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CAPÍTULO 2 – ROTINAS COMUNICACIONAIS NAS ORGANIZAÇÕES

2.3 A empresa no mercado

seu livro “The Functions of The Executive” (1938), que uma organização é um “sistema de atividades conscientemente coordenadas ou forças de duas ou mais pessoas”. Em seguida, referiu-se a uma organização como um “sistema cooperativo”, “um complexo de componentes físicos, biológicos, pessoais e sociais que estão em uma relação sistemática específica em função da cooperação de duas ou mais pessoas por ao menos uma meta definida” (1938, p.65). Para o autor, a organização tem três elementos fundamentais. O primeiro é a comunicação; depois, o desejo de servir; por fim, um propósito comum.

Uma organização inovativa tem como principal propósito a melhoria de processos e o lançamento de produtos com desempenho superior aos já disponíveis no mercado. Para isso, ela trabalha os seus processos produtivos de modo a contemplar a pesquisa e desenvolvimento de produtos. É raro que uma empresa inovadora exista sozinha no mercado, sem a presença de outras organizações. Em geral, os mercados são disputados por alguns concorrentes, que se relacionam também com fornecedores e clientes.

Ao planejar de modo estratégico o seu futuro, a organização leva em conta não apenas o que pode fazer, mas também o que espera que os concorrentes farão. O caminho escolhido é, em geral, se antecipar aos lançamentos da concorrência, a fim de cativar os consumidores antes e convencer os mesmos que é inovadora. A inovação não é só um processo; é uma ideia poderosa geralmente trabalhada para mostrar competência.

Dentro desse quadro, a comunicação é um processo de fundamental importância. No plano interno da empresa, ela precisa ser trabalhada de modo a incentivar os funcionários a inovarem, seja em processos complexos ou mesmo em atividades mais simples. No plano externo, deve estar atenta aos rumos dos concorrentes e pode até mesmo servir como fonte de ideias para a atividade inovativa.

Para isso, é necessário que à comunicação seja delegado também um papel de pesquisa e análise do mercado. Como se sabe, a análise do público e/ou dos públicos é fundamental para a produção de conteúdos. O marketing, o trabalho de relações públicas ou mesmo de jornalismo, por exemplo, não podem ser feitos sem que se conheça quem é o receptor da mensagem.

Por conhecer o público e seus hábitos, a comunicação pode ter um papel estratégico na geração de ideias inovadoras. Não é a sua função desenvolver produtos e processos, mas a comunicação tem, também, como identificar tendências comportamentais que sejam base para a pesquisa de bens de consumo e pode, além disso, comunicar esses bens de consumo de forma criativa ao mercado consumidor.

ilustra bem esse ponto. A Sony, que criou o produto, foi capaz de identificar que as pessoas passavam um longo tempo sem ouvir música porque não tinham um aparelho portátil. Existia, porém, a vontade de ouvir música em diversas circunstâncias, como na ida e volta ao trabalho, na espera no consultório médico, em filas de supermercado, entre outras ocasiões. No dia em que lançou o produto, nenhum empregado da Sony falou alguma palavra sobre ele. Aos jornalistas, foi entregue uma embalagem na qual havia o walkman e uma fita cassete. A fita cassete trazia uma gravação com o presidente da empresa explicando o produto. Ao ouvirem a fita cassete com o walkman, os jornalistas entenderam qual era o produto que estava sendo lançado.

Desse modo, existiram processos comunicativos tanto na identificação da tendência quanto na divulgação do produto. Ademais, processos comunicativos dentro da própria equipe concorrem tanto para incentivar a inovação quanto para produzi-la. Desse modo, pode-se falar em uma dinâmica inovativa que identifica a tendência, incentiva a inovação, contribui para a produção e divulga a novidade. Nesse caso, a comunicação é estratégica, uma vez que é gerida de forma a permitir à empresa atingir resultados.

