• Nenhum resultado encontrado

A DIOCESE DE MARIANA

No documento S OB OB ADALAR DOS (páginas 32-41)

Mariana foi a sexta diocese criada no Brasil, depois do bispado da Bahia (1555), Rio de Janeiro (1676), Olinda (1677) e Pará (1719). Até 1745, a Igreja, na província de Minas Gerais, obedecia à diocese do Rio de Janeiro. Nesse ano, “Minas já se encontrava consideravelmente desenvolvida, suas paróquias contavam quarenta e sua população atingira assustadores 300.000 habitantes, tornando-se a mais populosa das capitanias”.19

Esses foram motivos suficientes para a criação do Bispado de Mariana.

De 1820 a 1835, Dom Frei José da Santíssima Trindade preside o bispado de Mariana. No início de seu apostolado, Minas contava com 71 paróquias e 312 curatos. Já podemos observar o espírito renovador nas medidas adotadas pela autoridade marianense. Para a ampliação do número de clérigos e para sua melhor formação espiritual, o bispo tratou de reerguer o Seminário de Mariana. Como medidas modernizadoras, Dom Frei José proibiu os enterros nas igrejas e, em Mariana, construiu o Cemitério de São Gonçalo, além de um grande hospital no bairro Santana. A educação dos fiéis foi outra preocupação do religioso.

Com a sua morte, em 1835, a sede episcopal ficou vacante até 1844, quando é nomeado Dom Antonio Ferreira Viçoso. “Foi no início de seu episcopado que o Padre Antonio Ferreira Viçoso chega ao Caraça com seus irmãos lazaristas para fundarem o Colégio. Anos mais tarde, em 1827, a mesma missão assume o Santuário de Congonhas

19 SANTIAGO, Pe. Marcelo Moreira et al. Igreja de Mariana: 261 anos de História, 100 anos como Arquidiocese. Mariana: Ed. Dom Viçoso, 2006. p. 40.

e lá é construído outro importante educandário”.20 Figura de destaque e responsável por mudanças profundas na Igreja mineira oitocentista, conduziu o bispado até 1875, ou seja, durante quase todo o período abordado por nós nesta pesquisa.

Antonio Ferreira Viçoso nasceu aos 13 de maio de 1787, em Peniche, Portugal. Em 1819, foi enviado para o Brasil como missionário, mas, ao chegar, foi enviado ao Caraça para atuar como professor, “sem, no entanto, abandonar suas peregrinações missionárias”.21

A Igreja Católica do século XIX precisava recuperar terreno diante das questões postas pelas “luzes” do novo século, grandes desafios a serem enfrentados, como, por exemplo, o pensamento racional ilustrado e o avanço do protestantismo e do galicanismo, doutrina originária da França e que defendia a independência das igrejas nacionais em relação ao poder central do papa.22 O pensamento católico divulgado no Brasil, na segunda metade do século XIX, é considerado conservador, pois, além de se basear na reaproximação do papado, reafirma os dogmas e preceitos estabelecidos pelo Concílio de Trento (1545-1563), que delimita o perfil do catolicismo após a Reforma Protestante do século XVI.

Como considera o padre Marcelo Moreira Santiago, no Brasil, desde a expulsão dos jesuítas, e, principalmente durante o período da Regência, o clero tornou-se disperso e distante das orientações de Roma.23 Tanto os registros das visitas pastorais, como das devassas eclesiásticas são pródigos em testemunhos sobre sacerdotes “descompromissados com os dogmas da fé católica”.24 O padre Marcelo Santiago

pondera que esse distanciamento de Roma teria permitido “o avanço da maçonaria e do pensamento liberal que, de certa forma, minava os esforços da Igreja em restituir a sua doutrina e a disciplina clerical no país”.25

No período do Segundo Império, a disputa entre o poder secular do rei e o poder da Igreja se acirram. Por um lado, os bispos reformadores, sob a orientação do papado,

20 SANTIAGO, Pe. Marcelo Moreira et al. Igreja de Mariana... p. 69-70. 21 SANTIAGO, Pe. Marcelo Moreira et al. Igreja de Mariana... p. 73. 22 SANTIAGO, Pe. Marcelo Moreira et al. Igreja de Mariana... p. 74. 23 SANTIAGO, Pe. Marcelo Moreira et al. Igreja de Mariana... p. 75. 24 SANTIAGO, Pe. Marcelo Moreira et al. Igreja de Mariana... p. 75. 25 SANTIAGO, Pe. Marcelo Moreira et al. Igreja de Mariana... p. 75.

tentam fortalecer-se através do movimento missionário, da formação doutrinária de seus representantes e da defesa dos princípios estabelecidos no Concílio Tridentino. Por outro lado, o governo central se fortalece, passando a exigir a submissão dos bispos à autoridade imperial. Além disso, o Estado secularizava-se e o pensamento racional cientificista tomava fôlego, pondo em xeque práticas religiosas consagradas. O número de acatólicos aumentava a cada dia, exigindo medidas que os beneficiassem, e a maçonaria desafiava o pensamento religioso, majoritário até então.

