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O URO P RETO ENTRE 1868 E

No documento S OB OB ADALAR DOS (páginas 187-196)

O Modernismo, arrastado pela onda do progresso, foi-se intrometendo nos costumes, tudo modificando ou renovando.299

3.1- A INSTABILIDADE (1868-1889)

No artigo “Nem desconcentração espacial, nem ruralização”, a equipe do Cedeplar//UFMG300 analisa, de maneira bem elucidativa, o desenvolvimento econômico e o processo de ocupação demográfica na província de Minas Gerais, entre as décadas de 1830 e 1870. Através de estudo comparativo entre as listas nominativas de 1831/32 e o Censo Geral do Império de 1872, os autores chegam a importantes conclusões, que podem ser assim sintetizadas: em primeiro lugar, os estudos historiográficos são unânimes em afirmar que a economia mineira não se desestruturou com o final da mineração, e, por ocasião do Censo Geral de 1872, ainda se constituía na província mais populosa do Império. Além disso, o caráter urbano que marcou a ocupação do território mineiro desde o século XVIII, permanece.301

De acordo com os autores, na década de 30, praticamente 80% da população estimada concentrava-se nas áreas correspondentes “à porção meridional da província e às áreas centrais, de ocupação, pela exploração das minas de ouro e diamantes”.302 A economia baseava-se, principalmente, na agricultura (cana-de-açúcar, tabaco, algodão) e pecuária (bovinos, suínos).303 A agroindústria era vigorosa (fabricação de toucinho,

299 CABRAL, Henrique Barbosa da Silva. Ouro Preto. p. 305.

300 MELLO FILHO, Marcelo Soares Bandeira; SANTOS JUNIOR, José Maria dos; RODARTE, Mario Marcos Sampaio. Nem desconcentração espacial, nem ruralização: o processo de ocupação demográfica, na província de Minas Gerais, entre as décadas de 1830 e 1870. XII Seminário sobre a Economia Mineira, 29 de agosto a 1° de setembro, 2006. Diamantina. Anais... Diamantina: Cedeplar/UFMG, 2006.

301 MELLO FILHO, Marcelo Soares Bandeira et al. Nem desconcentração espacial, nem ruralização... p. 1. 302 MELLO FILHO, Marcelo Soares Bandeira et al. Nem desconcentração espacial, nem ruralização... p. 9. 303

MELLO FILHO, Marcelo Soares Bandeira et al. Nem desconcentração espacial, nem ruralização... p. 9. No capítulo anterior, já traçamos análise mais detalhada sobre a economia mineira na década de 30 do século XIX. Para tanto, baseamo-nos nos autores: LIBBY, Douglas Cole (1988), PAIVA, Clotilde Andrade (1996) e BERGAD, Laird W. (2004).

couros, laticínios, rapadura, aguardente e setor têxtil) e o extrativismo mineral de ouro, diamantes e de pedras preciosas ainda tinha algum vulto, além da crescente exploração do ferro, com sua incipiente indústria siderúrgica. Além desses, destacavam-se o comércio e os “setores de serviços e as diversas atividades manuais e mecânicas”, que refletiam, em parte, “a complexa e densa rede de cidades dessa porção do território”.304 O artigo dá destaque para Ouro Preto, sempre lembrada como sede do corpo administrativo provincial e como polo de atendimento às necessidades da população, como a educação, a justiça e o comércio.

No período entre 1830 e 1872, Minas Gerais mantém taxa de aumento populacional superior à média brasileira, próxima da apresentada por São Paulo e Paraná. Tal fato sugere, para os estudiosos do Cedeplar, que “a província de Minas tenha tido saldo migratório positivo, ao longo do período, seja pelo afluxo de livres, seja pelo tráfico de escravos, e não uma região de dispersão de população”.305

No entanto, a dinâmica interna se modifica. As regiões periféricas têm ritmo de desenvolvimento mais acelerado, como a do Triângulo e a do sertão do Rio Doce, até então consideradas áreas de vazio demográfico. A zona da Mata, que já vinha demonstrando crescimento populacional, se torna forte área de atração tanto de livres como de escravos, devido ao grande desenvolvimento da cultura cafeeira no último quartel do século XIX.306

Algumas regiões tiveram crescimento considerado intermediário, como a de Araxá e a Mineradora Central Leste. Nelas, apesar da grande quantidade de terras menos exploradas, há afluxo populacional vindo de outros lugares.307 Já as regiões de povoamento mais antigo, como a área Mineradora Central, têm crescimento, apesar do ritmo menor, identificando-se, portanto como regiões de “atração populacional, seja como imigrantes, seja pelo tráfico de escravos”.308

