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CAPÍTULO 2 – ROTINAS COMUNICACIONAIS NAS ORGANIZAÇÕES

2.4 O indivíduo e a empresa no mundo

O conceito de “Responsabilidade Social Corporativa” tem sido difundido ao menos desde a década de 1950. Aponta-se Bowen e a obra “Social Responsibilities of The Businessman” (1953) como um dos primeiros autores a tratar do tema. Para os defensores de uma postura da empresa alinhada aos valores da sociedade, o objetivo de maximização dos lucros é apenas uma das metas centrais dessas organizações. A promoção do bem-estar social permeia outros objetivos, como práticas ambientalmente sustentáveis e o repúdio à corrupção.

De acordo com Ashley et al (2003), a Responsabilidade Social Corporativa pode ser definida como

(...) o compromisso que uma organização deve ter com a sociedade, expresso por meio de atos e atitudes que afetem esta positivamente de modo amplo, ou com alguma comunidade de modo específico, agindo de modo proativo e coerente em relação a seu papel específico na sociedade e a sua prestação de contas com ela (...) (2003, p. 6-7)

Há basicamente dois argumentos para a prática da “Responsabilidade Social Corporativa”. O primeiro é um argumento instrumental. Segundo os defensores dessa visão, a empresa precisa atuar de modo responsável porque desse modo, no longo prazo, cria uma visão positiva de si e tende a ampliar os seus lucros. O segundo argumento pertence à ordem

moral. Nesse caso, o que ocorre é que a empresa tem de fato que agir de modo responsável

porque é uma participante fundamental da sociedade, isso é, tem obrigações com o meio em que atua que vão além da maximização do lucro.

É importante salientar que os dois argumentos não são contraditórios entre si. Assim, no mundo atual, uma postura da empresa que seja responsável pode contribuir tanto para provocar mudanças positivas na sociedade quanto para aumentar os seus lucros no longo prazo. Além disso, se amplia os seus lucros e amplia a produção, a empresa pode também aumentar o número de empregos gerados, o que é socialmente benéfico.

Srour acredita que as ações de uma empresa afetam o público interno e externo. Em suas palavras,

(...) as decisões empresariais não são inócuas, anódinas ou isentas: carregam um enorme poder de irradiação pelos efeitos que provocam. Em termos práticos, afetam os stakeholders, os agentes que mantêm vínculos com dada organização, isto é, os partícipes:

1. Na frente interna, temos os trabalhadores, gestores e proprietários;

2. Na frente externa, temos os clientes, fornecedores, prestadores de serviços, autoridades governamentais, credores, concorrentes, mídia, comunidade local, entidades da sociedade civil – sindicatos, associações profissionais, movimentos sociais, clubes de serviços, igrejas (...) (2000, p. 41)

Para o autor, “as decisões empresariais afetam os ambientes interno e externo” porque “os agentes sociais são vulneráveis” (2000, p. 41). Ou seja, podem, por exemplo, ser prejudicados com determinada produção de um bem.

Para Bueno, a empresa, ao exercer a responsabilidade social, passa a tratar o consumidor como cidadão e estabelece com ele um novo tipo de relacionamento. Segundo o autor, “o cliente evoluiu para o cidadão e espera um relacionamento mais amplo do que aquele que costuma vigorar entre a empresa que vende e as pessoas que compram, porque o

contato não se esgota mais com a transferência do produto” (2002, p. 27). Ele também afirma que agir de modo responsável não é uma escolha, mas uma obrigação. Nas suas palavras , “com certeza, tanto quanto a globalização dos mercados e a introdução acelerada das novas tecnologias, o exercício da cidadania é uma imposição da modernidade” (2002, p. 25).

Em verdade, a informação a respeito das práticas das empresas se ampliou muito com a disseminação da internet. No passado, a empresa poderia agir de modo não responsável em sua relação com a sociedade e apenas os ativistas mais engajados saberiam dessas suas ações. Na visão de Marchesi , “transparência não é mais uma virtude empresarial, mas sim um dado de cenário” (2005, p. 47).

