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Entrevista com o Gerente Sênior de Inovação da Embraer, Sandro Valeri

Sim, a maior parte da minha carreira foi aqui. Também trabalhei em outras empresas, como a Bosch, mas boa parte da minha vida profissional foi na empresa mesmo.

Você se formou aqui em São José dos Campos mesmo (ITA)?

Não, eu me formei em Engenharia na Poli-USP. Depois fiz um mestrado, doutorado e então vim para cá.

Sobre as inovações na empresa, você diria que a maior parte é induzida pela demanda ou pela oferta?

Pull e push. Trabalhamos assim: para inovações dentro do médio prazo, que é de cerca de 15 anos, a maior parte das inovações é demand pull. Devemos fazer essas inovações para entregá-las para os clientes, o trabalho é atender o cliente, ver o que ele precisa de verdade. O avião é puxado e puxa as tecnologias. De 15 anos para a frente, as inovações passam a ser technology push (oferta). Pensamos no avião que temos hoje, em como será o avião do futuro, em como será o passageiro do futuro, as viagens do futuro e então trabalhamos em cima disso. Pelo que vemos, o avião do futuro não será radicalmente diferente do que é hoje, vai seguir uma linha evolutiva.

Vocês têm um projeto padrão e o adaptam de acordo com os pedidos do cliente?

O quanto atendemos o cliente depende de em qual linha de negócio estamos trabalhando. Temos 3 linhas de negócio: Defesa e Segurança, Aviação Comercial e Aviação Executiva. No caso dalinha de Defesa e Segurança, o projeto com a SAAB (fabricante de caças sueca) já está pronto – nós estamos fabricando o modelo, mas não vamos modificar o projeto. No caso da Aviação Comercial, temos produtos básicos, mas alteramos de acordo com os pedidos do cliente. Alguns itens como o interior, antenas, disponibilidade de wi-fi são modificáveis – o cliente pede e fazemos do jeito que ele quer. Por fim, quanto à Aviação Executiva, aí existem projetos que são bastante modificáveis. Nessa linha, há projetos que se um cliente aparece e diz, por exemplo, que quer que usemos madeira do leste da África, nós vamos atrás da madeira do leste da África e fazemos do jeito que ele está pedindo. No caso do modelo lineage, por exemplo, quase tudo é modificável. Mas quanto mais customizável é o avião, mais caro ele fica.

Embora sejam mercados muito distintos, nesse ponto é possível fazer uma comparação com o mercado automobilístico. Um cliente que compra um carro por R$ 100 mil em vez de um carro mais barato pode modificar alguns pontos cuja modificação não pode ser feita nesse veículo mais em conta.

Acredita que uma comunicação eficiente com fornecedores e clientes é fundamental para a capacidade inovadora da empresa? Criação de confiança com esses fornecedores e clientes é importante para a eficiência da comunicação?

Proximidade e confiança são fundamentais nas linhas de Avião Comercial e Defesa e Segurança. No caso da Aviação Executiva, o cliente está mais preocupado com marca. Quem compra nas linhas Comercial e Defesa e Segurança está preocupado com aspectos técnicos. Já quem é pessoa física e adquire um avião da linha Executiva pensa sobretudo em marca. No fim, a confiança importa nas três linhas, ela faz parte da análise que o cliente faz para a compra.

Além disso, a empresa é uma empresa brasileira, única no hemisfério sul com sucesso no desenvolvimento de aviões, e o Brasil tem uma cultura que em parte nos traz alguns ganhos.

Por exemplo, o brasileiro é muito próximo, é mais amigo, se comunica mais, e as pessoas sabem disso. O atendimento pós-vendas que fazemos na manutenção dos aviões é um ponto que conta muito a nosso favor e na qual nós sempre mostramos que estamos bem próximos aos clientes. Aqui dentro temos uma espécie de “call center”, que na verdade é bem diferente dos “call center” tradicionais porque aqui colocamos pessoas com grande conhecimento técnico para trabalhar. É no prédio ao lado do qual estamos, um espaço sem divisórias, e as pessoas se comunicam bastante até resolver os problemas que aparecem. É claro que isso ajuda na confiança que os clientes têm na empresa.

Em que área são formados os recursos humanos da empresa? Os pesquisadores têm convergência de formação? Acredita que essa convergência ajuda na comunicação?

A empresa tem muitos engenheiros. O quadro de engenheiros é grande, eu diria que 30% sãoengenheiros. Não, não tenho esse número da empresa como um todo. Mas há muitos engenheiros. E engenheiro é tudo igual. Tem hábitos semelhantes, costumes parecidos... Quem trabalha na empresa em geral são os melhores alunos de engenharia que você irá encontrar por aí. Além disso, temos dado bastante incentivo para as pessoas fazerem mestrado e doutorado. Gente com mestrado e doutorado é muito importante para nós. Temos cerca de 700-800 pessoas com mestrado e doutorado. Além disso, desenvolvemos um mestrado conjunto com o ITA, no qual as pessoas aprendem o jeito de ser da empresa. As pessoas pensam, por essas razões, de modo muito parecido, o que facilita a comunicação. Mas nunca pensei muito sobre isso.

