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A visão de Hayek sobre instituições: o papel da comunicação

CAPÍTULO 1: ECONOMIA EVOLUCIONÁRIA E INOVAÇÃO

1. Um pouco de teoria

1.2 Visões heterodoxas

1.2.1 Economia evolucionária e o papel das instituições

1.2.1.2 A visão de Hayek sobre instituições: o papel da comunicação

Outra formulação sobre instituições, que também se liga a um arcabouço evolucionário, pode ser encontrada nos escritos do austríaco Friedrich Auguste von Hayek (1945). No entanto, conforme afirma Leathers (1990), Hayek praticamente ignorou Veblen, ainda, ou talvez pelo motivo, que este havia tecido críticas aos economistas clássicos e à “escola austríaca”, a qual, anos mais tarde Hayek pertenceria. Diz Leathers:

(…) Veblen criticou a 'Escola Austríaca' (representada por Carl Menger4) ao

dizer que ela era 'incapaz de quebrar com a tradição clássica segundo a qual a Economia é uma ciência taxonômica'. (Veblen, 1898). A falha austríaca foi atribuída a uma 'percepção falha sobre a natureza humana' (Veblen, 1898). À luz dessa crítica e da teoria evolucionária de Veblen (…), é notável que um membro tardio da Escola Austríaca, F.A.Hayek, também desenvolveu uma teoria evolucionária que incluiu uma concepção distinta da natureza humana. Curiosamente, Hayek praticamente ignorou a teoria evolucionária de Veblen, deixando aos outros a tarefa de traçar semelhanças e diferenças entre as 2 teorias. (...) (LEATHERS, p.1, 1990).

Há diversos textos que analisam as semelhanças e diferenças entre o Velho Institucionalismo e a chamada Escola Austríaca (ver, por exemplo, Samuels, 1989;

3 Disponível em http://thorstein.veblen.free.fr/index.php/documents/65-thorstein-veblen-theory-of- institutional-change-beyond-technology-and-determinism-olivier-brette.html , acesso em 1 de junho de 2015)

Rutherford, 1989). Entre as diferenças, é possível afirmar que a visão austríaca coloca ênfase em um individualismo metodológico, enquanto que os institucionalistas se apoiam em uma visão mais holística. Mas há semelhanças, especialmente na medida em que ambas as escolas criticam duramente a visão neoclássica de equilíbrio. Mais do que isso, ambas também veem a economia como um processo de evolução constante. Hayek, contudo, não pode ser considerado um institucionalista da velha escola de Veblen.

Isso porque, em Hayek, a noção de instituição é bastante diferente da noção em Veblen. Em Veblen, conforme vimos e nas palavras de Hodgson, “instituições são um tipo especial de estrutura social com o potencial de mudar os agentes, incluindo mudanças em suas preferências e objetivos” (Hodgson, 2006, p2). Em Hayek, contudo, o conceito de instituições adquire uma essência de comunicação. Conforme afirma Myerson (2006), em um texto essencial publicado em 1945 (“The Use of Knowledge in Society”), Hayek argumentou que “a chave para uma nova teoria econômica deveria ser o reconhecimento de que instituições econômicas (…) devem ter a função essencial de comunicar informações dispersas sobre desejos e recursos de diferentes indivíduos na sociedade”. (Hayek, 1945).

Hayek se voltará em seus escritos contra o planejamento econômico estatal, em oposição ao que preconizava Keynes. No texto de 1945, ele afirma que o conhecimento está disperso entre as pessoas e que a discussão sobre a melhor forma de utilizar esse conhecimento é central para a ciência econômica. O planejamento é feito com base no conhecimento e, por isso, “os diferentes modos por meio dos quais o conhecimento no qual as pessoas baseiam seus planos é comunicado para elas é um problema crucial para qualquer teoria que procure explicar o processo econômico” (Hayek, 1945, p.520).

Na sequência, ele diferencia tipos de conhecimento. Há o conhecimento científico, que muitas vezes pode ser transformado em estatísticas, e o conhecimento definido por ele como “de circunstância de tempo e lugar”.

Esse segundo tipo é bastante complicado de ser mensurado de modo agregado, vez que depende de particularidades e circunstâncias às quais os indivíduos estão sujeitos. De modo que estatísticas agregadas quanto a esses conhecimentos precisam abstrair tais diferenças. O problema é que, muitas vezes, as diferenças são essenciais nas decisões que o agente tomam. Portanto, um órgão que processe esse conhecimento e tome decisões por todos nem sempre irá obter um melhor resultado que se os agentes tomassem as decisões por si mesmos.

