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CAPÍTULO 4 – INOVAÇÃO E COMUNICAÇÃO NA EMBRAER

4.5 Outras visões de um gestor de uma Casa da Moeda Inovativa (CMI)

4.5.2 Relação com a universidade

A CMI que pesquisamos já desenvolveu algumas parcerias exitosas com universidades. De acordo com o entrevistado, a Embraer tem parcerias com universidades no Brasil e também no exterior. Dessas interações saíram algumas inovações importantes para a empresa, que se desenvolveram em uma dinâmica que incluía processos comunicativos eficientes e confiança.

Segundo o entrevistado, “se não há confiança no pesquisador, se desconfiamos que ele não tem interesse ou não irá até o fim, nós sequer começamos o projeto, vez que pode ser um enorme tempo e dinheiro desperdiçado”. Além disso, a confiança não pode ser apenas de uma parte na outra. “A confiança precisa ser mútua, o pesquisador também precisa acreditar no trabalho que estamos desenvolvendo”.

O que se verifica aqui é a constituição de uma “moeda inovativa” entre duas organizações, em prol de uma meta comum de pesquisa. O que ocorre são esforços, muitos rotineiros, de construção de confiança e de comunicação por parte de profissionais de organizações distintas. Essa moeda ajuda a pagar os custos do processo de inovação.

No entanto, de acordo com o gerente de inovação, é mais fácil trabalhar com universidades estrangeiras do que com as brasileiras. Segundo ele, a estrutura existente no Brasil e que regula a atuação das universidades nacionais dificulta um tanto a cooperação entre universidades e empresas. Ele aponta problemas relacionados a excessos de burocracia e a problemas com a propriedade intelectual.

Explica ainda que, no exterior, especialmente nos Estados Unidos, a propriedade intelectual é de quem paga a pesquisa, de modo diferente ao do Brasil, onde, em sua visão, “as

universidades querem os royalties desde o começo”, o que pode desestimular esta cooperação, que seria importante para os dois setores. Segundo o profissional, “no Brasil nós sequer sabemos quais serão os resultados da pesquisa e as universidades já querem os royalties”. Afirma que o problema é “a estrutura” e que, “no exterior, as universidades querem tecnologia; no Brasil, a principal preocupação é a publicação de papers”. Esta realidade, no caso brasileiro, faz parte da cultura acadêmica, mas vem se modificando nos últimos anos.

A esse respeito, a Lei de Inovação (10.973/2004) afirma no artigo 9, § 2o, , que “as

partes deverão prever, em contrato, a titularidade da propriedade intelectual e a participação nos resultados da exploração das criações resultantes da parceria, assegurando aos signatários o direito ao licenciamento”. Ao mesmo tempo, a Lei de Inovação, em seu artigo 13, estabelece que “é assegurada ao criador participação mínima de 5% nos ganhos econômicos, auferidos pela ICT, resultantes de contrato de transferência de tecnologia e de licenciamento para outorga de direito de uso (…)”. Assim, acreditamos que a fala do gerente deriva de sua experiência com instituições universitárias brasileiras e da rigidez do arcabouço legal existente.

Essa discussão diz respeito a modelos de universidade adotados em cada país e a relação desses modelos com empresas, o que foge ao escopo do presente trabalho. Há alguns anos, exatamente para modificar esta relação foi criada nos anos 90, o Instituto Uniemp. (Universidade-Empresa), que procurava ser um fórum para facilitar a integração dos dois tipos de organização. Apesar disso, as mudanças ainda são lentas. O que nos interessa aqui, sobretudo, é que, segundo o gerente de inovação, o problema não é de confiança, nem de comunicação, mas sim de “estrutura”. Entendemos que essa “estrutura” é moldada pelas normas regulatórias e também pela cultura vigente em cada espaço nacional universitário. Talvez seja possível enxergar essa “estrutura” também como uma série de instituições derivadas de campos diversos, como o econômico, o social e o cultural, entre outros.

Nesse sentido, acreditamos, em consonância com esse trabalho, que a estrutura, se definida em termos de instituições, também pode ser modificada por meio de processos de comunicação e, de certo modo, de confiança. É comum em alguns círculos acadêmicos, a noção de que as empresas usurpam o espaço universitário ao patrocinarem pesquisas geradoras de lucros, intenção para a qual as universidades não foram originalmente construídas. Ao mesmo tempo, em alguns círculos empresariais, permanece a ideia de que a universidade não está disposta a ajudar as empresas e que os trâmites burocráticos para realizar trabalhos conjuntos são por demais dispendiosos. Por outro lado, a pesquisa básica

gerada principalmente nas universidades é o ponto de partida para a pesquisa aplicada e a inovação, ou seja, ambas são essenciais. Além disso, a pesquisa multidisciplinar é cada vez mais importante face à complexidade do mundo moderno.

Também inferimos que existe certa percepção do gestor de que as facilidades oferecidas pelas universidades fora do país são maiores para as empresas. Sobre isso, ele afirma que “no exterior, não há problemas em trabalhar com diversas organizações; no Brasil, é melhor não fazer isso devido aos trâmites burocráticos, propriedade intelectual, etc”. Essa afirmação mostra certo descontentamento com a estrutura legal e mesmo institucional que existe no Brasil no que se refere ao trabalho conjunto de empresas e universidades.

A nosso ver, essa distância entre universidade e empresa está um tanto relacionada com falta de cultura institucional e melhor comunicação – ou, talvez, de mais comunicação e de confiança – entre pessoas da universidade e do meio empresarial. No meio universitário e no meio empresarial existem também muitas pessoas que procuram trabalhar de modo cooperativo, sem que isso signifique o desvirtuamento dos objetivos principais da universidade ou trâmites burocráticos tão grandes a ponto de impossibilitar projetos conjuntos. O próprio fato de essa empresa ter desenvolvido projetos juntos com universidades brasileiras é uma amostra disso.

Pelo arcabouço teórico estudado, parece faltar entre universidade e empresa aumento de confiança de um ator no outro por meio de mais e melhor comunicação (o que permitiria também maior confiança, e vice versa, de modo a aumentar o estoque de “moeda inovativa interorganizacional”). Os caminhos para esse entendimento mais profícuo, que renda frutos às duas partes, não estão dados a priori, e um esforço de enorme monta já foi realizado nesse sentido nas últimas décadas. O Brasil parece avançar rumo a um melhor entendimento, mesmo que a passos lentos. Exemplo disso é a própria Lei de Inovação, cuja aprovação completou 10 anos em 2015