Nos anos finais do século XIX, o relacionamento entre a Igreja e o Estado se deteriora ainda mais, devido à insistência do governo central em diminuir a participação política do clero. A crise se intensifica, até que, com a Proclamação da República, há a separação dos poderes eclesiástico e secular.

Nas Minas, até então, a presença atuante das irmandades fora responsável pelo tom popular adquirido pela religiosidade. Diversas manifestações religiosas, consideradas vulgares ou em desacordo com as ordenações eclesiásticas, foram condenadas. Houve, também, movimentos para se “coibir a autonomia dos leigos, impondo a autoridade clerical às Irmandades”.26 Entre 1849 e 1850, o jornal Noticiador

Cathólico, publica, sob o título: Abuzos que o progresso actual comndena, artigos em que se arrolam “as rezas noturnas ao pé dos oratórios de rua”, chamando-as de “abusivas, ridículas, incômodas e escandalosas”.27

É nesse momento de mudanças que Dom Viçoso chega ao Brasil, e são essas as principais razões do enorme zelo com que o futuro bispo dedicou-se à formação de sacerdotes, entrando para a história como o grande reformador do clero brasileiro.28 Passou “a seguir fielmente o que havia sido estabelecido pelo Concílio de Trento, permitindo que se ordenassem apenas aqueles que de fato possuíssem vocação e

26 OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Os bispos e os leigos: Reforma católica e irmandades no Rio de Janeiro imperial. In: Lócus: Revista de História. v. 8, n. 2. Juiz de Fora: EDUFJF, 2002. p. 74. 27 COSTA E SILVA, Cândido da. Os segadores e a messe: o clero oitocentista na Bahia. Salvador:

Edufba, 2000. p. 105.

merecimento”.29 Foi atacada também a questão da má-conduta moral do clero brasileiro, passando a ser exigido do sacerdote o respeito ao celibato.30

D. Viçoso se preocupou, ainda, com a formação dos fiéis, e, por isso, voltou-se para a reativação dos seminários (instituições educacionais, já previstas no Concílio Tridentino, próprias para a formação dos futuros padres), e a criação de estabelecimentos educacionais, como a construção de “duas casas para servirem de orfanatos, uma para as meninas e outro para os meninos”, e a criação do Colégio da Providência de Mariana, “dedicado à educação das meninas”.31 Apesar de todas essas iniciativas, não deixou de lado sua vocação missionária, realizando visitas pastorais por toda a diocese.32

As visitas pastorais se constituíam em dias de festa e apreensão, pois, naquelas ocasiões, eram ministradas a crisma, ou sacramento da confirmação, sob a responsabilidade específica do bispo. Também era função dos bispos, em suas visitas, inspecionar o estado das alfaias, ornamentos e demais objetos sagrados próprios ao culto, admoestar párocos e capelães desmazelados com seus deveres, receber denúncias acerca de paroquianos e padres com vida irregular, dar despachos de licenças para casamentos gratuitos, examinar se os sacramentos eram administrados competentemente e vistoriar os livros nos quais esses sacramentos eram assentados.

Pudemos acompanhar, nos livros paroquiais, os vistos dados pelos bispos em suas visitas periódicas à paróquia de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto.

FIGURA 3: Visto dado por Dom Antonio Maria Correa de Sá e Benevides no livro de batismos

celebrados nas capelas filiais da paróquia do Pilar.

29 SANTIAGO, Pe. Marcelo Moreira et al. Igreja de Mariana... p. 76.

30 AZZI, Riolando. O clero no Brasil – Uma trajetória de crises e reformas. Brasília/DF: Associação Rumos, 1992. p. 59.

31 SANTIAGO, Pe. Marcelo Moreira et al. Igreja de Mariana... p. 78. 32 SANTIAGO, Pe. Marcelo Moreira et al. Igreja de Mariana... p. 78.