304 MELLO FILHO, Marcelo Soares Bandeira et al. Nem desconcentração espacial, nem ruralização... p. 10. 305 MELLO FILHO, Marcelo Soares Bandeira et al. Nem desconcentração espacial, nem ruralização... p. 12. 306 MELLO FILHO, Marcelo Soares Bandeira et al. Nem desconcentração espacial, nem ruralização... p. 12. 307 MELLO FILHO, Marcelo Soares Bandeira et al. Nem desconcentração espacial, nem ruralização... p. 13. 308 MELLO FILHO, Marcelo Soares Bandeira et al. Nem desconcentração espacial, nem ruralização... p.

Apesar da redistribuição da população das Minas no sentido de sua desconcentração, a alta densidade permanece na antiga área Mineradora Central, assim como a forte presença de setores de perfil mais urbano, “ou senão, menos relacionadas com o meio rural, como as profissões liberais, o comércio, e as atividades fabris”.309

Entretanto, se, por um lado, o crescimento populacional e econômico da província como um todo permanece por mais tempo, o período iniciado no final da década de 1860, e que se estende pelas duas décadas seguintes, foi de profundas transformações políticas e sociais de âmbito nacional, que se refletiram nas práticas mineiras. “No cerne destas idéias estiveram as que, progressivamente, contestaram a ordem vigente e, mas tarde, contribuiriam para o declínio do Estado Imperial, ao minar suas bases de sustentação”.310 A estudiosa Cláudia Rodrigues lança mão de vários historiadores para sintetizar o período pós-1868 como sendo o “grande divisor de águas entre a fase mais estável do Segundo Reinado e a sua longa crise que culminaria, vinte anos mais tarde, com a Abolição e a República”.311

No aspecto político, a crise se deu em 1868, quando o imperador demitiu o gabinete liberal progressista, “substituindo-o por outro conservador, apesar de a maioria da Câmara eleita ser liberal”.312 Uma vez na oposição, os liberais passaram a reivindicar mudanças mais radicais, defendendo o fim da escravidão e sua substituição pelo trabalho livre e assalariado. Eram, então, apoiados pelos setores urbanos da sociedade. A polarização política entre conservadores e liberais possibilitou o surgimento de uma ala radical entre os últimos, que clamava por “eleições diretas, ampliação do número de eleitores, descentralização política, extinção do poder Moderador, reforma do Judiciário, supressão da Guarda Nacional e abolição da escravidão”. Em 1870, surge o movimento Republicano, “expressando a visão de que somente a mudança do regime tornaria possível a implementação daquelas propostas”.313

Nesse período, já se prenunciava o final da escravidão, com medidas práticas que se iniciaram, em 1850, com o final do tráfico internacional. As discussões sobre o

309 MELLO FILHO, Marcelo Soares Bandeira et al. Nem desconcentração espacial, nem ruralização... p. 17. 310 RODRIGUES, Cláudia. Nas fronteiras do além... p. 154.

311 RODRIGUES, Cláudia. Nas fronteiras do além... p. 154. 312 RODRIGUES, Cláudia. Nas fronteiras do além... p. 154. 313 RODRIGUES, Cláudia. Nas fronteiras do além... p. 155.

assunto diminuíram durante Guerra do Paraguai (de dezembro de 1864 a março de 1870), mas não se ausentaram do imaginário popular, visto que Richard Burton, ao referir-se à escravidão, em 1868, afirmou que “é difícil encontrar-se, no país, um homem instruído que não deseje, com razão vê-la abolida, se se puder encontrar um sucedâneo”. Era pensamento generalizado que a mão-de-obra escrava deveria ser substituída pela mão-de-obra livre, de preferência formada por imigrantes europeus, e que ambos os trabalhos não poderiam coexistir.314

As conversas acerca da abolição, naquela década, já não estavam limitadas aos meios mais cultos e aos parlamentares. Em visita a Ouro Preto, em 1867, Burton observou que a população servil estava “se tornando muito inclinada a atos de violência”. Acrescenta, ainda, que os ouvira comentando no chafariz: “os ingleses vêm nos libertar em breve”.315 Em 1871, é dado o primeiro passo efetivo em direção à libertação dos cativos, com a Lei Rio Branco, que analisaremos adiante.