Hayek argumenta então que o ideal seria saber como utilizar da melhor forma os recursos existentes sem que exista um controle geral; não apenas sem um controle geral, mas, no nível do indivíduo, sem um controle consciente. Como, por fim, criar incentivos que façam

com que os indivíduos ajam de forma desejável sem ninguém para os contar o que devem fazer.

Nessa linha, Hayek formula o seu conceito sobre instituições. Ele cita o filósofo e matemático inglês Alfred Whitehead. Segundo esse filósofo, ao contrário do que é geralmente dito, o indivíduo não deve pensar no que está fazendo, uma vez que as civilizações só avançaram na medida em que aumentaram o número de operações importantes que faziam de modo automático. Para Hayek, isso é de profundo significado no campo social. Afirma ele:

(…) Nós fazemos uso constante de fórmulas, símbolos e regras cujo significado nós não entendemos e por meio desse uso nós nos valemos de conhecimentos que individualmente não possuímos. Nós nos valemos de hábitos e instituições que se provaram exitosos em seus próprios campos e os quais, por sua vez, nós tornamos os fundamentos da civilização que temos construído. (…) (Hayek, 1945, p.528)

Pelo exposto até aqui, pode ser dito que Hayek via as instituições como auxílios para a vida em sociedade, a qual é caracterizada pela transferência de conhecimentos entre indivíduos de campos diversos, cada qual sujeito a circunstâncias de tempo e lugar diferentes. Essa transferência de um conhecimento que importa para os planos individuais ocorre de modo comunicacional e por essa razão é preciso estudar todas as formas de comunicação envolvidas no processo econômico.

Em textos seguintes de sua obra, o economista austríaco passou a ter uma visão mais cética e sombria. Ele afirmou que existe um conflito entre “instintos inatos” compatíveis com a vida social em pequenas tribos e a tendência de agir segundo certas normas que permitem o surgimento de uma civilização. Hayek descreveu o homem moderno como um ser atormentado por conflitos criados por camadas de normas que o afligem e o forçam a mudar o seu comportamento (Leathers, 1990). A civilização só se tornou possível, escreve o austríaco, quando o homem domou seus instintos primitivos com costumes não racionais que o permitiu viver em comunidades maiores.

No entanto, “nem as instituições formadas nem valores e regras ideais refletem a ética natural da natureza humana ou a razão humana” (Leathers, p.64-65). A tese evolucionária de Hayek passa a ser que o homem não foi capaz de inventar instituições que satisfizessem seus instintos ou suas razões. Talvez por isso o processo inovativo, tanto de bens e serviços quanto de instituições, não cesse.

Veblen e Hayek viam de modo diferente as instituições presentes na cultura das empresas modernas e que influenciavam o processo de inovação. A esse respeito, Leathers

(1990) afirma que:

(…) Veblen descrevia de modo ácido as instituições presentes na cultura de empresas modernas como resíduos arcaicos do período bárbaro, quando as condições materiais de vida favoreciam forte conduta de instintos predatórios. Nas suas formas não-contaminadas, entretanto, esses instintos que importam ao grupo parecem ser compatíveis com progresso tecnológico, uso eficiente e pleno da capacidade industrial, máxima produção de bens úteis e justiça social. Em contraste, Hayek vigorosamente defende as instituições e valores do sistema de negócios empresarial e enxerga a ascensão do socialismo e preocupações gerais com justiça social como negativas. Ele atribui essas preocupações à reemergência de instintos primordiais suprimidos (…) (LEATHERS, 1990, p.65)

Antes de continuarmos, é importante observar que, embora fosse contra o conceito de “justiça social”, que via como enganoso, Hayek defendia a existência de uma renda mínima universal, para todos os membros de uma sociedade. Essa sua posição era embasada na ideia de que a justiça não se faz em termos de resultados, mas sim de procedimentos, de modo que, quando o livre mercado gera resultados, esses não são justos ou injustos, podem ser lamentáveis, mas, se os procedimentos não forem corretos, uma ideia de justiça de um indivíduo ou de um grupo não pode “consertá-los”.