D. Antônio Viçoso teve maior alcance de suas ações com o desmembramento da diocese de Mariana. O bispado de Diamantina foi criado em 1853, e para lá foi enviado um de seus discípulos, Dom João Antônio dos Santos. De acordo com o historiador Antônio Carlos Fernandes, tanto o bispo de Mariana como o de Diamantina figuraram “entre os principais responsáveis pela introdução do pensamento conservador católico no Brasil, ao mesmo tempo em que se notabilizaram por uma forte campanha contra a escravidão e a maçonaria”.33

A ação de D. Viçoso ultrapassou até mesmo o território da província de Minas Gerais. Em 1868, foi nomeado, como bispo do Rio de Janeiro, o padre Pedro Maria de Lacerda. Formado sob os auspícios do bispo de Mariana, “foi um dos principais arautos da Reforma Ultramontana”, empreendendo esforços para coibir a independência das irmandades, indicando-nos o grande alcance da religiosidade dos leigos inclusive nas províncias litorâneas.34

Nas duas últimas décadas do século XIX, bispos e párocos tornaram-se defensores do abolicionismo, incentivadores da instrução escolar, sendo que, no caso de Diamantina, D. João se tornou ainda grande líder da indústria, assumindo o papel de empresário.35 Tornaram-se, assim, representantes do pensamento moderno, entendendo como modernidade o discurso filosófico gerado na Europa, no século XIX, que vislumbrava, nos “novos tempos”, “a consciência da nova experiência do progresso e da aceleração dos acontecimentos históricos”.36

A prática religiosa também se transforma. Consoante com a valorização dada ao indivíduo pelo movimento Iluminista, pretende-se que a religiosidade passe a ser mais interiorizada, na medida em que é valorizada a prece individual, solitária: “O indivíduo se sobrepõe à coletividade. A oração particular precede e alimenta o culto público e

33 FERNANDES, Antônio Carlos. O turíbulo e a chaminé: a ação do bispado no processo da constituição da modernidade em Diamantina (1864-1917). 2005. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal de Minas Gerais, 2005. p. 9.

34 OLIVEIRA, Anderson José Machado de. Os bispos e os leigos:... p. 73. 35

FERNANDES, Antônio Carlos. O turíbulo e a chaminé... p. 115.

36 Sobre o significado de modernidade e sua influência no pensamento da Igreja mineira da segunda metade do século XIX e no século XX, ver: FERNANDES, Antônio Carlos. O turíbulo e a chaminé... p. 23-31.

normatizado”.37 Da mesma forma, passa a ser condenado o fausto nas cerimônias religiosas: “O aparato desses préstitos, a riqueza cênica das alegorias, o grande número de andores e insígnias, tudo vai se tornando anacrônico e grotesco, mesmo na avaliação de seus promotores”.38 As manifestações externas da fé vão sendo substituídas pela

devoção interior. Nos documentos de batismos e de casamento, identificamos a propagação do culto privado, através do aumento da administração de batismos e de casamentos em residências.

Em visita à cidade de Mariana, o inglês Richard Burton se encontrou com Dom Antônio Viçoso. Este contava, na ocasião, com 80 anos, e foi descrito como tendo um “olhar brilhante e inteligente, e o rosto calmo e intelectual”.39 O viajante e sua comitiva foram recebidos “amavelmente”, e levados à biblioteca, onde o acervo compunha-se, na sua maioria, por obras de teologia. Ainda de acordo com Burton, o “Reverendíssimo é muito conceituado, e muito tem feito pela educação eclesiástica, nesta e em outras províncias”. Professor de filosofia em Évora, e de teologia, matemática e línguas em Angra dos Reis, foi vigário, no Rio de Janeiro e no Caraça. Sua influência ultrapassava o limite da província, pois “ungiu, na Catedral de Mariana, dois de seus discípulos do Caraça, como bispos de Pará e Ceará, e, recentemente, esteve em Diamantina para fazer a mesma coisa ao seu diocesano”.40 Em visita ao Seminário, Burton contabilizou 180 alunos internos. De acordo com ele, o “curso de estudos preparatórios dura cinco anos, depois do que os alunos que se destinam à Igreja são mandados para o Caraça e os outros para as várias academias do Império, onde doutores – em direito, Matemática e Medicina – são fabricados por atacado”.41 O inglês visitou também as irmãs de São Francisco de Paula. A educação feminina não era deixada de lado, estando ali internadas 66 alunas, “meninas e moças até a idade de 20 anos, e até mais”. Sua escolaridade era paga, mas em convênio com o governo, ali também residiam 64 órfãs. “Estas, em tempo oportuno, deveriam casar-se com homens capazes, interessados em arranjar esposa”.42

37 COSTA E SILVA, Cândido da. Os segadores e a messe... p. 88. 38 COSTA E SILVA, Cândido da. Os segadores e a messe... p. 99.

