• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 4: Inovação e inclusão políticas, práticas e cultura

5.3. A entrevista: do encontro e escuta ativa rumo ao significado factual

A etimologia situa a palavra entrevista em duas origens: no Francês entrevue, (ato de ver um ao outro/breve visita) e no Latim inter + vedere (entre + ver). Sentindo-nos incapazes de as dissociar, abraçámos estas duas definições no sentido de consubstanciar aquilo que pensamos que as entrevistas representam no seu âmago: o acolhimento mútuo entre o olhar do entrevistador e o olhar do entrevistado, num tempo breve e no qual a conversa, fazendo-se convidada, granjeia a porta de entrada da interioridade dos interlocutores e parte à descoberta de pensamentos, de vivências, de sentimentos, de opiniões e de experiências.

Dada a sua extensão e singularidade, os resultados provenientes das entrevistas têm que ser equacionados minuciosamente, de modo a que a informação que comportam se torne útil e significativa. Assim, intrinsecamente ligada às entrevistas, surge a análise de conteúdo, a qual, responsável por fazer emergir os dados relevantes, oriundos das mesmas, é, decisivamente, um dos instrumentos de referência na prossecução de estudos de natureza qualitativa.

É neste sentido que Goetz e LeCompte (1984) citado por Januário (1996) referem que, no âmbito das estratégias de investigação qualitativa, a entrevista destaca-se de entre os métodos interativos, na medida em que privilegia a obtenção de dados através do contacto, da estimulação ou da interação pessoal.

Estrela (1986), por seu lado, adita às ilações focadas anteriormente que a real finalidade das entrevistas consiste “(…) na recolha de dados de opinião que permita não só fornecer pistas

para a caracterização do processo em estudo, como também conhecer, sob alguns aspectos, os intervenientes no processo (…) e os seus quadros conceptuais (…)” (p. 354).

Ainda de acordo com este ponto de vista, Pacheco (1995), citando Walker, destaca que as entrevistas têm como missão “(…) ir peneirando a superfície da consciência do sujeito, em busca de um conjunto de afirmações, opiniões e atitudes (…)” (p. 88).

Também Santos Guerra (2006) complementa o pensamento, explicitado anteriormente, quando reitera:

(…) estamos perante sujeitos racionais (entrevistador, mas também entrevistado), sendo que ambos dão sentido à sua acção e, de forma aberta e transparente, definem o objectivo dessa interacção: um pretende colher informações sobre percursos e modos de vida sobre os quais o outro é um informador privilegiado pelo fenómeno social que viveu. Assim, estamos perante um informador que, como sujeito inteligente, é capaz de reconhecer o seu interesse na pesquisa e concentrar-se na maioria das interrogações que o investigador coloca. Do ponto de vista relacional, a entrevista exige (...) uma relação de confiança: neutralidade e controlo dos juízos de valor, confidencialidade, clareza de ideias para as poder transmitir e devolução dos resultados (p. 21).

Prosseguindo na evocação das nossas escolhas, ancorámos nos pressupostos, anteriormente justificados, a escolha da entrevista não diretiva, enquanto instrumento central de recolha de dados, baseando-nos no facto da mesma nos parecer uma técnica, deveras plausível, para a investigação pretendida, na medida em que, ao possibilitar um contacto mais próximo e direto entre o investigador e os entrevistados, permite uma maior fluidez do discurso e das ideias. Isto, se tivermos em conta que o entrevistador pode, se necessário, promover junto dos seus entrevistados explicitações e pistas, suscetíveis de iluminar, centrar e facilitar a abordagem dos assuntos e da informação pretendida, sem quartar a espontaneidade, a liberdade e o desenrolar do pensamento.

No nosso caso, as entrevistas prediziam e afiguravam-se como base consistente para o porvir de um trabalho, expectante e sequioso de informações cruciais e valiosas, junto dos nossos entrevistados, dadas as suas experiências de vida, memórias e afiliação relativamente à Educação Especial na Madeira.

Para Fortin (2009):

(...) a entrevista não estruturada é utilizada em estudos exploratórios, quando o entrevistador quer compreender a significação dada a um acontecimento ou a um fenómeno na perspectiva dos participantes (...) para a entrevista não estruturada, utiliza-se um guião com as grandes linhas dos temas a explorar, sem indicar a ordem ou a maneira de colocar as questões. A grelha da entrevista fornece um inventário dos temas a cobrir e (...) desenrolam-se como uma conversação informal (...) o investigador formula questões de resposta livre (...) as questões de resposta livre ou questões abertas deixam o sujeito livre

para responder como entender, sem que tenha de escolher respostas predeterminadas (p. 247).

Configurados que estavam os nossos propósitos, acima definidos, partimos para a construção de um guião, a partir das propostas de Bogdan e Biklen (1992), de Estrela (1994) e de Ghiglione e Matalon (1997), qual fio condutor que nos ajudou não só a estruturar e a concretizar a entrevista, mas também a configurar a posterior análise de conteúdo que urgia fazer, após a sua realização. A maleabilidade que lhe atribuímos indiciava, quer a possibilidade de aprofundamento das questões que intencionalmente tínhamos para a entrevista, quer a introdução de novas questões, decorrentes do diálogo entre entrevistador e entrevistados.