De fato, atualmente a informação flui de modo muito rápido e atinge muito mais pessoas, de modo que atos que vão contra os valores da sociedade podem afetar o seu desempenho no mercado, muitas vezes de forma quase instantânea, como se vê nas bolsas de valores. Por isso, Bueno afirma que “as portas se abrirão, cada vez mais, apenas para as empresas socialmente responsáveis, ou seja, para aquelas que enxergam além do cliente e assumem um compromisso com toda a sociedade” (2002, p. 25).

Para Nassar,

(...) a identificação, pelas empresas, dos impactos junto aos públicos e o tratamento democrático dessas questões são geradoras de valor, traduzido em melhor posicionamento material e imaterial. A transcendência da organização ganha visibilidade no âmbito dos públicos pelo exercício empresarial das responsabilidades histórica, social, cultural e ambiental (...) (2005, p. 27) Agir de modo responsável, porém, não é suficiente. É, de certa forma, obrigação. No compromisso que estabelece com a sociedade, a empresa precisa assumir que irá comunicar suas ações, de forma que ela própria aumente a transparência dos atos que pratica. Essa transparência permite construir um relacionamento sólido com o consumidor/cidadão, que tende a confiar mais na empresa.

Conforme relata Bueno, com base em uma pesquisa conduzida pelo jornal Valor e pelo Instituto Ethos, “cerca de 1/3 dos consumidores brasileiros, no momento da compra de um produto ou serviço, puniu, deixando de adquirir, ou prestigiou, dando preferência, aquelas empresas que, respectivamente, exercem ou deixam de exercer sua responsabilidade social” (2002, p. 44). Nesse sentido, “dada a conscientização crescente dos consumidores, o fato da empresa estar comprometida com a comunidade e ser percebida positivamente por ela já representa uma vantagem competitiva no mundo dos negócios” (Bueno, 2002, p. 44).

Já Srour afirma que

condições para mobilizar-se e retaliar as empresas socialmente irresponsáveis ou inidôneas. Os clientes, em particular, ao exercitar seu direito de escolha e ao migrar simplesmente para os concorrentes, dispõem de uma indiscutível capacidade de dissuasão, uma espécie de arsenal nuclear. A cidadania organizada pode levar os dirigentes empresariais a agir de forma responsável, em detrimento, até, das suas convicções mais íntimas (...) (2000, p. 43).

Para o autor, essa situação é diferente em “países autoritários ou totalitários”, nos quais “esses recursos são pouco eficazes ou não estão disponíveis, e a sociedade civil vive amordaçada ou simplesmente não existe” (2000, p. 44). De certa forma, isso ocorre também porque em sociedades democráticas e que têm um Estado de Direito a informação tende a circular de modo mais fluída e atingir um maior número de pessoas. Se tem acesso a informação, a população tende a se organizar para defender seus interesses.

No Brasil, o processo de redemocratização na década de 1980 fez surgir diversos grupos com metas e interesses definidos. Por esse motivo, após o surgimento desses grupos a comunicação empresarial se tornou ainda mais importante. Algumas empresas se notabilizaram naquela década por produzir conteúdo tão pertinente que atingiu não apenas o público interno, como também o externo, como foi o caso da Rhodia e de seu clássicomanual de comunicação.

No plano interno, um caminho positivo para a empresa é construir uma comunicação responsável e uma cultura organizacional pautada pelas noções de cidadania. Canais de comunicação precisam ser abertos para informar e muitas vezes formar os funcionários quanto a esses valores. Iniciar um processo de comunicação nesse sentido pode ser simples, mas o desafio é manter uma dinâmica em que os funcionários aprendam a cada dia como podem ser mais responsáveis. Isso também pressupõe a busca e o estabelecimento de rotinas comunicacionais capazes de lidar com essas tarefas.