39 BURTON, Richard. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. São Paulo: Itatiaia; USP, 1976. p. 276. 40 BURTON, Richard. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. p. 276.

41 BURTON, Richard. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. p. 277. 42 BURTON, Richard. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. p. 278.

O visitante também observou a horta e a presença do hospital. Com sua visão sempre crítica com relação à Igreja Católica, Burton, que era protestante, termina seu relato com dura repreensão à qualidade do ensino oferecido àquelas moças.

D. Viçoso faleceu no dia 07 de julho de 1875, aos 88 anos, 31 deles como bispo de Mariana.43

Em 1877, assumiu o primeiro bispo brasileiro da diocese, Dom Antonio Maria Correa de Sá e Benevides. Também realizou várias visitas pastorais, buscando dar continuidade à obra dos bispos anteriores. Durante seu episcopado, foi iniciada a construção de Belo Horizonte, futura capital de Minas, e foram libertados os escravos, medida que apoiava. Em 1889, “assistiu, contrafeito à Proclamação da República, monarquista convicto que era”.44

Com a saúde debilitada, praticamente entregou o bispado para seu amigo e fiel colaborador monsenhor Silvério, que, em 1890, seria eleito bispo auxiliar para assumir quase todas as funções do prelado titular, até sua morte, em 15 de julho de 1896.

D. Silvério Gomes Pimenta foi o primeiro bispo afro-descendente de Mariana. Filho de família humilde, ficou órfão de pai aos 4 anos, e cedo precisou trabalhar, como caixeiro. Foi ordenado, por D. Viçoso, aos 22 anos, em 1862. Tornou-se, em 1906, o primeiro arcebispo de Mariana, onde faleceu, em 30 de agosto de 1922.45

Todo o movimento de fortalecimento da Igreja Católica encabeçado, no Brasil, pelos bispos, teve orientação direta de Roma que, como já informamos, proveu, durante o período apresentado em nosso trabalho, a presença de três papas: Gregório XVI, Pio IX e Leão XIII.

Ao examinarmos as encíclicas, bulas e breves46 publicados pelos papas durante seus pontificados, identificamos as preocupações que os afligiam, e as condutas desejadas tanto para os clérigos como para os fiéis. Em 15 de agosto de 1832, o papa Gregório XVI publicou a encíclica Mirari vos, rechaçando as ideias liberais e o

43 SANTIAGO, Pe. Marcelo Moreira et al. Igreja de Mariana... p. 79.

44 CARVALHO, José de Assis. Horizontes de fé e cultura. Ponte Nova: Grafcolor, 1998. p. 108. 45

Disponível em: <http://www.domsilverio.mg.gov.br/historia/dom-silverio-gomes-pimenta/>.

46 Encíclica: carta dirigida aos patriarcas, primazes, arcebispos, bispos e outros ordinários. Bula: carta patente que contém decreto pontifício (Dicionário Michaelis). Breve: Rescrito papalino que contém uma decisão de caráter particular (Dicionário Aurélio).

racionalismo, que considerava como “indiferentismo”.47 No breve Dum acerbissimas, de 26 de setembro de 1835, foram condenadas as obras escritas por Georg Hermes, professor de teologia em Münster/Westf e em Bonn. O professor foi acusado por Roma de ser “racionalista”, por “se empenhar por uma recepção teológica de Kant”.48

Em 1839, o papa Gregório XVI, já consciente da infâmia da escravidão, condena tal prática, tanto em relação aos índios como aos negros:

que ninguém mais ouse no futuro maltratar injustamente os índios, os negros ou outros homens semelhantes, ou despojá-los dos seus bens, ou reduzi-los à escravidão, ou auxiliar e favorecer outros que fazem tais coisas com eles, ou praticar aquele comércio desumano, com o qual os negros, como se não fossem homens, mas puros e simples animais, reduzidos de qualquer modo à escravidão, sem nenhum discernimento, contra os direitos da justiça e da humanidade, são comprados, vendidos e obrigados às vezes a enfrentar duríssimos trabalhos.49

Apesar da condenação papal, a consciência dos párocos mineiros com relação à escravidão, vai se delimitando lentamente, com o decorrer do século. Como exemplo, citamos o registro de batismo de João, filho de Gertrudes, crioula, em 04 de fevereiro de 1866, cujo padrinho, Felippe, também escravo, pertencia ao vigário Joaquim José de Sant’Anna, que futuramente aderiria à causa abolicionista.

