:

Le peuple français proclame solennellement son attachement aux Droits de l'homme et aux principes de la souveraineté nationale tels qu'ils ont été définis par la Déclaration de 1789, confirmée et complétée par le préambule de la Constitution de 1946, ainsi qu'aux droits et devoirs définis dans la Charte de l'environnement de 2004.

No Direito Comparado é possível encontrar, ainda, Constituições que,

expressamente, afirmam ser o Preâmbulo parte integrante da Constituição. É o caso da

Constituição da República do Tchad, quando, ao final do seu enunciado preambular,

436 GARCIA, Emerson. Contornos Essenciais da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de

1789. In: SIEYÈS, Emmanuel Joseph. Exposição Refletida dos Direitos do Homem e do Cidadão. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2008, p. 37 (ver nota 86, do item 10 do estudo, tratando o autor sobre a força normativa das Declarações de Direitos).

437

Decisões extraídas da página web do Conséil Constitutionnel. Disponível em <http://www.conseil- constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/les-decisions/acces-par-type/les-decisions-

dc.115785.html>. Acesso em: 16 mar.2014.

438 Disponível em: <http://www.conseil-constitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/francais/la-constitution/la-

constitution-du-4-octobre-1958/texte-integral-de-la-constitution-du-4-octobre-1958-en- vigueur.5074.html#preambule>. Acesso em: 16 mar. 2014.

determina (em tradução livre): ―o presente preâmbulo faz parte integrante da

Constituição‖

439

.

Abstraindo o caso francês e voltando a discussão ao nosso meio, é de se

avançar na investigação. A indagação persiste: se da Constituição o Preâmbulo ―não se

distingue nem pela origem, nem pelo sentido, nem pelo instrumento em que se

contém

440

, como afastar sua carga normativa?

Não parece satisfatória a doutrina dos que defendem a posição de

irrelevância jurídica do Preâmbulo tendo em vista sua identificação com a política,

história, filosofia ou mesmo religião. Ora, se o Preâmbulo é alma para o corpo

441

,

funcionando, verdadeiramente, como o espírito do articulado, como não vincular seus

destinatários? Sendo integrante da Constituição – e todos concordam, quando existente

–, como lhe negar força cogente e normativa?

Prosseguir-se-á no percurso. Desta feita os funtamentos que justificam o

reconhecimento da força normativa do Preâmbulo, encontrarão amparo na doutrina de

Paulo de Barros Carvalho

442

.

Parte-se, de pronto, de uma consideração preliminar que se relaciona com a