É interessante observar que os valores da sociedade também se alteram de forma muitas vezes mais rápida do que em geral se imagina. Por isso, os responsáveis pela comunicação de uma empresa precisam estar atentos a essas mudanças. São eles que podem contribuir com a transformação da cultura interna e o alinhamento dessa cultura com os valores vigentes na sociedade a cada momento.

Tome-se como exemplo a questão do meio ambiente. A preocupação com o desenvolvimento sustentável era enxergada como uma questão secundária ainda na década de 1970. Em meados da década de 1980 e no início da década seguinte, essa preocupação passou a ser mais central, em especial após a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em 1992, no Rio de Janeiro. Em pouco tempo, a população passou a adotar

práticas sustentáveis, como separar o lixo orgânico do lixo sustentável, incentivada pelo poder público e também por algumas empresas que foram pioneiras em estabelecer práticas sustentáveis.

A possibilidade de uma empresa ser pioneira em alguma prática ou valor ligado à cidadania pode representa um norte importante para a gestão. A partir do momento em que uma organização percebe que um novo valor foi incorporado pela sociedade, passar a trabalhar em sintonia com esse valor, tanto na prática como na comunicação, é um aspecto que pode melhorar o relacionamento com o consumidor. Por isso, construir uma história de pioneirismo em relação a valores sociais é de vital importância.

Nesse sentido, a percepção das mudanças de valores na sociedade precisa ser rápida. Os responsáveis pela comunicação de uma empresa, que conhecem o seu público, têm condições de promover uma cultura organizacional em consonância com os novos valores assim que eles forem percebidos. Ao fazer isso, incentivam os funcionários a agir de modo responsável. Até mesmo porque a comunicação interna tem uma função educativa, de formar não apenas trabalhadores, mas também cidadãos.

Conforme aponta Chinem,

(...) a comunicação é uma ferramenta eficaz para introduzir novos conceitos. Trata-se de um empreendimento a ser desenvolvido em médio e longo prazos. Os projetos de comunicação, nesse caso, precisam incorporar os valores e princípios da nova ordem cultural (…) Na questão das campanhas internas pode-se trabalhar as matérias institucionais – normas, regulamentos, portarias, avisos, produtos, serviços, projetos de expansão, recordes de produção etc. (…) Outra pauta são as matérias educativas – história, geografia e conhecimentos gerais (...) (2006, p. 35-36).

Ao mesmo tempo, a mudança de valores muitas vezes não atinge a sociedade como um todo. Mesmo quando existe o surgimento de um novo valor visto pela maioria como progressista, alguns grupos minoritários podem se sentir contrariados. Srour dá o exemplo prosaico de fumar nos aviões. Segundo o autor,

(...) a proibição de fumar nos aviões norte-americanos e brasileiros leva as categorias sociais de fumantes e não-fumantes a se confrontar. Quem se beneficia com o interdito e quem sai prejudicado? A maioria dos não-fumantes atuais venceu a parada contra a minoria de fumantes; a maioria fez prevalecer a tese de que ambientes públicos não devem ser contaminados por fumaça e agentes químicos perniciosos (...) (2000, p. 112)

Nesse caso, o argumento que a fumaça e os agentes químicos fazem mal à saúde da coletividade foi forte o bastante para convencer até mesmo alguns fumantes. Há situações, contudo, em que um valor não está embasado em uma argumentação tão convincente. Por

exemplo, há quem advogue a favor da proibição do consumo de qualquer material alimentício derivado de animais, como carnes e leites. Segundo essas pessoas, esse consumo é cruel com os animais porque empresas do setor maltratam seres vivos. O argumento é válido, mas uma boa parcela da população opta por manter o consumo pois não entende a questão dessa forma. Em uma situação assim, como deve agir a empresa, caso decida se posicionar sobre esse ponto? A questão é delicada e uma miríade de variáveis precisam ser consideradas antes da comunicação ser realizada. É preciso checar quem é o público que a empresa atinge, mas também qual grupo é majoritário na sociedade nacional em que a empresa atua e o que seria uma postura progressista. A fim de não ferir grupos de interessados, muitas empresas optam pelo silêncio em assuntos polêmicos. Mas, dependendo de em qual setor a empresa atua, mesmo o silêncio não é uma prática bem vista.

