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Perante as ideias e factores, apresentados anteriormente e que, plasmados em diferentes ideologias e visões acerca da educação, foram acolhendo a especificidade e a diversidade, de que se revestem os quotidianos da vida em sociedade, em consonância com as experiências protagonizadas pelos povos, ao longo dos tempos, constatamos que as diferentes culturas sentiram necessidade de desencadear estruturas organizacionais para a operacionalização do ato educativo, junto dos sujeitos a educar.

Barbosa (2007) cita Ibañez-Martin na constatação de que, relativamente ao desenho concetual dos sistemas educativos,

Cada época histórica teve o seu valor e cada povo teve um valor de referência que é a alma do sistema educativo. Os Fenícios tiveram o valor comercial, o valor económico, os Gregos tiveram o valor estético e o valor intelectual, os romanos tiveram o valor político. O predomínio dos valores hedonísticos acelerou a decadência romana. Os povos primitivos costumavam antepor os valores vitais: a força, a energia e o arrojo. O povo Judeu clássico e a Idade Média cultivavam os valores científicos e os valores técnicos. O Romanticismo antepôs o valor estético e o século XX fez emergir um agudo sentido de justiça social e do contexto moral (p. 17).

Esta afirmação remete-nos para o pensamento de que os sistemas educativos não se alicerçam na neutralidade, mas antes, expressam as ideologias, os valores e a vontade dos poderes instituídos. Complementando esta ideia, Nóvoa (2005) alude:

Tudo são evidências nos textos e nos debates, nas políticas e nas reformas educativas. Ninguém tem dúvidas. Todos têm certezas. Definitivas. Evidências do senso comum. Falsas evidências. Continuamente desmentidas. Continuamente repetidas.

Crenças. Doutrinas. Visões. Dogmas. Tudo misturado numa amálgama de ilusões. É evidente que só pela educação se conseguirá a regeneração, e o progresso, e a modernização, e a industrialização, e o desenvolvimento do país. Evidentemente.

Os reformadores oitocentistas não hesitam quanto ao papel da educação. Menos dúvidas ainda têm os políticos republicanos, e os conservadores nacionalistas, e os tecnocratas liberais, e os democratas progressistas. Evidentemente.

Os pedagogos têm crenças inabaláveis na educação. Os anti-pedagogos também. São crenças iguais, por vezes de sinal contrário. Para transformar ou para conservar, para revolucionar ou para perpetuar, nada melhor do que a educação. Evidentemente.

Os educadores laicos conhecem as razões da decadência civilizacional. Os educadores religiosos as da decadência moral. Uns e outros sabem que tudo se resolverá pela educação. Não há outro lugar da sociedade tão carregado de crenças e convicções (p. 14).

Reportando-se a uma remota tentativa de estruturação também Rodriguez (2017) atribui a Martin Lutero, já nos finais do século XVI, a ideia do primeiro dos sistemas educativos, semelhante aos que hoje conhecemos, enaltecendo a sua visão enquanto defensor de uma educação para todos, no apelo que lançou aos governos da Europa para que apostassem numa “educação universal e cristã” como meio propulsor do desenvolvimento integral do ser humano, numa época em que a educação apenas contemplava os filhos dos reis, dos nobres e dos aristocratas.

Este facto leva-nos a depreender que, em épocas longínquas da História, apesar de isoladas, já se levantavam algumas vozes quanto ao sonho de propagação da educação, encarando-a como eixo e vector de emancipação, de autodeterminação e de liberdade. No

presente, o debate que envolve os processos educacionais está longe de esmorecer e de ser consensual. Disso nos dá conta Nóvoa (2005), quando afirma:

As coisas da educação discutem-se, quase sempre, a partir das mesmas dicotomias, das mesmas oposições, dos mesmos argumentos. Anos e anos a fio. Banalidades. Palavras gastas. Irritantemente óbvias, mas sempre repetidas como se fossem novidade. Uns anunciam o paraíso, outros o caos – a educação das novas gerações é sempre pior do que a nossa. Será?! Muitas convicções e opiniões. Pouco estudo e quase nenhuma investigação. A certeza de conhecer e de possuir “a solução” é o caminho mais curto para a ignorância. E não se pode acabar com isto? (p. 9).

Complementando esta ideia Fernández (2012), referindo-se à educação, enquanto dimensão a que todas as sociedades e Estados devem responder e corresponder, através da definição de medidas políticas, assevera que ela se apresenta simultaneamente, como direito e como dever pelo facto de esse binómio, que a distingue e identifica, corporizar o direito e o dever dos educandos, o direito e o dever dos educadores, o direito e o dever da sociedade e, consequentemente, o direito e o dever do Estado, entendido enquanto organização identitária e legitimada pela sociedade.

Sensível à evolução de conceitos, o futuro impulsiona de modo constante e dinâmico o redimensionamento do presente. Daqui decorre que as Ciências da Educação não se podem subtrair a um exímio exercício de Scenario Planning dirigido ao seu campo de intervenção, exercício esse que, de acordo com Erdogan (2009), se institui em reserva de futuro que, alicerçando e fundamentando as ações do presente, antecipa potencialidades de ação e oferece a diferentes gerações um legado intangível, no domínio do conhecimento.

