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2.4 CRESCIMENTO ECONÔMICO E PRODUTIVIDADE

2.4.2 Os determinantes da produtividade

Como visto na subseção anterior, a importância da produtividade para o crescimento econômico é objeto de estudo desde o início da Ciência Econômica e um fator determinante para a explicação das diferenças internacionais de renda. Nela, a importância do progresso técnico e do acúmulo de capacitações e conhecimento foi ressaltada a partir da evolução de modelos teóricos e evidências empíricas, bem como nos estudos das evidências históricas de desenvolvimento. Na esteira dessas questões, diversos trabalhos empíricos se voltaram a buscar outras variáveis candidatas a explicar o crescimento do produto e da produtividade, por se tratarem de fenômenos complexos e multifacetados, onde a importância de certos determinantes relativamente a outros pode alternar no tempo e no espaço.

Dentro do arcabouço das regressões cross-section tradicionais de crescimento, a partir de uma grande revisão da literatura empírica, Durlauf e Quah (1999) elencam um total de 87 potenciais determinantes do crescimento: além dos quatro regressores sugeridos pelo modelo aumentado de Solow-Swan (renda inicial, taxa de investimento em capital físico, taxa de investimento em capital humano e crescimento da população), a lista apresentada inclui outras 83 variáveis explicativas específicas que podem ser agrupadas em 36 categorias diferentes. Essa lista fica ainda maior na revisão empírica posterior de Durlauf, Johnson e Temple (2005): os autores encontram 145 diferentes potenciais regressores que foram considerados estatisticamente significativos no âmbito desse tipo de regressão. Esse extenso rol de variáveis

explicativas ressalta o problema da pesquisa empírica de crescimento relativo à ausência de consenso sobre quais determinantes do crescimento devem ser incluídos nesses tipos de modelos, problema esse potencializado pela falta de orientação teórica para a especificação empírica mais adequada. Da mesma forma, como indicam Durlauf, Johnson e Temple (2005, p. 558), “It is hard to believe that all these determinants are central, yet the embarrassment of

riches also makes it hard to identify the subset that truly matters”.

Embora tenha havido uma explosão de estudos empíricos nas últimas décadas, em especial utilizando as referidas regressões de contabilidade do crescimento com o objetivo de identificar potenciais determinantes do crescimento econômico para além dos fatores básicos de produção, Miller e Upadhyay (2000) indicam que esse tipo de abordagem talvez seja conceitualmente imprecisa, pois muitos desses determinantes podem apenas exercer efeitos indiretos no produto e que o efeitos diretos seriam observados, em realidade, sobre a produtividade (eficiência no uso dos fatores de produção). Dessa maneira, e na medida em que as evidências empíricas ainda sejam limitadas, compreender com mais clareza as fontes de crescimento da produtividade figura como uma questão essencial para pesquisadores e formuladores de políticas públicas da área de crescimento econômico.

Reexaminando e aprimorando a metodologia empírica de growth accounting, Klenow e Rodríguez-Clare (1997), Hall e Jones (1999) e Caselli (2005), por exemplo, encontram que a variação na produtividade total dos fatores se apresenta como a fonte crucial na explicação das diferenças internacionais nos níveis e taxas de crescimento do produto relativamente às variações nos fatores de produção (estoque de capital físico e humano), mesmo depois de ajustes para a qualidade desses insumos e outras fontes de medições incorretas.

Investigando a evolução do gap da produtividade do trabalho entre o Canadá e os Estados Unidos para entender o porquê os americanos sempre foram mais produtivos do que os canadenses, Sharpe (2003) identifica três níveis de explicações. O primeiro consiste na estrutura setorial e os seus impactos sobre a produtividade agregada. O segundo refere-se aos principais indutores do crescimento da produtividade, identificados pela importância da intensidade do capital, da inovação tecnológica (dispêndios em P&D, patentes e conteúdo tecnológico dos setores) e do capital humano (como, por exemplo, cientistas e engenheiros em P&D). O terceiro nível seria o ambiente institucional que influencia os referidos indutores da produtividade, como economias de escala e escopo, estrutura industrial, impostos, políticas sociais, sindicalização, regulação, utilização da capacidade e competição.

Na revisão de literatura de Danquah, Moral-Benito e Ouattara (2014), os autores resumem os potenciais determinantes da produtividade em seis grupos, além de uma variável

de controle das condições iniciais dos países: (i) variáveis macroeconômicas; (ii) criação de conhecimento e variáveis de transmissão de conhecimento; (iii) variáveis de oferta de fatores; (iv) variáveis institucionais; (v) variáveis geográficas; e (vi) variáveis demográficas. Em relação aos indutores da produtividade, Abramovsky et al. (2005) propõem que as políticas públicas voltadas à impulsionar o crescimento da produtividade devem ser construídas em torno de cinco eixos, quais sejam: (i) ciência e inovação; (ii) investimento; (iii) empreendimentos e facilidade para a criação de novos negócios; (iv) competências; e (v) competição.