Na mesma linha, Chris Freeman e Luc Soete (2008) afirmam que

(…) a firma que tem contatos próximos com as exigências de seus consumidores pode identificar mercados potenciais para essas ideias originais, ou constatar fontes de insatisfação dos consumidores, que levam-na a projetar produtos ou processos novos ou aperfeiçoados (...) As comunicações dentro da firma e entre esta e seus potenciais consumidores são um elemento crítico no sucesso ou malogro (das inovações) (…) (2008, p. 351-352)

Já Cajazeira e Cardoso (2009) fazem uma comparação entre o processo de inovação e o de comunicação. De acordo com os autores,

(…) o processo de inovação nasce na geração de idéias (pesquisa), passando pela implementação (desenvolvimento) e alcançando resultados esperados (de acordo com as demandas da organização e dos stakeholders) do mesmo modo que o processo de comunicação clássico ocorre quando o emissor (ou codificador) estimula o receptor (ou decodificador) a assimilar uma determinada mensagem (ou sinal), através de um canal (ou meio). (…) (2009, p. 2)

Decorre daí que

(…) se comunicação e inovação existem para produzir resultados é esperado que esses dois processos precisem estar alinhados para gerar o valor esperado – desde inovações incrementais em uma linha de produtos e serviços até

inovações que modifiquem o modelo de negócio da empresa. O problema é que integrar esses dois processos é um caminho longo e seguramente difícil. Inovar e comunicar mexem com a inércia organizacional, mexem com status, poder, pessoas, cargos e estruturas. Decorre, é claro, que a resistência ao desenvolvimento normal desses dois processos-chave em uma organização pode interferir na criação dos resultados almejados e necessários para uma empresa sobreviver em um ambiente de negócios tão conturbado e dependente da inovação, como o início do século XXI. (…) (2009, p. 2)

Eles afirmam ainda que

(…) Há certo consenso na literatura especializada em inovação acerca do fato de que uma organização reduz significativamente a sua capacidade de inovar quando não consegue promover e intensificar a comunicação entre seus integrantes, e destes com o mundo externo. (…) (2009, p. 6)

Por fim, uma terceira visão, alinhada tanto com a de Freeman e Soete (2008) quanto com a de Cajazeira e Cardoso (2009), é a de Barañano (2005). Conforme comentado por Carvalho e Lima (2009),

(…) Barañano (2005) considera que o sucesso dos processos de inovação requer como medida básica a criação e manutenção de múltiplos canais de comunicação abertos, bem como de complementar os habituais canais verticais de comunicação, com canais de comunicação horizontais e diagonais que liguem indivíduos localizados em diferentes unidades organizacionais. A fluidez da comunicação interna e, acima de tudo, a integração de todas as atividades, contribuem para o lançamento de inovações com sucesso, pois garante que todos os esforços apontem numa mesma direção (…) (p. 16, 2009). Dentro desse quadro,

(…) a comunicação que se estabelece com o meio não é menos importante, pois garante que os esforços tecnológicos que se estão sendo realizados respondem a uma necessidade existente, ou pelo menos latente, no mercado, para além de ser uma importante fonte de idéias para desenvolvimentos futuros. Assim, pode ser extremamente frutífero estabelecer estreito contacto com clientes, fornecedores e concorrentes. (...)

A identificação de tendências não é uma tarefa trivial. Ela se faz por meio de extensas conversas com o público e com base em uma ampla cultura geral. Voltemos ao caso da criação do walkman. Na época, as possibilidades de descobrir tendências eram restritas a conversas estruturadas com grupos de pessoas montados pelas empresas e a outros poucos mecanismos. Atualmente, com o conteúdo gerado pelos usuários em redes sociais como o

Facebook e o Twitter, os hábitos e interesses das pessoas podem ser detectados também por

essas redes, desde que analistas se debrucem sobre o que está sendo falado. Mesmo assim, essa não é uma identificação simples e requer extenso trabalho por parte da área de Comunicação.

O fluxo de informação e comunicação de conhecimento entre a área de Comunicação e a de Pesquisa e Desenvolvimento devem ser constantes. Por isso, mais do que integrar os diversos modos de comunicação, como o Marketing, as Relações Públicas e a Assessoria de Imprensa em torno de objetivos comuns e valores compartilhados, é preciso que exista, em uma empresa inovativa, uma comunicação integrada ao processo de desenvolvimento de produtos e processos.

Isso só pode ocorrer se a área de Comunicação estiver atenta ao que se passa fora da empresa. A probabilidade de uma ideia inovadora de produtos e processos surgir no ambiente externo é grande. Em primeiro lugar, porque os concorrentes atuam nesse ambiente e muito do que se desenvolve em torno de novos produtos está atrelado ao desenvolvimento alheio. Em segundo, porque o mercado consumidor e as tendências e hábitos das pessoas também podem ser observados com uma visão para fora do ambiente de trabalho.

