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2.3 ARMADILHAS DO DESENVOLVIMENTO E A CAPACIDADE DE

2.3.1 A discussão sobre a existência da armadilha da renda média

A ocorrência de sustentados períodos de crescimento acelerado do pós 2ª Guerra Mundial até a crise financeira internacional de 2008-09 permitiu diversas economias a alcançarem níveis mais elevados de desenvolvimento, contribuindo para que muitas delas saíssem, em diferentes momentos do tempo, de situações de baixo nível de riqueza para patamares superiores de renda e bem-estar. Entretanto, muitas foram as economias que passaram por processos de catching-up e se juntaram ao grupo de países de renda média, mas poucas as que se tornaram economias de renda alta. De acordo com o World Bank (2013), de 101 economias classificadas como renda média em 1960, apenas 13 conseguiram se juntar aos países considerados ricos até 200818. Grande parte das demais economias exibiu certa estagnação em suas taxas de crescimento do PIB per capita, permanecendo em um dado nível

18 São eles: Guiné Equatorial, Grécia, Hong Kong, Irlanda, Israel, Japão, Ilhas Maurício, Portugal, Porto Rico,

de renda ao longo de várias décadas. Nesse tocante, dado que as experiências históricas não corroboraram a existência de uma tendência natural e espontânea em direção a um amplo processo de convergência em termos de taxas de crescimento econômico ou de níveis de renda per capita, então existe a possibilidade de alguns países ficarem “presos” em níveis baixos ou intermediários de renda durante muito tempo, enquanto outros terão sucesso em suas empreitadas.

Dentro desse contexto, emergiu o conceito de “armadilha da renda média” (“middle-

income trap”, doravante MIT) para descrever as aparentes desacelerações e descontinuidades

no processo de crescimento de algumas economias, sobretudo do leste asiático, que haviam passado não há muito tempo por processos significativos de uma situação de baixa renda para outra de renda mais elevada. Assim, intentou-se identificar uma possível situação de incapacidade, especificamente para um grupo de países, em sustentar taxas de crescimento elevadas durante longos períodos.

Gill e Kharas (2007, p. 5) propõem o termo MIT descrevendo o caso de economias que estavam sendo “[...] squeezed between the low-wage poor-country competitors that

dominate in mature industries and the rich-country innovators that dominate in industries undergoing rapid technological change”. Apesar de o termo ter aparecido no referido

trabalho19, ainda hoje não existe uma definição amplamente aceita e difundida na literatura sobre o tema.

A partir da proposição de Gill e Kharas (2007), outros trabalhos passaram a definir o termo a partir de uma abordagem descritiva, focando em como processos políticos e mudanças institucionais deveriam se adaptar às características estruturais das economias de renda média (OHNO, 200920; KHARAS; KOHLI, 2011; WORLD BANK, 2013)21. Em comum a esses trabalhos reside a ideia que, na medida em que vão se exaurindo os ganhos de produtividade das economias, a partir do processo natural de realocação de trabalhadores de setores menos produtivos para aqueles com maior produtividade (como o caso da migração do

19 Em realidade, Garret (2004) desenvolve uma noção similar em sua análise sobre os efeitos da globalização no

lento crescimento das economias de renda média, embora sem mencionar o termo explicitamente.

20 Para Ohno (2009), os países presos na MIT estão nessa situação pela incapacidade de atravessar o teto de

vidro (“glass ceiling”) existente de um estágio industrial no qual a produção se dá predominantemente sob orientação estrangeira para outro estágio mais avançado na cadeia de valor no qual se tem as capacidades internas para se produzir bens e serviços com maior valor adicionado.

21 Para Gill e Kharas (2015), a literatura da MIT evoluiu mais pela ausência de uma teoria de crescimento

satisfatória que pudesse auxiliar as políticas de desenvolvimento em economias de renda média do que pela conjuração de um fenômeno do desenvolvimento generalizado. Para os autores, enquanto as teorias do crescimento endógeno enfrentam o problema das economias de renda alta e o modelo de crescimento de Solow o problema de crescimento dos países de renda baixa, elas não são satisfatórias para entender o que fazer em países de renda média. Tais teorias serão revisadas na subseção 2.4.1.

fator trabalho da agricultura para a indústria e o setor de serviços), seria necessário combinar novas fontes e estratégias de crescimento com as características estruturais prevalecentes dessas economias (GILL; KHALIS, 2015).

Uma segunda abordagem para investigar a existência da MIT, predominantemente empírica, se baseia na observação de que muitos países permanecem em uma faixa estreita de renda absoluta durante considerável período de tempo, ou seja, investiga a persistência de um nível absoluto de renda (SPENCE, 2011; EINCHEGREEN; PARK; SHIN, 2012, 2014; FELIPE; ABDON; KUMAR, 2012; AIYAR et al., 2013; FELIPE; KUMAR; GALOPE, 2017).

Spence (2011), embora não utilize o termo “armadilha”, define a transição da renda média como a parte do processo de crescimento que ocorre quando a renda per capita de um país alcança a faixa de U$ 5 mil a U$ 10 mil e observa que essa transição acaba por ser muito problemática, sendo poucos os países que conseguiram alcançar níveis de renda per capita acima do indicado desde meados dos anos 197022.