Em uma inovação sob demanda, qual a importância da comunicação com o cliente? Os dados levantados junto ao cliente ajudam no processo de inovação?

Os dados levantados junto aos clientes são mandatórios. São essenciais. As inovações que fazemos aqui são sempre necessárias, nós não inovamos de modo decorativo. Claro que ousadia na hora de inovar é essencial, mas essa ousadia é dirigida para atender o cliente. Vou dar um exemplo disso, que foi a criação do e-jet, avião usado pela Azul, no qual tivemos a ousadia de inovar.

Quando se falava em aviões com 100 lugares, como é o caso do e-jet, antes do surgimento dele o que se esperava era um avião que levantasse vôo e levasse gente, fosse barato, fosse principalmente barato. Nós mudamos esse conceito. Dissemos que o que as pessoas queriam era que esses aviões fossem confortáveis e confiáveis.

Desenvolvemos esse avião e criamos um mercado no mundo todo. É claramente um avião mais confortável que o modelo que atende esse tipo de passageiro da Airbus, nossa concorrente. Criamos um padrão. Ou seja, nós identificamos o que era necessário, o que o mercado esperava, e fomos muito bem sucedidos nisso.

Há casos de clientes que conversam com vocês, não sabem exatamente expressar o que querem, mas vocês identificam, trabalham em cima e inovam?

Muitas vezes é desse modo. Às vezes o cliente está buscando algo que ele não sabe dizer exatamente o que é. Nesse caso nós percebemos o que ele está querendo, desenvolvemos e entregamos de volta para ele. Esse ponto é fundamental para o processo inovativo.

Como é realizado o processo de criação de confiança com clientes e fornecedores? Acredita que a reputação da empresa importa nesse ponto? E entregar o produto requisitado no prazo?

Entregar o produto no prazo é bastante importante. A confiança é construída porque as pessoas sabem o que é a empresa, conhecem o nosso serviço, a nossa reputação de atender bem, mesmo depois, ou talvez principalmente depois da venda. As pessoas confiam porque

sabem que nós daremos conta do recado, sabem que nós vamos dar um jeito de fazer o avião funcionar corretamente.

Se você vai em um aeroporto e às vezes o seu vôo atrasa, muitas vezes é porque a aeronave está com um problema. Todo mundo já passou por isso. Mas no caso da empresa as pessoas sabem que podem contar com a gente, que vamos enviar técnicos para fazer manutenção, que vamos tirar as aeronaves do solo. Essa é a nossa parte mais forte, é a reputação de que atendemos bem, de que quando precisa estamos lá, bem do jeito brasileiro, da cultura brasileira, de estar próximo, ser amigo. Isso principalmente na Aviação Comercial. Aviação Executiva é um mundo a parte.

Por exemplo, tem um avião com um problema em um determinado aeroporto da Europa. Temos uma unidade na Europa. A Boeing manda 2 pessoas para ajudar? Nós mandamos 30, mandamos um técnico de qualquer lugar se for preciso. Então, evidentemente, esse tipo de ação cria uma boa reputação para nós em termos de atendimento. Em relação aos prazos de entrega de produtos, às vezes saímos atrás de uma dada inovação feita por um concorrente, mas como temos flexibilidade ganhamos o mercado.

Como foram os projetos de inovação realizados com apoio da Fapesp e com universidades? Como se chegou a um estágio de confiança? A comunicação ajudou a chegar nesse estágio?

Os projetos foram bem executados. Em relação às universidades, temos parcerias com universidades do mundo inteiro. É bem mais fácil trabalhar com elas lá fora. Universidades de fora, principalmente as americanas, querem resultados. Aqui dentro o pesquisador é cobrado para fazer papers. Lá fora, o que eles querem é tecnologia.