Nas suas palavras, “não pode haver justiça distributiva onde ninguém distribui”. Mais do que a justiça em si, ele duvida de um “czar” que possa julgar o que as pessoas de fato merecem. Além dessa explicação, é preciso observar que as ideias de Hayek foram geradas, em boa parte, durante a Guerra Fria, e o autor, notório defensor do livre mercado, mostrava-se totalmente contra o socialismo soviético. Talvez, entretanto, nem esses pontos possam excluir de polêmica, ou da pura discordância, essa sua posição, o que não invalida suas outras colocações.

De qualquer modo, há grande diferença entre as apreciações feitas por Veblen e Hayek quanto a instituições da cultura empresarial, o que afeta, por fim, suas posições sobre a economia evolucionária. Se, em Veblen, a evolução surge de uma interação entre instintos, instituições e tecnologia, em Hayek o processo evolutivo adquire outras cores.

Hayek descreve o comportamento individual como em parte racional, conduzido em busca de um objetivo, e em parte irracional, moldado pelo seguimento de normas. Em sua faceta não racional, o comportamento obedece a valores, regras, leis, linguagens e instituições que evoluíram de suas formas passadas. No evolucionismo hayekiano, há, por um lado, ordens sociais que evoluem de modo espontâneo, e, por outro, modos de organização planejados para um determinado fim. As grandes realizações e os grandes feitos são obtidos

espontaneamente, de modo evolutivo.

Sobre as ordens sociais espontâneas, Leathers comenta que Hayek

(…) argumenta que as ordens espontâneas (evolutivas) são muito complexas e delicadamente balanceadas para ser completamente compreendidas pela mente humana. O conhecimento é muito fragmentado e bastante disperso nas mentes dos indivíduos (…). Hayek descreve a própria mente como uma adaptação ao meio social e natural que se desenvolve concorrentemente à sociedade. Portanto, a mente não pode nunca compreender a complexidade de ordens sociais espontâneas e não pode nunca antecipar as consequências completas de qualquer ação dentro ou naquela ordem. (…) (LEATHERS, 1990, p.66)

Nesse quadro, ocorre a evolução econômica. Ela é caracterizada sobretudo pela seleção natural de costumes e práticas eficientes. A inovação é um elemento central, uma vez que o processo evolutivo

(…) é iniciado por indivíduos ao acaso que por tentativa e erro descobrem soluções para novos problemas. Ainda que o efeito social de tais descobertas seja não desejado, já que os indivíduos estavam buscando seus próprios interesses, a sociedade se beneficia à medida que práticas exitosas provam ser úteis no longo prazo para a sobrevivência e prosperidade do grupo (…). Apesar de sua ênfase no indivíduo, Hayek coloca apenas um teste possível para normas e instituições no processo evolucionário – aquela da seleção e sobrevivência do grupo (…) (LEATHERS, 1990, p.66)

Conforme vimos, essas práticas exitosas de campos diversos, na visão de Hayek, podem passar a ser instituições se forem socializadas. Nesse caso, um indivíduo não precisa deter pleno conhecimento sobre suas ações, mas sim se valer de conhecimento compartilhado. O compartilhamento é comunicacional, de modo que o processo econômico se desenrola na medida em que existe comunicação. A prosperidade de um grupo depende de sua força comunicativa.

Nesse sentido, ao contrário da visão de Veblen sobre o evolucionismo, a de Hayek é menos holística e mais utilitária. Por outro lado, afirma Leathers, Veblen poderia classificar a teoria econômica evolucionária de Hayek como meramente descritiva, uma vez que, como nos economistas clássicos, falha em entender o que de fato gera a mudança. Por essa razão, ele seria um economista clássico tardio. No entanto, como já foi visto, Hayek é tido por muitos economistas, como Hodgson, Wäckerle e Nelson como evolucionário.

Tomando como base as posições de Hayek em relação à comunicação, instituições e inovação, ele se caracteriza como um economista bastante moderno. Devido ao aumento da

complexidade comunicacional no mundo contemporâneo, suas ideias se fazem ainda mais relevantes.

Não é em Hayek, contudo, que o maior substrato para ideias sobre inovação são encontradas. Se houve um economista a lidar de forma bastante avançada com questões inovativas, esse foi o conterrâneo de Hayek,Joseph Schumpeter. Nos textos de Schumpeter se encontram ideias ainda mais importantes para a compreensão da atividade inovadora.