Devemos referir que o nosso guião foi pensado e construído em função dos objetivos que vislumbrávamos alcançar, sempre assente numa lógica própria e estruturante, relativamente àquilo que pretendíamos captar. Dele gostaríamos de destacar as dimensões agregadoras que organizámos em blocos, na tentativa de perceber a aproximação (ou o distanciamento) entre o que a literatura consultada apontava como elementos chave, comparativamente às representações, opiniões e atitudes dos nossos entrevistados, expressas nas informações que partilhariam connosco, tendo por base as suas vivências e sentimentos, associados ao conhecimento da realidade da Educação Especial na Madeira, bem como à percepção do impacto desse fenómeno no contexto político, social e educativo em que se inscreveu.

De modo a ilustrar melhor a nossa pretensão apresentamos, seguidamente, os treze blocos temáticos, enquanto guião, à volta do qual as entrevistas se desenrolaram, bem como as intenções que nos mobilizaram quando o determinámos:

Bloco A - Legitimação (da entrevista) - informar o entrevistado acerca da temática e do

propósito e finalidades da investigação, agradecer a disponibilidade e a colaboração e garantir a confidencialidade das informações.

Bloco B - Identificação - recolher o nome (do qual apenas serão usadas as iniciais) e a

idade.

Bloco C – Ligação (à Educação Especial) - Situar os entrevistados relativamente ao

período em que trabalharam ou colaboraram com a Educação Especial, clarificando a função ou o cargo que desempenharam, tendo em vista a captação de diferentes perspetivas acerca da realidade em estudo.

Bloco D - Motivação (para o exercício de funções na Educação Especial) - perscrutar

as razões que levaram os entrevistados a escolher a Educação Especial como projeto de vida profissional, a fim de averiguar se a visibilidade e a estrutura organizacional da educação especial, à época da escolha, terão influenciado a mesma.

Bloco E - Ideologia - Indagar, junto dos entrevistados, que valores, ideais e princípios

atribuem à Educação Especial na Madeira, associando-os aos motivos que os terão determinado e vinculado.

Bloco F - Políticas - Pedir aos entrevistados que evoquem medidas, opções, orientações

e normativos que considerem relevantes no percurso da Educação Especial na Madeira.

Bloco G - Sociedade - Averiguar, junto dos entrevistados, que papel atribuem à

comunidade, ao nível do seu envolvimento, acolhimento de propostas, colaboração e legitimação de meios, em relação à Educação Especial na Madeira.

Bloco H - Práticas - Levar os entrevistados a elencar que particularidades consideram

ter existido na estrutura organizacional e no funcionamento da Educação Especial que se estabeleceu na Madeira, comparativamente a outras realidades existentes nesta área.

Bloco I - Lugares - Inquirir os entrevistados acerca das singularidades imputadas e

experienciadas, nos diferentes contextos da Educação Especial em que estiveram envolvidos, solicitando que situem o impacto que as mesmas exerceram, quer ao nível da ação desenvolvida, quer no âmbito do percurso pessoal e vivencial que protagonizaram.

Bloco J - Cultura - Sondar, junto dos entrevistados, que sinergias e que identidade a

Educação Especial na Madeira fez desabrochar e incutir entre os seus mentores, colaboradores, famílias e utentes, na disseminação de atitudes e de compromissos, face à sensibilização e à aceitação da diferença.

Bloco L - Paradigmas - Interpelar os entrevistados a estabelecer um paralelismo entre

a transformação, no campo da educação especial, ditada pelos marcos históricos e pelo avanço científico e a especificidade de respostas que o modelo implementado na Madeira consolidou.

Bloco M - Pessoas - Ouvir os entrevistados relativamente às representações que

possuem acerca do Professor Eleutério de Aguiar e da sua ação no âmbito da Educação Especial na Madeira.

Bloco N - (Outros) aspectos (não questionados) relevantes para cada entrevistado -

Pedir a cada entrevistado que refira alguma dimensão que, não tendo sido equacionada pelo entrevistador, se revele suscetível de complementar e enriquecer a informação.

As vinte e oito entrevistas áudio gravadas e os dois testemunhos que recolhemos espontaneamente, foram transcritas e analisadas, de modo a assinalar os elementos que se destacaram como passíveis de serem cruzados, quer com os objetivos e questões de investigação colocados inicialmente, quer com os referentes teóricos que, paulatinamente, fomos elegendo como relevantes ao longo do processo, quer ainda com os dados provenientes da análise documental, qual constelação que nos guiou na trajetória deste nosso trabalho.

Finalmente, sob o peso da responsabilidade e da complexidade, inerente ao processo e à circunstância de entrevistar alguém, no intuito de nos serem patenteadas informações e conhecimentos passíveis de iluminar as questões elencadas, aquando do ponto de partida e, sentindo-nos em consonância com o pensamento de Hammersley e Atkinson (2005, p. 173), quando advogam que:

Las entrevistas deben ser entendidas como un acontecimiento social en el que el entrevistador (y por este motive también el entrevistado) es un observador participante (…) Más bien todos los relatos deben ser examinados como fenómenos sociales que ocurren, y se relacionan, en un contexto particular (…),

agendámos encontros e encetámos a empolgante aventura dialógica, alavancados pelo entusiasmo, curiosidade e expectativa que, inexoravelmente, fervilhavam dentro de nós.