Em meio à disputa política travada entre conservadores e liberais, vai tomando corpo o processo de construção da nação brasileira. Este, inaugurado com o golpe da maioridade que deu início ao governo de D. Pedro II, em 1840, fortaleceu-se com a Guerra do Paraguai, reconhecida como “um grande fator na formação de uma identidade brasileira”.316 Esse panorama de afirmação da nação brasileira, aliado à necessidade de conhecimento do tamanho e do perfil populacional do Império, possibilitou a realização do primeiro Censo Geral do Império. Os objetivos visavam claramente à implantação de políticas públicas sobre bases seguras. Como exemplo, citamos a Lei do Ventre Livre, que “tornava imprescindível conhecer a população escrava do sexo feminino” e a política de instrução pública, já que “atacar o problema da educação primária dependia de se averiguar de forma mais acurada a população infantil a ser atendida”.317

314 BURTON, Richard. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. p. 234. 315 BURTON, Richard. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. p. 341.

316 BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. Censos e construção nacional no Brasil Imperial. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, v. 17, n. 1. jun. 2005. p. 324.

A unidade censitária foi a paróquia, e, como temos os números relativos às duas paróquias constitutivas de Ouro Preto, utilizamo-nos de seus dados para visualizar o perfil populacional, econômico e familiar da antiga capital mineira.

3.2- O CENSO DE 1872318

O Primeiro Censo Geral do Império (de 1872) foi realizado para subsidiar o esforço imperial que visava à retomada do desenvolvimento econômico pós Guerra do Paraguai, e também para enfrentar as transformações sociais que se vislumbravam, principalmente no que se refere ao processo abolicionista.

De acordo com o professor Paul Hugon, “apesar de suas imperfeições, ele marca um progresso decisivo para um conhecimento demográfico preciso”. A partir daí, passou a ser possível seguir, com certa exatidão, a evolução da população brasileira, apesar da precisão dos dados não ser absoluta. Afinal, a obrigatoriedade dos registros civis se dá somente em 1889, sendo que, nessa ocasião, ainda estaria longe de ser aplicado em toda parte.319

Antes dessa data, as estatísticas se davam por recomendação das autoridades provinciais, sempre preocupadas em quantificar e conhecer as populações de seus territórios.320 A responsabilidade era das autoridades eclesiásticas ou dos juízes de paz, que deveriam proceder ao arrolamento das populações das áreas subordinadas às respectivas jurisdições, sendo que, a partir de 1842, passaram a ser incumbidos dessa tarefa os chefes de polícia.321 Esses arrolamentos foram realizados para atender a interesses militares de recrutamento para as forças armadas, para a cobrança de

318 Agradeço ao professor Tarcísio Botelho, pela cessão do CD com os dados compilados dos Censos de 1872 e de 1890, produzido pelo CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), sob a coordenação de Pedro Puntoni e Miriam Dolhnikoff, com o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

319 HUGON, Paul. Demografia brasileira. p. 39. 320

O histórico das propostas de recenseamentos no Brasil, desde o século XVIII, é retratado de forma mais detalhada em: PUNTONI, Pedro; DOLHNIKOFF, Miriam (Coord.). Os recenseamentos gerais do Brasil no século XIX: 1872 e 1890. São Paulo: CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), com o apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), 2004. CD-rom, 4 vol.

321 De acordo com o regulamento nº 120, de 31 de janeiro de 1842, art. 18º, § 17, da lei interpretativa do Ato Adicional (13/05/1840). Cf. PUNTONI, Pedro; DOLHNIKOFF, Miriam (Coord.). Os recenseamentos gerais do Brasil no século XIX: 1872 e 1890. p. 6.

impostos e para a organização das seções eleitorais, o que pode dar lugar a suspeitas de que seus resultados tenham ficado aquém da realidade.322

A ideia da realização de um censo geral tomou corpo a partir da estabilidade política nascida com o Segundo Reinado. O primeiro desafio que se apresentava era o estabelecimento das bases de um sistema eleitoral confiável. A legislação eleitoral de 1846 previa a realização de censos a cada oito anos, “refletindo bem as preocupações eleitorais, já que visava cobrir o lapso de duas legislaturas”.323

Em 1850, a proposta de um recenseamento geral do Império ganha forma. Para sua realização, o legislativo concedeu autorização para que o governo despendesse a quantia que fosse necessária. No entanto, o projeto não foi adiante, devido a dificuldades práticas e políticas, além da resistência da população, que via com desconfiança os objetivos de tal empreendimento. “O censo previa a regularização do registro civil. A partir de primeiro de janeiro de 1852 o registro de nascimento e de óbitos seria obrigatório”. De acordo com Puntoni, “tal medida contrariava a prática tradicional, herdada do período colonial, na qual os nascimentos, casamentos e óbitos eram registrados nos livros eclesiásticos”.324

