• Nenhum resultado encontrado

O CLERO OURO-PRETANO

No documento S OB OB ADALAR DOS (páginas 47-51)

As três linhas de pensamento relacionadas acima podem bem ser identificadas, na Ouro Preto da segunda metade do século XIX, através do pensamento e da ação de seu clero.

78

SILVEIRA, Felipe Augusto de Bernardi. Legislando sobre a prática e criticando os costumes... p. 172. O autor cita VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil imperial (1822-1889). Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.

Se, de maneira geral, o pensamento liberal e ilustrado se contrapunha ao movimento conservador ultramontano, colocando em lados rivais as forças seculares e as religiosas, em Ouro Preto, vemos que foi outro o caminho percorrido. Podemos falar que, ali, formou-se um clero ilustrado, representado, no período estudado, pelo pároco Joaquim José de Sant’Anna.

Desde os primórdios do povoamento das Minas, foi proibida a entrada das ordens religiosas regulares na capitania mineradora. Esta questão foi responsável pela forte presença das irmandades religiosas de leigos, sob a orientação do clero secular. De um lado, a Igreja Católica institucional esteve aliada à Coroa, tanto portuguesa (no século XVIII), como brasileira (após 1822), no que se refere à implantação do projeto político de modo mais amplo. Por outro lado, membros da Igreja, de forma individual, se colocavam contra a posição oficial, tomando partido das linhas progressistas, como ocorreu no caso dos padres que participaram da Inconfidência Mineira.

Essa característica, de participação política ativa do clero não estava presente somente em Minas Gerais. Em outras províncias, vemos também religiosos participando e até liderando revoltas, como no caso da Conjuração Baiana, também chamada de Revolta dos Alfaiates, na Bahia (1798), com a participação do padre Francisco Agostinho Gomes; ou na Confederação do Equador, iniciada em Pernambuco, em 1824, com a presença de Frei Caneca. Afinal, os clérigos eram membros da sociedade e, muitas vezes, possuíam formação educacional acima da média da população, apesar das constantes queixas dos visitadores diocesanos, que, muitas vezes, lamentavam o baixo nível cultural dos padres e seu pouco preparo para as “coisas da fé”.

Nas Minas do século XIX, entre os réus pronunciados como cabeças da Rebelião Liberal de 1842, temos os padres: Manoel Felix de Oliveira, Manoel Teotônio de Castro, Valério de Alvarenga Ferreira, José Alves Leite, Germano Felix de Oliveira, José de Almeida Campos (despronunciado em recurso que interpôs, e solto), Francisco de Assis Ribeiro, Diogo Antônio Feijó (senador) e o vigário José Manoel de França.80

Os clérigos eram participantes ativos da vida social de suas capelas ou paróquias, e alguns se destacaram na política ou como referências culturais. O cuidado para com a formação dos padres, imposto firmemente pela Igreja do oitocentos,

80 ALMEIDA, Aluisio de. A Revolução Liberal de 1842. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1944. p. 17-18.

transformou o perfil do clero, contrapondo-o àquele citado nas crônicas da época, que se referiam aos primeiros sacerdotes que vieram para as Minas no XVIII como “fanfarrões e com pouco recato”.

De acordo com Furtado de Menezes, “excetuando Antônio Francisco Lisboa, o legendário Aleijadinho, que se imortalizou como escultor e arquiteto, o maior artista de Ouro Preto foi um sacerdote católico, vigário de Antônio Dias, o Padre José Joaquim Viegas de Menezes”.

Pintor primoroso, gravador exímio e que, quase sem recursos, para servir a um amigo, imaginou e levou a efeito, com o auxílio do português Manoel José Barbosa, a construção de uma oficina tipográfica, em que foram feitas as primeiras impressões da Capitania, em que surgiu sob a redação do mesmo sacerdote o primeiro jornal que se publicou em Minas – A abelha do Itacolomi, a 14 de janeiro de 1824.81

Outro eminente jornalista, nascido em Ouro Preto, foi o cônego Antônio José Ribeiro Bhering, que publicou, em 1833, em Mariana, O homem social. Destacou-se também, como professor de retórica. Foi vice-diretor geral da instrução pública, “apresentando ao Presidente da Província relatórios notáveis sobre o estado da instrução e também deputado às assembléias legislativas provinciais de 1835 a 1837 e de 1846 a 1853, e à assembléia geral de 1834 a 1837”.82

Os sacerdotes ouro-pretanos se destacaram nas mais diversas áreas do conhecimento. “O Jardim Botânico de Ouro Preto foi constituído sob os planos e a direção de um notável naturalista ouro-pretano, o Padre Joaquim Veloso de Miranda”.83 Já o padre Antônio Ribeiro de Andrade recebeu homenagem do jornal Correio Oficial

de Minas, a 26 de janeiro de 1860.

O Padre Antônio Ribeiro de Andrade, uma das glórias do foro mineiro, conta hoje com 90 anos de idade. Destes, 65 foram gastos no exercício da advocacia, em que tornou-se tão hábil que seus escritos são ainda no presente respeitados e lidos com atenção pelos homens que mais se distinguem no conhecimento de nossa legislação.84

81 MENEZES, Joaquim Furtado de. Igrejas e irmandades de Ouro Preto. p. 28. 82 MENEZES, Joaquim Furtado de. Igrejas e irmandades de Ouro Preto. p. 28. 83 MENEZES, Joaquim Furtado de. Igrejas e irmandades de Ouro Preto. p. 29. 84 MENEZES, Joaquim Furtado de. Igrejas e irmandades de Ouro Preto. p. 28-29.

Vida notável teve o Dr. Antônio Nogueira da Cruz. Formado em medicina em Portugal,

clinicou longo tempo em Ouro Preto, sua cidade natal, Mariana, Campanha, Lavras, Baependi. Casou-se e desse consórcio houve 17 filhos que todos educou e colocou. Enviuvando, ordenou-se em 1842, cantou sua primeira Missa na Matriz de Ouro Preto, a 29 de junho desse ano, foi nomeado Reitor do Seminário de Mariana e depois Vigário de Conceição do Rio Verde, ali ao mesmo tempo que curava as enfermidades do corpo, fazia cicatrizar as feridas da alma. Foi mais tarde Vigário de Sant’Anna de Itacarussu.85

Ao acompanharmos o percurso dos ouro-pretanos durante praticamente sessenta anos de sua história, pudemos identificar, por um lado, sua sintonia com relação às novidades do século que traz em seu bojo a ideia de modernidade. Por outro lado, no entanto, pudemos observar como eles souberam guardar suas tradições e sua cultura, ciosos de suas crenças religiosas.

É um grande desafio para o historiador apreender os costumes vislumbrados pelas fontes documentais. Consideramos, no entanto, que, observando os detalhes e ouvindo o sussurro dos registros deixados, pudemos capturar um pouco da alma da antiga capital mineira. Sem mais adiar, iniciemos nosso caminho!

C

APÍTULO

I

U

MA REFLEXÃO SOBRE AS FONTES

Assim se me afigurava Ouro Preto quando a vi pela primeira vez, chegando de noite, as igrejas fantasticamente construídas em cima das colinas de que parecem fazer parte. Uma “paisagem cultural”, como talvez não exista outra na América Latina.86

No documento S OB OB ADALAR DOS (páginas 47-51)