Felipe, Kumar e Galope (2017) redefinem as faixas de valores das quatro categorias de renda per capita (em $ PPP de 1990) do Banco Mundial para classificar 124 países no período 1950-2013 e calculam o número limite de anos para que um país possa ser considerado preso na MIT23. Assim, eles identificam dois limites: um entre U$ 2 mil e U$ 7,250 mil e outro de U$ 7,250 mil e U$ 11,750 mil. Os autores encontram que a mediana do número de anos que os países demoraram em atravessar o primeiro limite (renda média-baixa para renda média- alta) foi 55 e para atravessar o segundo (renda média-alta para renda alta), 15, encontrando 14 (de 54) economias que experimentaram transições lentas24. O trabalho também indica que muitas economias que hoje são considerados como renda alta demoraram muitas décadas para atravessar o segmento de renda média. Assim, os autores rejeitam a existência de uma MIT como fenômeno generalizado e propõem que o que distingue as economias nas suas transições é a velocidade dessas transições.

O trabalho de Aiyar et al. (2013), embora também utilize técnicas econométricas, difere dos autores anteriores ao utilizarem previsões do modelo de crescimento de Solow para

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Para Spence (2011, p. 100), […] at this point, the industries that drove the growth in the early period start to become globally uncompetitive due to rising wages. These labor-intensive sectors move to lower-wage countries and are replaced by a new set of industries that are more capital-, human capital-, and knowledge- intensive in the way they create value”.

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O corte é feito com base na mediana do número de anos que os países demoram em dois dos grupos definidos (de renda média e de renda média-alta) antes de eles passarem para o próximo grupo de renda.

24 Em trabalho anterior (FELIPE; ABDON; KUMAR, 2012), os autores tinham encontrado valores de 28 anos e

identificar desacelerações em termos de desvios repentinos e sustentados do caminho de crescimento previsto. Eles calculam taxas quinquenais de crescimento da renda per capita de 138 países ao longo de 11 períodos (1955-2009) e examinam 123 episódios de desacelerações de crescimento. Os autores encontram que os países de renda média (aqueles com níveis de renda per capita entre U$ 1 mil e U$ 12 mil, em U$ PPP de 2005) apresentaram uma maior frequência de desaceleração do que países avançados ou de renda média.

Por fim, uma terceira abordagem, também empírica, investiga a existência da MIT baseando-se na ausência de convergência em relação a um país de renda elevada, isto é, na persistência de um nível de renda relativo (AGÉNOR; CANUTO; JELENIC, 2012; WOO, 2012; IM; ROSENBLATT, 2015; ROBERTSON; YE, 2015; BULMAN; EDEN; NGUYEN, 2017).

Woo (2012) propõe um índice de catch-up (CUI) baseado na razão do nível de renda de países da América Latina e da Ásia em relação ao nível de renda dos Estados Unidos (com os níveis medidos em U$ PPP de 1990), definindo uma situação de MIT quando o índice permanece entre 20% e 55% ao longo do tempo. Caso os países de renda média não sejam capazes de superar essa faixa dentro de aproximadamente cinquenta anos, eles podem ser considerados como presos na armadilha.

Robertson e Ye (2015) propõem uma definição estatística para o termo baseada em análises de séries temporais que consideram a trajetória de crescimento de longo prazo dos países. Utilizando uma especificação do teste de raiz unitária de Dick-Fuller Aumentado (ADF) que testa a presença de uma MIT e considera a possibilidade de quebras estruturais, os autores definem que os países que podem estar presos nessa situação são aqueles que apresentam entre 8% e 36% do PIB per capita dos Estados Unidos, uma convergência relativa insatisfatória dos níveis de renda per capita em relação ao grupo de países ricos, bem como não apresentam divergência abaixo da faixa de renda média. Tal definição diferencia os casos de MIT daqueles fenômenos de curto prazo como, por exemplo, de quebras estruturais ou de tendências estocásticas. Dessa forma, os autores identificam 19 de 46 países em 2007 que passaram pelo teste estatístico e satisfazem a definição proposta.

Im e Rosenblatt (2015) criam um conjunto de faixas baseadas na renda per capita relativa a dos Estados Unidos e investigam a probabilidade de um país fazer a transição para uma categoria superior, a partir de matrizes de transição para 125 países de 1950 até 2008. As análises das matrizes de transição dos autores forneceram pouco suporte para a ideia da existência da MIT, pois as transições dos países de renda média para renda alta parecem ser tão prováveis quanto as transições de países de renda baixa para renda média, ou seja, essas

probabilidades não diferem radicalmente umas das outras, além de também no que diz respeito ao tempo esperado dessas duas transições.

Bulman, Eden e Nguyen (2017) definem três níveis de renda baseando-se no PIB per

capita relativo ao dos Estados Unidos (baixo, médio e alto)25 para avaliar a existência da MIT (desaceleração do crescimento que pode causar estagnação nos países de renda média antes deles se juntarem ao grupos de países ricos) e, caso exista, quais as suas causas. Com base na apresentação de diversos fatos estilizados e exercícios econométricos, os autores não encontram evidências de uma estagnação em nenhum nível específico de renda média. Enquanto a existência de uma MIT implica que as taxas de crescimento desaceleram sistematicamente à medida que os países atingem o status de renda média, os dados não indicaram nenhuma desaceleração sistemática. Para os autores, países que crescem rapidamente continuam a crescer rapidamente e não ficam presos em nenhum nível específico de renda média, sugerindo que ficar preso em algum nível de renda média não é inevitável. Contudo, os níveis de renda relativa são altamente persistentes e a transição de renda média para renda alta não se dá sem dificuldades.