Segundo o ministro da justiça da época, as revoltas, que se intensificaram nas províncias do nordeste, originaram-se do boato de que o registro civil tinha por finalidade escravizar a gente de cor.325

Somente em 1870, a sociedade mostrar-se-ia pronta para aceitar ser conhecida pelas autoridades governamentais, visto que, com o fim da Guerra do Paraguai, os temores de que o arrolamento objetivava aumento do fisco e alistamento militar não tinham mais procedência.

O processo ficou a cargo da Diretoria Geral de Estatística, criada pelo governo geral, em 09 de setembro de 1870, para este fim. O relatório da Diretoria Geral de

322 Metodologia do Censo Demográfico 2000. In: IBGE: Série Relatórios Metodológicos. v. 25. Rio de Janeiro, 2003. Dispnível na Internet, em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/ censo2000/metodologia/metodologiacenso 2000.pdf>. Consultado em 05/04/2007. p. 13.

323 BOTELHO, Tarcísio Rodrigues. Censos e construção nacional no Brasil Imperial. p. 328. 324

PUNTONI, Pedro; DOLHNIKOFF, Miriam (Coord.). Os recenseamentos gerais do Brasil no século XIX: 1872 e 1890. p. 7.

325 PUNTONI, Pedro; DOLHNIKOFF, Miriam (Coord.). Os recenseamentos gerais do Brasil no século XIX: 1872 e 1890. p. 8.

Estatística sobre a organização interna e a marcha dos serviços de apuração desse censo “dá uma expressiva idéia da morosidade dos processos de apuração então adotados e a cargo do reduzido pessoal responsável pelo serviço”, bem como assinala “a falta do devido tirocínio na prática de um trabalho inteiramente novo”.326

Apesar da escassez dos meios disponíveis, 10.112.061 habitantes foram recenseados em 1872, em todas as províncias, e a sua distribuição se fez tendo em vista as seguintes variáveis: raça (cor); nacionalidade; sexo, idade, estado conjugal; profissão, alfabetização; domicílio; fogos ou famílias; condição (livre ou escravo); religião; imigração e emigração e naturalização.

As características demográficas consideradas pelo censo foram marcadas pela preocupação com a padronização, pois deveriam atender a todas as províncias. Além disso, os aspectos recenseados nos revelam os valores importantes para aquela sociedade. Primeiramente, não são enumerados os habitantes, mas as “almas” de determinada localidade ou freguesia, indicando estreita relação com o universo religioso.

Até meados do século XIX, a população brasileira era dividida por cor, entre brancos, pardos, pretos e caboclos, sendo que essas não se referiam diretamente à cor da pele do indivíduo, mas a seu lugar na sociedade. Como nos esclarece Hebe Mattos,

a noção de “cor”, herdada do período colonial, não designava, preferencialmente, matizes de pigmentação ou níveis diferentes de mestiçagem, mas buscava definir lugares sociais, nos quais etnia e condição estavam indissociavelmente ligadas.327

Somente a partir da segunda metade do oitocentos, desenvolvem-se as teorias racialistas na Europa e na América, que passam a buscar, na biologia, justificativas para a manutenção da escravidão e explicações para as diferenças sociais. Note-se que a historiografia contemporânea tem debatido sobre o significado da “cor” na sociedade colonial e imperial, que definia a hierarquia da sociedade brasileira, sendo que seu sentido não permanece o mesmo no decorrer do tempo.

Até a independência política do Brasil, as legislações portuguesas, baseadas nos princípios nobiliárquicos do nascimento, impediam a ascensão política e social daqueles

326 Metodologia do Censo Demográfico 2000. In: IBGE: Série Relatórios Metodológicos. p. 11. 327 CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Das cores do silêncio... p. 98.