Intrinsecamente ligado ao sistema em que se desenvolve e em complementaridade com a linha de pensamento anterior Ralston e Wilson (2006) outorgam ao Scenario Planning algumas características que, na nossa opinião, se apresentam como passíveis de serem abraçadas pelas comunidades de aprendizagem, que compõem os sistemas educativos do século XXI, na eleição da mudança e da tão almejada transformação.

Destarte, os autores assinalam e distinguem no Scenario Planning factores como a Integração que promove a ligação estreita que deve existir entre o elencar das estratégias e as consequentes tomadas de decisão; a Relevância que se evidencia no continuum de interconexões significativas da tríade passado-presente-futuro a que se reporta; factores Holísticos, presentes na interligação do todo e das partes envolvidas no domínio a trabalhar, de modo a fortalecer a harmonia do conjunto; a Interatividade subjacente à gestão da trajetória, do impacto, da natureza e da imprevisibilidade dos fenómenos; factores Heurísticos definidos a partir das escolhas racionais e do estabelecimento de probabilidades e alternativas; e finalmente

factores Qualitativos que permitem olhar e analisar os fenómenos intangíveis, fluídos e indefinidos.

Também Sousa (2013), referindo-se à técnica de Scenario Planning, reforça a ideia explanada anteriormente, ao afirmar:

Como metodologia, os cenários ajudam-nos a olhar para outras possibilidades, a pensar o impensável, a desenvolver a flexibilidade cognitiva, o pensamento circular ao invés do linear, a resiliência e a velocidade de resposta, qualidades consideradas ganhadoras em qualquer organização. No fundo, é um desafio para os nossos modelos mentais. “What if?” “(E se...?)” (p.11).

Por conseguinte, torna-se evidente que a tarefa educativa agrega múltiplos decisores e atores, chamados à clarividente participação, a montante ou a jusante, no vasto e desafiante cenário, a que acorrem gerações e gerações, confiantes no seu papel, face à conquista de possibilidades de progresso e de realização pessoal e social.

Neste horizonte,também Chatellier (2006) situa as Ciências da Educação na linha do protagonismo e do dinamismo que as mesmas devem despoletar junto dos contextos educativos e dos seus atores, ao advertir:

Rappelant que tout conflit des modèles de construction de la réalité se traduit par des conflits entre des institutions et des communautés, ils plaident pour une «science subversive», réhabilitant le retour de la subjectivité, tout en maintenant une exigence de rigueur (opposée à tout dogmatisme) cherchant à inscrire l’homme et son avenir au centre de leurs préoccupations. C’est dans cette posture d’une attitude scientifique cherchant à déceler «la nature de la nature», «la vie de la vie», «la connaissance de la connaissance» ainsi que «les vies et mœurs des idées» que les chercheurs en Sciences de l’Éducation pourront dépasser les habituelles impasses de la discipline atomisée pour enfin envisager les Réformes de la Pensée nécessaires à la formation autant des enseignants que des élèves (p. 7).

Todas estas circunstâncias remetem-nos para o facto de que a amplitude de conceitos, de pressupostos, de domínios, de visões e de representações, acerca das Ciências da Educação, aguçam e ampliam a responsabilidade e o compromisso dos decisores políticos e dos diversos atores, na edificação de sistemas educativos, enquanto promotores do saber, do desenvolvimento e da capacitação dos seres humanos, enquanto pessoas e cidadãos.

Em Portugal podemos situar, no século XVIII, os primórdios da tentativa de regulação da educação com o Marquês de Pombal a preconizar um rudimentar sistema educativo, assente em três pilares: tutelado pelo Estado (retirando à Companhia de Jesus o monopólio educativo que detinha na altura), pautado pela laicidade e sustentado num currículo padronizado (Falcon, 1982). Independentemente da mudança de regime político, esta sistematização manteve-se em vigor, durante muito tempo, como refere Nóvoa (2005):

(...) a situação escolar parece largamente acomodada à esquadria traçada por Pombal (...) é

preciso esperar pelos anos 1835-1836 para que se estabeleça um primeiro corpo doutrinal (...) que vê no Estado-nação e no impulso industrial os elementos de progresso da sociedade (...) a ideia de educação passa a estar associada a novas formas de governo dos indivíduos e das sociedades (...) em 1870 é criado o Ministério da Instrução Pública que, em 1936, assume a designação de Ministério da Educação Nacional (p. 25).

Posteriormente, no período do Estado Novo, após uma aposta na edificação de espaços peculiares onde se localizavam as escolas, cultivou-se a ideia do papel ativo e voluntário dos educandos na sua formação integral e ensaiaram-se algumas propostas de métodos de ensino como alternativa às existentes, até então.