A questão dos determinantes da produtividade também se faz relevante para organizações internacionais. O Global Competitiveness Index (GCI) desenvolvido pelo World

Economic Forum acompanha o desempenho de cerca de 140 países a partir de 12 pilares de

competitividade identificados pela pesquisa empírica e teórica como determinantes de melhorias na produtividade. Apesar de serem determinantes gerais para todas as economias, eles agem de maneira distinta e em diferentes intensidades dependendo do nível de desenvolvimento de uma economia e da complexidade do seu sistema produtivo. O conceito de competitividade de uma economia no GCI é intrinsicamente relacionado com a produtividade, na medida em que o mesmo é definido como “[...] the set of institutions,

policies, and factors that determine the level of productivity of an economy, which in turn sets the level of prosperity that the country can achieve” (SCHWAB, 2017, p. 11). Em resumo, o

GCI combina mais de uma centena de indicadores que captam conceitos relevantes para a produtividade, os quais estão agrupados em 12 pilares: instituições, infraestrutura, ambiente macroeconômico, saúde e educação primária, ensino superior e treinamento, eficiência do mercado de bens, eficiência do mercado de trabalho, desenvolvimento do mercado financeiro, capacidade de absorção tecnológica, tamanho do mercado, sofisticação do ambiente de negócios, e inovação.

Com o intuito de identificar os diversos determinantes que impactam o nível e o crescimento da produtividade – seja ela a produtividade do trabalho ou a produtividade total dos fatores – e que tenham implicações para as políticas públicas, Isaksson (2007) revisa a literatura empírica baseada em estudos micro, setoriais e macro desde 1990 com foco especial nos países em desenvolvimento74. O autor agrupa os determinantes da produtividade em

74

A revisão proposta pelo autor preocupa-se, sobretudo, com o lado da oferta da economia. Entretanto, o próprio autor reconhece que as pressões do lado da demanda também podem afetar as decisões de produção, fazendo com que estudos que se propõem a identificar os determinantes da produtividade devem levar em consideração tanto o lado da oferta quanto o da demanda.

quatro categorias: (i) criação, transmissão e absorção de conhecimento, englobando a inovação e a criação de conhecimento, a transferência de tecnologia pelos canais do investimento estrangeiro direto e do comércio, bem como a adoção de tecnologia e capacidade de sua absorção; (ii) fatores de oferta e alocação eficiente, reunindo a educação e treinamento, a saúde, a infraestrutura física (rodovias e eletricidade), a mudança estrutural e realocação de recursos para setores mais produtivos e o sistema financeiro; (iii) os determinantes “profundos” da produtividade, identificados pelas instituições (sejam as políticas ou as econômicas), pela integração (por exemplo, a comercial) e pelas características invariantes geográficas, como a localização de um país e os efeitos de estar localizado nos trópicos; e (iv) a competição, a dimensão social (sobretudo a distribuição de renda e riqueza em uma economia, mas também intervenções de política social) e o ambiente regulatório.

Se, por um lado, diversos estudos voltam-se aos determinantes da produtividade ao nível macroeconômico, outros se dedicam e exploram os determinantes da produtividade a partir de um olhar voltado para dentro das empresas, na medida em que a dispersão e heterogeneidade produtiva entre firmas (assim como entre setores ou países) de uma mesma indústria e suas persistências ao longo do tempo são fatos estilizados de todas as economias. Esses estudos começaram a tomar corpo, sobretudo, a partir da qualidade e da disponibilidade de bases de dados cada vez mais desagregadas e de informações das práticas de produção no nível micro, sejam fatores que influenciam a produtividade entre firmas ou mesmo processos específicos dentro da firma, tanto dentro de uma economia quanto entre economias. Outro fator relevante foi o desenvolvimento de uma rica base microeconômica teórica, focada em microfundamentos (as formas como os agentes decidem e se comportam) e suas implicações que vão além da firma ou indústria e condicionam os resultados macroeconômicos. Com todos esses fatores, diversos trabalhos passaram a investigar os diferenciais de produtividade em nível microeconômico em diversos campos de estudo, como na macroeconomia, na economia do trabalho, na organização industrial e no comércio internacional.

Entretanto, Nelson (1981) já advogava pela necessidade de se compreender as diferenças de produtividade entre indústrias e empresas, indicando a incapacidade da teoria formal neoclássica explicar essas diferenças. Em seu survey, ele faz um resumo sobre parte da literatura que trata das relações entre organização da empresa e produtividade e, posteriormente, resume alguns dos estudos que investigam os determinantes da produtividade no nível da firma e das diferenças inter-firmas.