que tinham “mancha de sangue”. Originalmente, referiam-se aos descendentes de judeus e mouros. No século XVI, as restrições foram estendidas para os descendentes de ciganos e indígenas e, no século XVII, foram acrescentados os negros e mulatos, pelas Ordenações Filipinas.328 Mesmo aqueles que haviam se convertido ao catolicismo eram

discriminados como “cristãos novos”, em oposição aos “cristãos velhos”. Em 1776, Pombal revogaria as restrições aos descendentes de judeus, mouros e indígenas. Legalmente, as restrições aos descendentes de africanos “só seriam rompidas no Brasil pela Constituição de 1824”.329 No entanto, a necessidade de povoamento dos sertões brasileiros e a intensa miscigenação tornaram a questão extremamente complexa. Muitos mestiços eram filhos ilegítimos de pessoas de destacado poder econômico e político, tidos com suas escravas, e ascenderam tanto a cargos militares como religiosos. Ser branco significava ser livre, estando, assim, aberto o caminho para a inserção social e o acesso à propriedade. Os brancos formavam, no Brasil, a elite econômica e política. No entanto, durante a segunda metade do século XIX, “esta representação da liberdade começa a ter as suas bases solapadas”, devido ao crescimento demográfico de negros e mestiços, tanto livres como libertos. A concentração da mão-de-obra cativa e o aumento do trabalho livre também contribuíram para a ampliação do número de brancos pobres e despossuídos, que se afastavam do ideal de liberdade representado pelo “não- trabalho”.330

Da mesma forma, o termo pardo estava, em grande parte, relacionado com a condição de livre daquele que o carregava. Pardo seria, portanto, conceito abrangente para designar o “não-branco”. Para Hebe Mattos, pardo seria tanto o “escravo descendente de homem livre (branco), como todo homem nascido livre, que trouxesse a marca de sua ascendência africana – fosse mestiço ou não”.331 A designação da cor nos séculos XVIII e XIX não era determinada de forma rígida, sendo que não era incomum determinada pessoa ser considerada preta numa fonte documental e parda em outra, principalmente à medida que se afastava do mundo do cativeiro.

328 CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. p. 14. 329 CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Escravidão e cidadania no Brasil monárquico. p. 14. 330 CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Das cores do silêncio... p. 33.

O termo caboclo substituiu o termo cabra, mais geral, presente nas listas nominativas da década de 30, e tem seu significado explicado por Waldemar de Almeida Barbosa: “designação dada primitivamente ao índio. [...] Com o tempo, passou a designar os descendentes do índio”. O professor acrescenta: “representa o elemento indígena amansado e que das selvas viera coabitar com a gente civilizada”. Ao índio “selvagem”, era dado o nome de Tapuia. Sobre o tema, Almeida Barbosa ainda nos esclarece em seu dicionário:

Com Pombal, teve início, em 1751, uma política de incorporação do indígena à comunhão brasileira; e em 1755, um alvará régio determinava várias medidas, nesse sentido e terminava assim: “... outrossim, proíbo que os ditos meus vassalos casados com índias, ou seus descendentes sejam tratados com o nome de caboclos, ou outro semelhante, que possa ser injurioso”.332

Em 1872, o termo “caboclo” já havia perdido seu componente discriminatório, passando a indicar, simplesmente, o mestiço do branco com o indígena.

Já os termos crioulo e preto “mostravam-se claramente reservados aos escravos e aos forros recentes”.333 Há também os africanos livres, presentes de forma significativa na sociedade ouro-pretana. Devemos considerar, ainda, que, para o último quartel do século XIX, já não é importante a diferenciação entre os africanos (pretos) e crioulos, principalmente porque foi recenseada à parte a nacionalidade da população.

Hebe Mattos constatou, em seus estudos, que a designação da cor vai desaparecendo no decorrer do século XIX, principalmente no caso do registro de livres, permanecendo a referência para os escravos e os recém-libertos.334

Nossa tendência é de concordar com a professora, pois, ao analisar o livro de batismos das crianças ingênuas, filhas de escravas, após a Lei do Ventre Livre, comprovamos a assertiva acima, já que praticamente todas as crianças e grande parte de suas mães têm a referência da cor.335 Nos demais registros de batismos, observamos identificação da cor, de forma mais constante, em períodos alternados: de 1838 a março de 1841, de 1847 a abril de 1851, tornado-se cada vez mais ausente a partir daí. Essa

332 BARBOSA, Waldemar de Almeida. Dicionário da terra e da gente de Minas... p. 39-180. 333 CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Das cores do silêncio... p. 30.

334 CASTRO, Hebe Maria Mattos de. Das cores do silêncio... p. 98. 335 Esse assunto será abordado de maneira mais profunda no Capítulo IV.

característica dos registros paroquiais pode ser decorrente, ao menos em parte, da Lei nº 510, de 10 de outubro de 1851, que aliviava os párocos da obrigação de preencher e encaminhar para os presidentes da província mapas-resumo com os dados dos batismos,

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