Mas foi só em 1976, dois anos volvidos após a instauração do regime democrático, que Portugal assumiu e plasmou na Constituição da República, do ano em epígrafe, que:

(...) O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva (ponto n.º 2, artigo 73.º).

Concomitantemente, orientados pela lógica da evolução de conceitos, demo-nos conta de que diferentes países projetaram e delinearam os seus respetivos ideários educativos, enquanto jazidas de poder, de ideologias, de vontades, de medidas e de mecanismos orientadores. Nesta linha de pensamento apercebemo-nos de que são os sistemas educativos que se estabelecem como reguladores de normas, revestidas de legalidade, para legitimar os caminhos da educação e da escolarização, junto do seu público alvo e da sociedade em geral.

Referindo-se aos mesmos, Perrenoud (2006) conclui:

Le système éducatif est aujourd’hui à cet égard dans une situation qui rappelle la problématique du développement durable: on entrevoit ce qu’il faudrait faire, on le dit, mais on ne le fait pas, parce que les intérêts particuliers des individus, des classes sociales et des nations l’emportent toujours (p. 16).

Entretanto, a teia do tempo foi ditando novos paradigmas e descobertas, a que já aludimos anteriormente, fazendo surgir, também em Portugal, a imperiosa necessidade de ajustar políticas e medidas aos ecos do progresso e demandas oriundas de organizações internacionais. Neste sentido, Nóvoa (2005) constata o surgimento e a particularidade daqueles a quem denomina “(...) novos especialistas da educação (...) Veiga Simão, Roberto Carneiro e

Marçal Grilo que personificam a corrente de pensamento e de intervenção política que dominou as últimas décadas do século XX” (p. 119).

Mais tarde, em 1986, no âmago da sistematização das políticas educativas, surgiu em Portugal a Lei de Bases do Sistema Educativo que, acrescida de três alterações, designadamente, em 1997 (Decreto-Lei 115/97); em 2005 (Decreto-Lei 49/2005); e em 2009 (Decreto-Lei 85/2009), ainda se mantém em vigor, atualmente. Dela queremos destacar alguns dos pontos que iluminam os paradigmas que temos vindo a apresentar:

O n.º 1 do artigo 1.º ao estabelecer o quadro geral do sistema educativo;

O n.º 4 do artigo 2.º quando declara: o sistema educativo responde às necessidades resultantes da realidade social, contribuindo para o desenvolvimento pleno e harmonioso da personalidade dos indivíduos, incentivando a formação de cidadãos livres, responsáveis, autónomos e solidários e valorizando a dimensão humana do trabalho;

O n.º 5, ao vaticinar: a educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva (Decreto- Lei n.º 46/86).

No entanto, apesar das quatro versões que sustentam esta Lei de Bases, muitas são as vozes que a consideram desatualizada, face aos novos imperativos da contemporaneidade, juntando-se a outros olhares críticos que acreditam que o saber, oriundo da investigação, deve ser valorizado pelos diferentes sistemas educativos, no sentido de recolocar a educação enquanto centro da intencionalidade educativa.

Por conseguinte, críticos e atentos aos sistemas estabelecidos, em complementaridade, consonância ou dissonância para com os mesmos, diferentes investigadores continuam a unir as suas vozes às dos técnicos, políticos e cidadãos, na eleição da temática da educação, enquanto foco que não deve enfraquecer, nem trair a sua génese, na defesa acérrima de que, tal como afirmam Gentili e Camacho (2013),

(...) a educação é um direito fundamental e um componente básico de desenvolvimento humano, entendido este como o incremento das capacidades e das opções dos cidadãos. O convencimento também é generalizado quanto a reconhecer que a educação é um eixo decisivo de contribuição às políticas de desenvolvimento para avançar na coesão e na inclusão social; com uma influência multissectorial determinante na saúde, no nível de ingressos, na mobilidade social, na igualdade entre homens e mulheres ou na conservação do meio ambiente. Daí que a educação ocupe um papel preponderante nos objetivos de desenvolvimento do milénio e de outros pronunciamentos igualmente relevantes no cenário das políticas de desenvolvimento internacional (p. 11).

Ainda a este propósito, como acérrimo defensor de uma política de educação bottom- up que, no tempo presente, mobilize as bases no sentido de projetarem, no quotidiano e no porvir, horizontes de progresso e de realização, Carneiro (2017)reitera:

(...) nem a mega reforma é necessária hoje, nem o sistema educativo tolera mais mudanças ditadas do topo por decreto governamental, nem as comunidades educativas (pais, professores, autarcas, empresários, sindicatos) devem continuar a ser paternalisticamente tratadas pelo poder central como se de destituídos ou incapazes se tratassem (...) isto significa libertar a escola da síndroma unificadora preferida pelos sistemas centralizados de perfil napoleónico, e de gestão burocrática, evoluindo para escolas autónomas, restituídas às respetivas comunidades de pertença e dominadas pelo modelo da abertura à vida e ao meio envolvente, marcadas pela inovação constante como fator diferenciador e de mais-valia institucional (p. 1).