Em relação a trabalhos mais recentes, Baily e Solow (2001) discutem alguns determinantes que podem explicar as diferenças nos níveis de produtividade entre países no

nível da indústria, a partir de trabalhos que utilizam microdados de firmas. Segundo os autores, os trabalhos constatam que tais diferenças muitas vezes dependem de padrões de organização dentro da firma, das motivações dos gerentes e outros fatores correlatos, bem como da intensidade da competição doméstica e internacional, da regulamentação e das regras de governança corporativa. Bartelsman e Doms (2000) revisam alguns trabalhos que utilizaram microdados longitudinais de produtividade e destacam alguns fatores que explicam as grandes diferenças de produtividades entre firmas, como regulação, gestão, tecnologia, capital humano e exposição à competição internacional.

Já Syverson (2011), a partir de uma extensa revisão de trabalhos empíricos que investigam os determinantes da produtividade em diferentes níveis, separa-os em duas grandes categorias, quais sejam, (i) aqueles fatores que impactam a produtividade no nível micro, e (ii) aqueles elementos que afetam o ambiente operacional externo aos produtores75. No primeiro grupo estão reunidos os seguintes fatores nos quais os produtores apresentam certo grau de controle por operarem dentro das firmas: (i) prática/talento gerencial; (ii) qualidade da mão de obra e dos insumos; (iii) tecnologia da informação e comunicação e pesquisa e desenvolvimento; (iv) learning by doing; (v) inovação de produtos; e (vi) decisões relativas à organização produtiva das firmas. Por seu turno, o segundo grupo reúne aqueles fatores vinculados ao ambiente macroeconômico que até podem não afetar diretamente a produtividade, mas que afetam os incentivos dos produtores a recorrerem aos fatores mencionados anteriormente, bem como influenciam a probabilidade de sucesso em sua adoção. São eles: (i) transbordamentos (spillovers); (ii) competição; (iii) desregulamentação ou regulação adequada; e (iv) flexibilidade dos mercados de insumos.

Para além das evidências empíricas encontradas na literatura sobre as causas das diferenças de produtividade entre firmas e atividades econômicas, Syverson (2011) ainda elenca algumas questões que ainda não possuem uma resposta muito clara e que devem ser investigadas, tais como: (i) qual a importância da demanda?; (ii) qual o papel das políticas de Estado que estimulam a produtividade?76; (iii) qual a importância relativa de cada um dos

75 Entretanto, o autor faz a ressalva de que alguns fatores podem sobrepor essas categorias e afetar tanto o

ambiente interno quanto o ambiente externo à firma ao mesmo tempo.

76 Em se tratando da influência governamental na produtividade das firmas, Banks (2012) indica essa relação por

meio de três canais: (i) políticas de incentivos e pressões externas para que as firmas busquem melhores performances e rentabilidade, na medida em que os ganhos de produtividade geralmente necessitam de mudanças dentro das firmas e entre as indústrias; (ii) políticas de capacitações (relacionadas ao capital humano, à infraestrutura e ao Sistema de Inovação) para elevar a capacidade das firmas de responderem aos desafios e oportunidades em seus ambientes operacionais, dado que essa resposta se resume à capacidade de seus trabalhadores e dos sistemas que o suportam; e (iii) políticas relacionadas à flexibilidade de certas

determinantes da produtividade?; (iv) quão importante é o papel da má alocação de recursos para as economias emergentes? (v) qual o papel do capital intangível?; (vi) qual a relação entre a gestão e o papel do empresário que implementa as práticas gerenciais?

A partir de uma revisão de alguns dos trabalhos resenhados, Cavalcante e De Negri (2015) segmentam em três eixos os fatores relacionados aos níveis médios de produtividade de uma economia: (i) o nível empresarial, relacionado com características das empresas que afetam seus níveis de produtividade, tais como práticas gerenciais, inovação tecnológica, qualificação da mão de obra, qualidade dos bens de capital utilizados na produção e intensidade do capital; (ii) o nível estrutural, relacionado com a estrutura produtiva como os transbordamentos observados nas cadeias de produção e o acesso a insumos de melhor qualidade; e (iii) o nível sistêmico, relacionado com a infraestrutura que influencia os demais níveis, tais como tamanho do mercado, infraestrutura física e de telecomunicações, sistema tributário, políticas sociais, níveis de sindicalização, ambiente de negócios, competição e regulação.

Especificamente ao caso do Brasil e dos principais fatores que explicam por que a sua produtividade tem crescido pouco nas últimas décadas, cita-se o trabalho do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) organizado por De Negri e Cavalcante (2015), que reúne diversos estudos sobre os determinantes da produtividade brasileira em diferentes perspectivas, investigando um amplo conjunto de fatores e determinantes que explicam as diferenças de produtividade entre as firmas e o seu crescimento ao longo do tempo. Adicionalmente, menciona-se o estudo do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia) organizado por Bonelli, Veloso e Pinheiro (2017), que também reúne alguns trabalhos que buscam explicar os determinantes da baixa produtividade brasileira nos últimos anos.