Um componente a balizar a comunicação nesses casos precisa ser a transparência. Caso a empresa opte por uma saída simplista e se posicione de modo a não contemplar as atividades que efetivamente realiza, seu prestígio pode ser abalado quando a situação for descoberta. Nesse caso, em vez de criar e agregar valor no longo prazo por meio da comunicação, a empresa irá ver boa parte do esforço comunicacional resultar em perdas.

Também reduz a eficiência da comunicação interna e externa da empresa a atividade da própria organização não ser compatível com os valores vigentes na sociedade. Não é raro, por exemplo, vermos nos jornais que uma empresa utiliza trabalho análogo ao escravo em sua produção. Ou, então, que está envolvida em escândalos de corrupção. Como esses tipos de práticas são repudiados pela sociedade, será bastante difícil, praticamente impossível, que a comunicação convença os consumidores que a empresa é ética. Nesse caso, o esforço comunicacional também tende a não levar uma empresa a uma situação melhor do que a que estava antes da comunicação ser feita.

Em novembro de 2015, a mineradora Samarco ganhou destaque nas páginas dos jornais em função do rompimento de uma barragem de rejeitos de mineração de ferro no município de Mariana, Minas Gerais. Esse rompimento e o consequente vazamento dos rejeitos provocou a morte de 17 pessoas, levou a problemas no abastecimento de água da região do vale do Rio Doce e prejudicou gravemente o ecossistema da bacia do mesmo rio, em uma faixa de 800 quilometros, de Mariana até a sua foz, no Oceano Atlântico. O acontecimento foi considerado como um dos mais graves desastres ambientais da história brasileira. De acordo com um promotor de Justiça do Meio Ambiente, Carlos Eduardo Pinto, “(o rompimento) não foi acidente, não foi fatalidade, o que houve foi erro na operação e negligência no monitoramento da barragem”. Em um caso assim, a Comunicação pouco pode

fazer para defender a empresa, visto que a atividade da organização foi por demais falha e provocou graves danos à sociedade.

Em uma empresa inovativa, a atividade de Pesquisa & Desenvolvimento de produtos precisa ser feita de modo responsável. Os testes para novos medicamentos, por exemplo, têm de estar de acordo com uma série de regras definidas por conselhos de medicina de cada país. Entretanto, não basta apenas cumprir a lei – é preciso fazer mais do que isso, agir de modo realmente consciente, até mesmo porque as empresas são em parte responsáveis pela criação e estabelecimento das normas legais.

Outros produtos também precisam ser pesquisados de modo a não contribuir com a degradação de ecossistemas. O que se recomenda é que o departamento de comunicação conheça muito bem os processos e produtos que a empresa desenvolve. Nesse caso, quando a empresa se relacionar com o consumidor poderá afirmar o que de fato faz, não o que supõe fazer, o que é um passo essencial em uma comunicação pertinente.

Sem dúvida alguma, a comunicação tem um papel a cumprir nos processos inovativos e na gestão de desenvolvimento de produtos e processos. Esse papel será ainda maior emais pertinente se a atividade for entendida como estratégica para a empresa e se o processo gerar um relacionamento não apenas com o público consumidor mas com parcelas até mesmo maiores da sociedade. Ao mesmo tempo, precisa existir uma via de mão dupla entre o departamento de comunicação e o de Pesquisa & Desenvolvimento. É essa uma interação muitas vezes profícua e que pode gerar para as empresas vantagens competitivas. As rotinas comunicativas adotadas pela empresa devem valorizar os funcionários, incentivar o surgimento de ideias e buscar sempre as melhores formas de se comunicar.

CAPÍTULO 3: A MOEDA INOVATIVA – COMUNICAÇÃO E CONFIANÇA PARA A