O papa Pio IX dá continuidade às críticas feitas por seu antecessor, através da encíclica Qui pluribus, de 09 de novembro de 1846, na qual condena o racionalismo: “[sabeis que os inimigos do nome cristão] ensinam que os sacrossantos mistérios da nossa religião são imaginações e invenções dos homens, que a doutrina da Igreja católica é contrária ao bem e às vantagens da humanidade; e não temem renegar até Cristo e Deus”. Por meio da encíclica, os católicos são ainda orientados sobre o correto comportamento da razão humana diante da fé: “é preciso que a razão humana, para não ser enganada e para não errar em coisa tão importante, estude atentamente o fato da

47 DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. Belo Horizonte: Ed. Paulinas; Ed. Loyola, 2009. p. 601.

48 DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. p. 602. 49 DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. p. 604.

revelação divina, para estar segura de que Deus falou e para prestar-lhe ‘obséquio segundo a razão’, como com grande sabedoria ensina o Apóstolo”.50

O mesmo documento ainda estabelece a infalibilidade do papa – “e já que, onde está Pedro, aí está a Igreja, e Pedro fala pela boca do bispo de Roma e, nos seus sucessores” –, e recrimina as religiões protestantes e a maçonaria, que chama de “seita clandestina, surgida das trevas para a ruína e a devastação tanto do que é sagrado quanto do que é público”.51

De acordo com Denzinger, a encíclica Quanta cura, de 08 de dezembro de 1864, condena o naturalismo e o socialismo, além da independência do poder da Igreja do poder civil. Pio IX ainda “fez anexar à Encíclica Quanta cura, uma coleção de 80 proposições que ele tinha anteriormente condenado em diversos documentos”: o

Syllabus, onde “certas proposições de natureza jurídica ou eclesiástico-política são em grande parte ligadas às circunstâncias do tempo”.52

Pouco tempo antes da publicação do Syllabus, o papa Pio IX convocara os cardeais para um concílio, “que deveria contrapor a doutrina católica aos erros da época”. O Concílio do Vaticano I pautar-se-ia em dois temas: “a explicação da fé católica face aos erros da época e a doutrina a respeito da Igreja de Cristo”. No entanto, somente uma parte dos temas propostos pôde ser tratada, pois o Concílio foi interrompido devido aos acontecimentos políticos.53

Em 1870, o poder papal sofre grande revés, pois os italianos invadem os Estados pontifícios, com vistas à unificação italiana. “Pio IX, amargurado, excomungou os supostos esbulhadores54 e se recolheu prisioneiro atrás dos muros do Vaticano. E prisioneiros os papas se mantiveram até o Tratado de Latrão em 1929”.55

No entanto, mesmo considerando-se prisioneiros, os papas posteriores não deixaram de se pronunciar a respeito das questões que afligiam os católicos frente à modernidade. Alguns temas abordados pelas diversas encíclicas publicadas por Leão

50 DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. p. 609-611. 51 DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. p. 612-613. 52 DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. p. 630-632. 53 DENZINGER, Heinrich. Compêndio dos símbolos, definições e declarações de fé e moral. p. 643. 54 Dicionário Aurélio: esbulhadores = usurpadores.

XIII nos dão uma mostra do caminho seguido pela Igreja de Roma: os direitos da pessoa na sociedade (encíclica Quod apostolici muneris, de 28 de dezembro de 1878); o poder na sociedade civil (encíclica Diuturnum illud, de 29 de junho de 1881); os “franco- maçons” (encíclica Humanum genus, de 20 de abril de 1884); a dignidade do homem em razão de sua liberdade (encíclica Libertas praestantissimum, de 20 de junho de 1888), em que são discutidas a lei natural, a lei humana, a liberdade de consciência, além da tolerância e da abrangência da liberdade civil; e, ainda, o direito e uso da propriedade privada (encíclica Rerum novarum, de 15 de maio de 1891), na qual é tratada também a questão do trabalho, num momento em que se está organizando uma nova forma de trabalho, o trabalho assalariado.56

Outros temas, extremamente complexos, vieram à tona nos anos finais do século XIX, e mereceram profunda discussão por parte da Igreja, como o caso da cremação dos cadáveres e o aborto.57

No documento S OB OB ADALAR DOS (páginas 32-41)