As rotinas comunicativas que permitem a observação de tendências precisam estar alinhadas com as possibilidades de criação oferecidas pelo departamento de Pesquisa e Desenvolvimento. Afinal, elas só irão resultar em inovações quando esse departamento conseguir chegar à excelência técnica necessária. Para isso ocorrer, é preciso diálogo entre as diferentes áreas, de modo a manter o foco no que pode efetivamente se transformar em novos produtos e processos.

Isso não significa substituir, na área de Comunicação, o gestor de comunicação pelo engenheiro, até mesmo porque não é função das engenharias a comunicação estratégica. Do mesmo modo, o gestor de comunicação não precisa deter o conhecimento técnico para a produção de bens e processos. O que se espera desse gestor é que ele consiga compreender as mudanças em curso no ramo de atuação da empresa e até mesmo possa visualizar quais serão as mudanças futuras. Com base nesse conhecimento, a área de comunicação pode agir de modo fundamental e trazer conhecimentos essenciais para a área de P&D.

A interatividade existente hoje entre a empresa e seus consumidores contribui em muito para que a percepção de tendências se efetue. Isso porque é constante, diário em alguns casos, as manifestações de pessoas sobre produtos na internet e em redes sociais. Se antes essas manifestações tendiam a ficar restritas a um grupo de usuários de determinado produto, hoje elas se disseminam para um grupo muito maior de pessoas e em velocidade bem mais

rápida.

Como afirma Bueno,

(...) as novas tecnologias deram uma outra dimensão aos conceitos básicos de tempo e espaço (…). O mundo ficou maior e mais rápido: as fronteiras das empresas se expandiram e sua interação com o mercado e a sociedade ocorre, hoje, de forma vertiginosa e surpreendente. A comunicação on-line rompe com a barreira do tempo e do espaço, instaurando uma nova ordem (...) (2002, p. 26)

É preciso que a gestão de comunicação esteja atenta a essas mensagens porque elas podem conter ideias para a melhora do desempenho do produto. Mesmo quando existem elogios a um determinado bem de consumo, a informação é importante porque ela reforça a ideia de que a empresa está em um caminho correto.

Informação e conhecimento

Por outro lado, esse fluxo de informação se transforma em conhecimento somente quando é gerenciado de modo a produzir mudanças em produtos ou alavancar a atividade inovativa. É o consumidor que por meio de mensagens em uma rede social ajuda a empresa a entender quais são pontos falhos de seus produtos e, por meio desse entendimento, chegar a propostas e soluções. É verdade que a empresa deve ser proativa e buscar melhoras mesmo sobre pontos que o consumidor não se comunica de forma tão explícita. Mas, caso ignore essa fonte de informação, a empresa corre grandes riscos de ser ultrapassada pelas concorrentes.

Logo, tornou-se um imperativo não apenas estar presente em redes sociais, mas também responder a esse consumidor mais engajado. Essa resposta, além de ser textual, pode ser também por meio de mudanças na produção, efetuadas por meio de processos inovativos. Por exemplo, se um consumidor reclama que um aparelho smartphone é lento, uma resposta textual em sentido contrário provavelmente não irá satisfazê-lo. Por outro lado, se a gestão da comunicação informar que usuários não estão satisfeitos com a velocidade do aparelho, o departamento de P&D da empresa poderá focar a atividade inovativa em produtos mais rápidos.

Esse tipo de interação só ocorre quando existe uma fina sintonia entre a comunicação e as atividades de P&D. Caso existam ruídos significativos nessa dinâmica, dificilmente a empresa irá entender com quais problemas se depara no mercado e como pode solucioná-los.

Greenhalgh (2002) argumenta que um relacionamento comunicacional pode ser considerado em quatro dimensões. A primeira é o do rapport, palavra que em inglês significa harmonia comunicacional e que o autor coloca como o quanto as pessoas se sentem

confortáveis na relação. A segunda é o vínculo, ou seja, quão firme é um relacionamento, o que é percebido principalmente quando existem dificuldades. Em terceiro lugar, existe a dimensão da ampliação, ou seja, se o relacionamento vai além das funções que cada um adota na organização. Por fim, existe a dimensão da afinidade, que não é menos do que o quanto uma pessoa atrai a outra, em termos profissionais.