Aqui dentro em geral o que ocorre não é que o pesquisador desconfia da empresa ou que a empresa desconfia do pesquisador. Mas há uma estrutura que emperra o andamento das coisas. Temos problemas com propriedade intelectual, por exemplo. Aqui você inicia um projeto, às vezes sem saber para onde aquele projeto vai, mas a universidade quer o royalties da inovação na saída. Nós sequer sabemos para onde o projeto vai... Temos uma parceria com o MIT que envolve pesquisas de nanotecnologia. Também não sabemos para onde esse projeto vai. Mas, quando descobrirmos algo importante, cada um vai para a sua casa com a descoberta e quem deu o dinheiro fica com a Propriedade Intelectual. Não é assim no Brasil. Então muitas vezes não importa a comunicação que você tenha, não vai funcionar, em razão da estrutura. Te dou outro exemplo. Tínhamos uma pessoa de uma universidade daqui que era muito aberta ao contato com a empresa, sempre se comunicou com a gente bem, nós sempre mantivemos uma relação de confiança. Mas muitos projetos que tentamos fazer junto com ela não andaram. Aí essa pessoa foi trabalhar em uma universidade nos EUA, no próprio MIT. Nossos projetos conjunto deram um salto. Então não é uma questão de confiança, não é uma questão de comunicação, é a própria estrutura que emperra o bom andamento das coisas. Nos Estados Unidos e na Europa isso é muito diferente.

Mas é possível que a confiança desenvolvida ajude a diminuir as incertezas de um projeto conjunto?

Isso sem dúvida. Seria muito pior se houvesse desconfiança. Com desconfiança, os projetos não andam. Se a gente não acredita na intenção de um pesquisador, não vamos atrás. Mas essa confiança tem que ser mútua. O pesquisador também precisa acreditar no trabalho que estamos desenvolvendo. Caso contrário, se o caminho que trilhamos for feito sem confiança, os problemas vão ser inúmeros. Aí não vale a pena.

E em relação aos financiamentos obtidos pela empresa? A confiança conta para a obtenção?

Há financiamentos e financiamentos, existem diversos tipos. A OMC veta financiamentos para algumas atividades que envolvem construção de aeronaves. A confiança conta, mas aí nesse caso é uma questão de confiança em relação à instituição empresa, não é algo pessoal. Em um caso de busca de financiamento, não importa muito o pessoal. Pode ser eu ou outra pessoa daqui da empresa que vá atrás, o que a fonte de financiamento vai analisar é se a empresa é confiável. Ter uma boa reputação nesse caso de financiamentos importa muito.

Queria que você fizesse um comentário a respeito das seguintes frases. São frases que ouvi em uma palestra da empresa assistida no Open Innovation Seminar, SP, 2013: 1.Evite projetos com muitas instituições.

No Brasil, com certeza. Lá fora, não há problemas o número de instituições que participam. Mas, no Brasil, com certeza, devido à estrutura, aos trâmites burocráticos... Nesse projeto com o MIT sobre nanotecnologia, existem 26 empresas participantes. Então aí não vemos problemas...

2. Alinhe o trabalho com o pesquisador responsável, mas com bolsistas e técnicos também

Sim, é preciso deixar todo mundo alinhado. Mas nós não contratamos bolsistas em função das normas jurídicas. Quando vamos trabalhar com um bolsista, contratamos a pessoa.

3. Esteja presente sempre que necessário

Sim, por duas razões. Em primeiro lugar porque a comunicação face a face funciona melhor. Em segundo, porque podemos analisar melhor a condução do projeto.

4. Não deixe nada subentendido. Evite frases como “acho que...”, “imagino que...”, “isso é óbvio...”

Esse tipo de frase pode gerar incerteza e nós fazemos um produto que leva gente e voa. Nós não podemos não ter certeza sobre alguma coisa. Precisamos corrigir o que não está certo, precisamos ter certezas. Além disso, no Brasil às vezes as coisas caminham de modo muito informal. As pessoas não colocam no papel o que precisa ser feito. Papelada, no Brasil, é sinônimo de burocracia. Nos Estados Unidos e na Europa, especialmente na Europa, não. Aí papelada serve para definir o escopo do projeto. Isso é da cultura de cada local.

5. “80% ou mais do sucesso de um projeto tem a ver com pessoas”

Discordo um pouco. Tem a ver com conhecimento e atitude. O conhecimento faz muita diferença, atitude sem conhecimento não ajuda em nada. Tem muito da parte técnica também. Claro que tem a ver com pessoas, mas conhecimento é fundamental.

Como a empresa entende o papel do setor de Comunicação e Marketing na construção da imagem da empresa?

Nossa comunicação externa é pequena. Mas é muito importante nas linhas de Aviação Comercial e de Defesa e Segurança para que possam acreditar na gente. Em relação à linha Executiva, aí é essencial. O cliente que quer algo da linha Executiva precisa confiar na gente e, para isso, precisamos nos comunicar bem com ele.

Outro papel forte dado para a área de Comunicação é na atração de pessoas. Para trabalhar aqui, precisa ter um perfil específico, precisamos de pessoas com bons conhecimentos, ousadas e inovadoras. Não é trivial achar isso no mercado, de modo que a Comunicação ajuda bastante.