Em organizações inovativas, as dificuldades não são pequenas. Isso porque trilhar novos caminhos não é algo simples e o esforço comunicacional precisa ser maior. Na dinâmica entre a área de Comunicação e a área de P&D, precisa, por isso, ao menos existir

vínculo e rapport. A ampliação ocorre na medida em que os responsáveis pela comunicação

trazem ideias importantes para a P&D, e no retorno que essa área fornece. Por fim, a

afinidade não é uma dimensão a ser desprezada porque em uma empresa inovativa, espera-se

que o perfil dos responsáveis pela comunicação seja compatível com o interesse pelo desenvolvimento de produtos e processos.

Infelizmente, essas dinâmicas não têm ocorrido do modo desejável. O que acontece, em geral, é que as empresas deixam de lançar produtos que satisfaçam completamente o usuário, seja por que não têm meios técnicos necessários para produzi-los, seja por que nem sempre entendem o que o consumidor de fato deseja. Pode-se supor que em muitos casos o problema maior esteja em não considerar a comunicação uma área estratégica e em ter uma crença enraizada de que o departamento de Pesquisa & Desenvolvimento pode funcionar adequadamente sem estar integrado à área de Comunicação.

Mais grave do que isso, e conforme afirma Bueno,

(...) (as reengenharias) enxergam, de modo equivocado, a dinâmica do processo de gestão: respaldam-se na relação 'dura' de custos e receitas, vistas como entidades abstratas, e não conseguem vislumbrar as organizações como a interação complexa entre pessoas, culturas, o mercado e a própria sociedade (...) (2002, p. 21)

De fato, o que parece acontecer é que, com uma visão curto prazista, muitas organizações escolhem cortar custos em vez de contemplar os anseios do consumidor de modo efetivo. Ao fazer isso, diminuem as oportunidades de dinâmicas que não trazem ganhos expressivos em um curto espaço de tempo. A sintonia entre a área de Comunicação e de Pesquisa & Desenvolvimento tende a funcionar melhor no médio e longo prazo, uma vez que leva um tempo para que as pessoas se conheçam, para que o processo seja ajustado e para que ele renda ganhos.

Com isso, a atividade inovativa perde um elemento importante em algumas empresas, que preferem copiar concorrentes em vez de antecipar tendências, para o que seria necessário

amplo esforço comunicacional. Esse problema é ainda maior porque, como assevera Bueno, estamos em uma era em que “a tradição (…) não é o trunfo de que as empresas possam lançar mão para garantir privilégios ou ascender à liderança do mercado” (2002, p. 22).

É justamente pelas características do tempo em que vivemos que “as organizações que desejarem permanecer precisam ser rápidas na implementação de novos procedimentos, no domínio de novas linguagens e tecnologias e na maneira de se relacionar com seus públicos de interesse” (Bueno, 2002, p. 22-23). Ou seja, existe uma trajetória possível de aprendizado que contemple, simultaneamente, o domínio de novas linguagens e tecnologias e o relacionamento com o público consumidor. No entanto, muitas empresas ainda não seguem essa trajetória e mostram dificuldades em entender as mudanças em curso no ambiente global. Há, porém, casos de empresas que praticam rotinas comunicacionais virtuosas. Essas rotinas envolvem a comunicação e a pesquisa e desenvolvimento de produtos e frequentemente resultam em bens inovadores e que satisfazem parcela considerável dos consumidores. Em empresas assim, a cultura organizacional costuma ser incentivadora e flexível. Essas empresas também erram no lançamento de alguns produtos, mas aprendem com seus erros e são responsáveis, em muitas vezes, por lançar tendências, em sintonia com o que ocorre no mundo no seu ramo de atuação.

Algumas dessas empresas também estabelecem uma relação com o consumidor que vai além do produto. Elas constroem uma identidade em que prevalece a ética nos negócios, o respeito ao meio ambiente e o contemplar dos direitos humanos. É evidente que, para construir esse perfil, a empresa não pode prescindir de ela mesma agir de modo responsável. Sem essa ação, que deve até mesmo prescindir a relação com o consumidor, não é possível uma comunicação eficiente.