Em relação ao mercado, instituições governamentais e acionistas, trabalhamos especialmente na área de Comunicação para gerar confiança e transparência. A transparência precisa ser total. Por exemplo, relatórios anuais aos acionistas procuram mostrar de modo muito claro o que a empresa faz, que atividades estamos desenvolvendo, o que esperamos do futuro próximo. É preciso ter clareza e transparência para que os acionistas acreditem na gente. Temos também algumas pessoas que são porta-vozes da empresa. São funcionários da empresa, localizados em pontos específicos, onde há dinheiro e onde há governo, que conversam com as pessoas, são porta-vozes da empresa, mostram também como estamos e o que estamos fazendo. São pessoas essenciais, vez que ajudam a captar recursos e mostram que investir na empresa vale a pena.

Com base em autores como Ronald Coase, Everett Rogers e, mais recentemente, Niklas Kviselius, pode ser dito que “a comunicação pode gerar confiança entre indivíduos e a confiança contribui para diminuir os custos do processo de inovação”. Qual sua opinião sobre isso?

Concordo cem por cento. A inovação depende da comunicação. Nós fazemos nosso processo de inovação por fluxo de valor e gerenciamos esse fluxo. Logo, quando alguém faz uma inovação na empresa, outros ficam sabendo. Evidente que é impossível evitar toda duplicação de esforços, às vezes acontece sim, mas aqui dentro prezamos muito pela comunicação. Uma funcionária foi deslocada daqui para a nossa unidade nos Estados Unidos e ela me ligou um dia desses e me disse - “descobri a palavra que define a empresa: é alignment”. Quer dizer, estamos o tempo todo procurando alinhar as coisas, a fim de avançar nos processos da empresa, incluindo os processos de inovação.

Quando temos 2 pesquisadores aqui dentro, a confiança também é essencial. Por exemplo, se existe confiança, quando um fala, o outro vai na dele. Se não existe, esse processo é muito travado, não existe plena harmonia na equipe e os custos tendem a ser mais altos.

Quais canais são utilizados pela empresa em sua comunicação interna? Existem programas institucionais que promovem a comunicação e ajudam nos processos inovativos?

Temos diversos canais. Estamos atualmente criando uma rede social interna. Porque ainda estamos em fase de criação, peço a você para não mencionar esse ponto. Mas sempre fazemos processos de compliance, temos milhares de páginas na nossa intranet, temos o desafio de inovação.

Na prática, o desafio de inovação funciona?

Funciona, com todos os riscos inerentes à atividade inovativa, quer dizer, de cada 10 ideias, uma será realmente inovadora.

E temos também comunidades práticas para discutir alguns pontos. Essas comunidades são bem importantes. São comunidades formadas de modo espontâneo, em torno de 1 assunto, criadas por pessoas que se organizam e debatem, debatem, debatem. Passam anos, por exemplo, debatendo “túneis de vento”.

Essas comunidades são essenciais porque ajudam bastante no avanço de processos inovativos. Elas contribuem para a evolução do Manual Prático Aeronáutico, que é o coração da empresa. Muitas coisas que eles discutem, que trazem em torno desses assuntos, viram modificações no Manual e é aplicado na empresa. Por isso essas comunidades são bem relevantes.

Posso ver o Manual?

Como você vê a Lei de Inovação e os efeitos que ela provocou no mercado? Houve avanços?

Sim, houve avanços, mas o marco regulatório no Brasil em relação à inovação não é bom. Houve algum avanço, mas o ambiente de negócios brasileiro continua muito ruim. A situação na Europa e nos Estados Unidos é muito diferente, é muito mais fácil fazer negócios lá fora, trabalhar com universidades lá fora.

Infelizmente, nosso tamanho nos EUA é pequeno. Aqui dentro, se você fala na nossa empresa, é muito fácil as pessoas saberem o que é, o que ela faz, que ela é uma empresa de grande êxito, até mesmo por ser a única do hemisfério sul que se saiu bem nesse setor. Mas, nos EUA, a situação é completamente diferente, nós não somos tão conhecidos, estamos em uma posição de menor destaque e às vezes isso dificulta.

Embora sejam mercados diferentes, a Honda criou o carro City com base na ideia de um carro do futuro que tivesse “mais homem, menos máquina” Por isso o carro ficou menor em comprimento e maior em altura, como uma esfera, com espaço interno. Foi com base em discussões dessa ideia que se chegou ao modelo. A empresa tem alguma frase assim que motivou uma inovação ou um novo produto?

Não, não temos. Não temos uma ideia geral dessas.

Mas no caso de um avião em particular você falou em um avião confortável e confiável para 100 pessoas.

Sim, naquele momento, para aquele nicho de mercado, para aquele tipo de passageiro específico, tivemos a ideia de apostar em conforto em vez de apostar puramente em preço. Nesse caso, a ideia de um avião confortável norteou um pouco sim essa criação.

Anexo II - Entrevista com o analista de marketing e comunicação empresarial da